Diário de São Paulo
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Importância dos povos indígenas

Dia dos Povos Indígenas: após 570 mortes de crianças, o que o governo tem feito pelos Yanomami?

A data é celebrada todos os anos no Brasil no dia 19 de abril

Celebração só foi devidamente incorporada ao calendário brasileiro depois de muita pressão de Marechal Cândido Rondon, que durante toda sua vida apoiou as populações indígenas brasileiras - Imagem: reprodução/Wikimedia @Cmacauley
Celebração só foi devidamente incorporada ao calendário brasileiro depois de muita pressão de Marechal Cândido Rondon, que durante toda sua vida apoiou as populações indígenas brasileiras - Imagem: reprodução/Wikimedia @Cmacauley

Thais Bueno Publicado em 03/04/2023, às 14h33


Os povos indígenas são parte essencial da formação do povo brasileiro. Eles estiveram no Brasil, literalmente, desde o início. Foi justamente por conta desse pensamento de valorização dos povos indígenas que foi criado o Dia dos Povos Indígenas, comemorado no país todos os anos no dia 19 de abril.

A data foi criada em 1943 pelo governo ditatorial do Estado Novo, instaurado por Getúlio Vargas. No entanto, a decisão de implantar a comemoração não veio de bom grado: a celebração só foi devidamente incorporada ao calendário brasileiro depois de muita pressão de Marechal Cândido Rondon, que durante toda sua vida apoiou as populações indígenas brasileiras.

De acordo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) coletados no censo de 2010, no Brasil existem 896.917 indígenas, sendo que 572.083 viviam na zona rural e 324.834 habitavam as zonas urbanas brasileiras. Além disso, eles estão divididos em 266 povos, segundo o PIB Socioambiental.

Recentemente, por conta do garimpo ilegal, do desmatamento e de outros diversos crimes ambientais, muitos povos indígenas estão sofrendo no Brasil. Os povoados estão passando por muitos problemas que poderiam ser evitados.

Os indígenas Yanomami

Os povos Yanomami são responsáveis pela maior terra indígena em extensão territorial do Brasil.

No dia 20 de janeiro deste ano, porém, uma reportagem do veículo independente Sumaúma veio a público e escancarou as mortes, todas evitáveis, de 570 crianças com menos de 5 anos, durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), que comandou o país de 2019 a 2022.

Tudo isso foi causado por graves crises de desnutrição e malária. Além disso, o território indígena vem sofrendo com a invasão de garimpeiros, que têm causado desorganização social e trazido problemas de segurança.

Segundo informações reveladas pelo próprio governo federal, isso gera ainda mais dificuldade no acesso de equipes de saúde às regiões onde existem muitos doentes Dessa forma, por estes e outros fatores, o que atinge os povos Yanomami é uma crise sanitária e humanitária.

O garimpo ilegal está praticamente destruindo toda a extensão da terra desses povos, que vivem entre os estados do Amazonas e de Roraima, além também de estarem no sul da Venezuela.

De acordo com Nísia Trindade, ministra da Saúde do governo atual, o principal fator que levou a essa tragédia envolvendo os povos Yanomami foi o garimpo não legalizado. Isso porque essa extração contamina os rios e também abre escavações no solo, originando novos depósitos de água que facilitam a proliferação de mosquitos. Por conta disso, há um aumento muito grande nos casos de malária.

Foi informado também que agentes do Ministério Público Federal (MPF) foram até a Serra das Surucucus, em Roraima, para verificar a situação. Eles viram, com os próprios olhos, que os garimpos ilegais simplesmente tomaram toda a região. Estavam até utilizando as pistas de pouso da saúde indígena como apoio logístico de aeronaves e helicópteros.

Através do relatório do MPF, então, foi possível constatar que os povos indígenas estão cada vez mais próximos do garimpo e não podem utilizar de seu habitat tradicional, que está sendo totalmente prejudicado pelo desmatamento e pela contaminação dos solos e rios, cheios de mercúrio.

É justamente por conta disso que a desnutrição passou a ser um problema para os Yanomami. 570 crianças, sendo 505 delas com menos de um ano, morreram vítimas da toxicidade do mercúrio e também da fome, já que ficou muito mais difícil para os indígenas produzir algo na região, completamente tomada pelos garimpeiros.

Além disso, no ano passado, também foram confirmados 11.530 casos de malária na região do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami. As faixas etárias mais afetadas estavam entre os maiores de 50 anos, seguidas pelas faixas de 18 a 49 anos e de 5 a 11 anos.

Quais as soluções apresentadas pelo governo atual?

O Ministério da Saúde declarou emergência de saúde pública e criou o Comitê de Coordenação Nacional não só para discutir o problema, mas também com o objetivo de adotar medidas através dos três poderes para prestar atendimento aos povos Yanomami.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), inclusive, viajou para Roraima no fim do mês de janeiro para acompanhar de perto tudo o que estava acontecendo. Junto com ele, esteve a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara.

"É muito triste saber que indígenas, sobretudo 570 crianças Yanomami, morreram de fome durante o último governo. O Ministério dos Povos Indígenas tomará medidas urgentes em torno desta crise humanitária imposta contra nossos povos", publicou a ministra em seu Twitter oficial.

No dia 22 de janeiro, um domingo, o Ministério da Saúde anunciou e já tinha publicado um link de cadastro para pessoas voluntárias que desejam apoiar a Força Nacional do SUS. Vale mencionar que o cadastro é permanente, ou seja, eventuais convocações podem ser feitas em novas missões.

As equipes são compostas por médicos, enfermeiros e nutricionistas que atuarão de acordo com suas especialidades.

Lula afirmou, em sua conta oficial na rede do passarinho azul, que a medida foi feita pois muitos voluntários estavam oferecendo ajuda aos indígenas Yanomami, que passaram por uma tragédia inimaginável durante os últimos 4 anos.

"Recebemos muitas mensagens de pessoas querendo ajudar no território Yanomami. O Ministério da Saúde abriu um formulário para inscrição de profissionais de saúde voluntários. Ajude a compartilhar. O Brasil é o país da solidariedade e esperança".

Flávio Dino, atual ministro da Justiça, também determinou a abertura de um inquérito policial para que a Polícia Federal investigue um possível crime de genocídio, além também de crimes ambientais nas terras indígenas dos povos.

Para Dino, "há fortes indícios de crime de genocídio" diante dos "sofrimentos criminosos impostos aos Yanomami".

Como ajudar mesmo de longe?

Existem algumas organizações não governamentais (ONGs) que promoveram campanhas para ajudar os povos indígenas Yanomami. São elas a Ação da Cidadania e a Central Única das Favelas (Cufa).

As entidades confirmaram que estão trabalhando em conjunto com os órgãos do governo federal, como o Ministério do Desenvolvimento Social e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), além também de algumas instituições militares, preparando locais para levar alimentos para os indígenas.

Para quem tiver interesse, eles estão aceitando doações diretamente nas sedes físicas da Cufa nos mais diversos lugares do país, ou até mesmo através de valores enviados pelo PIX.

Outras ONGs também atuam na defesa dos povos indígenas do Brasil. Conheça melhor algumas delas aqui!

1. Comissão Guarani Yvyrupa (CGY)

Essa ONG está atuando desde 2006 e abrange os coletivos do povo guarani que estão localizados nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Hoje, sua sede está na aldeia Tenondé Porã, em São Paulo, onde possui um escritório na região central e uma equipe intercultural de assessoria.

Sua atuação baseia-se na articulação em defesa dos territórios indígenas, e também lançaram a campanha "Yvyrupa sem Covid", com o objetivo de conseguir recursos que serão utilizados para a compra de cestas básicas, materiais de limpeza e proteção para ajudar na luta contra o novo coronavírus.

2. Associação Expedicionários da Saúde (EDS)

A EDS surgiu no ano de 2004 e sua sede fica em Campinas, São Paulo. Trabalha com atendimento médico clínico e odontológico, realizado de graça nas comunidades indígenas na Amazônia Legal brasileira.

Os profissionais, inclusive, fazem cirurgias através do programa 'Operando a Amazônia'. Até o mês de janeiro deste ano, eles já tinham realizado cerca de 44 expedições, com mais de 300 voluntários disponíveis para prestar assistência aos povos indígenas na área da saúde.

No início da pandemia, lá em 2020, a associação criou o programa 'SOS Povos da Floresta', que forneceu oxigênio para 300 locais da Floresta Amazônica e montou 262 enfermarias de campanha para tratar os casos de COVID-19.

3. Centro de Trabalho Indigenista (CTI)

A mais velha das ONGs presentes nesta lista, o CTI foi fundado no ano de 1979 por indigenistas e antropólogos. O principal objetivo da entidade é ontribuir para que os povos indígenas possam assumir o controle total de seus territórios, sem influência dos garimpeiros.

Outros motivos por trás da criação da instituição foram trazer mais informações para as pessoas sobre o papel do Estado na proteção e garantia dos direitos constitucionais das populações indígenas.

No momento, eles estão trabalhando com projetos para as comunidades guaranis que vivem nas Terras Indígenas nas regiões Sul e Sudeste do Brasil; TI Vale do Javari, localizada no extremo oeste do estado do Amazonas, com alguns grupos indígenas mais isolados; e com os povos Timbira, da família linguística Jê, morando nos estados do Pará, Maranhão e Tocantins.

4. Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME)

Essa entidade está defendendo os povos indígenas de 10 estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe) desde 1990.

A principal meta dessa articulação é recuperar alguns dos territórios tradicionais indígenas e também reivindicar certas políticas públicas diferenciadas que se relacionam com a educação, saúde, desenvolvimento e sustentabilidade dos povos indígenas em conjunto com o governo Federal.

5. Survival International

A Survival International atua na defesa dos povos indígenas do mundo inteiro. Tem sede em Londres, na Inglaterra, e no Brasil organiza ações e atitudes em prol dos povos Guarani, Kawahiva e Yanomami.

A organização faz alianças diretas com os povos indígenas e ajudou a garantir a demarcação da reserva Yanomami. Eles também planejam projetos que possam ajudar os povos do mundo todo e pressionam os governos de cada país para que criem campanhas para em defesa da cultura indígena.

Atitudes também ajudam

Além disso, também existem algumas atitudes que podemos tomar no dia a dia para respeitar a cultura e os direitos dos povos indígenas. A primeira delas é, claro, abandonar todos os estereótipos conhecidos. Não é algo fácil de se fazer da noite para o dia, mas é necessário, mesmo que aos poucos.

Também é preciso reconhecer que os povos indígenas não vivem apenas na Floresta Amazônica. O último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2010, apontou que cerca de 36,2% da população indígena está nas cidades, sendo que a capital de São Paulo é a 4ª cidade com o maior número de habitantes indígenas.

Outra coisa que você pode fazer é ir atrás de mais conhecimento sobre a diversidade indígena brasileira. É possível fazer isso, por exemplo, através do portal Povos Indígenas do Brasil, criado pelo Instituto Socioambiental. No site, você consegue encontrar os nomes e detalhes de mais de 256 etnias indígenas.

Mudança de nome

O Dia dos Povos Indígenas já foi anteriormente nomeado como "Dia do Índio". Contudo, a mudança ocorreu, pois algumas lideranças indígenas questionaram muito a manutenção do nome.

Para quem não sabe, a celebração teve essa mudança de nome aprovada em dezembro de 2021 pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. A proposta havia sido feita pela deputada Joenia Wapichana (Rede-RR).

De acordo com informações da Agência Câmara de Notícias, sendo assim, o projeto seguiu para a aprovação do Senado em maio de 2022. No mês de julho do ano passado, então, foi promulgada a Lei 14.402/22 após nova aprovação.

Joenia Wapichana (Rede-RR), explicou que a intenção por trás de sua proposta era tirar um pouco da estigmatização e estereotipação da palavra "índio", fazendo com que as pessoas passassem a perceber a importância dos povos indígenas para a formação da sociedade e da cultura da nação.

"O propósito é reconhecer o direito desses povos de, mantendo e fortalecendo suas identidades, línguas e religiões, assumir tanto o controle de suas próprias instituições e formas de vida quanto de seu desenvolvimento econômico", detalhou a deputada.

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