Diário de São Paulo
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Relembrando a história

Dia Mundial da Liberdade de Imprensa: afinal, houve ou não censura na Ditadura Militar?

A data é comemorada no mundo inteiro no dia 3 de maio

Enquanto o Dia do Jornalista celebra os profissionais em si, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa aproveita a data para incentivar e relembrar, anualmente, o direito de todos os profissionais da mídia de investigar e publicar informações livremente - Imagem: reprodução/Freepik e UOL
Enquanto o Dia do Jornalista celebra os profissionais em si, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa aproveita a data para incentivar e relembrar, anualmente, o direito de todos os profissionais da mídia de investigar e publicar informações livremente - Imagem: reprodução/Freepik e UOL

Thais Bueno Publicado em 03/05/2023, às 14h32


Ah, o jornalismo… como definir a sua importância desde o seu nascimento? Com um impacto imensurável, a profissão cresceu e hoje se consolidou em diversos âmbitos além do jornal impresso: rádio, televisão e até mesmo (e principalmente) as redes sociais.

Apesar do Dia do Jornalista ter sido comemorado no dia 7 de abril no Brasil por instituição da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa engloba um conjunto maior de itens e é celebrado todos os anos, mundialmente, no dia 3 de maio.

Enquanto o Dia do Jornalista celebra os profissionais em si, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa aproveita a data para incentivar e relembrar, anualmente, o direito de todos os profissionais da mídia de investigar e publicar informações livremente, sem nenhum tipo de censura.

Essa data é muito importante justamente por conta deste motivo, para que nunca seja esquecido toda a luta e todo o processo de conquista da liberdade de imprensa ao longo dos anos.

Quando a data surgiu?

Quem criou a 'comemoração' foi a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), no dia 20 de dezembro de 1993, por meio da Decisão A/DEC/48/432. Ela surgiu com o principal objetivo de trazer à tona as injustiças e impunidades cometidas contra os profissionais da imprensa.

Não é de hoje que diversos jornalistas são perseguidos, torturados, e até mortos por publicarem algum tipo de informação que certas pessoas desejavam esconder.

Isso acontece desde o surgimento da imprensa e ganhou força com a Ditadura Militar no Brasil; felizmente, agora, a liberdade de imprensa é valorizada (mas ainda não o suficiente).

Vale mencionar também que a data é comemorada mundialmente com a entrega de um prêmio para um indivíduo, uma organização ou uma instituição que contribuiu para a defesa da liberdade de imprensa pelo mundo, mesmo que tenha enfrentado diversos perigos para cobrir a situação.

A premiação recebe o nome de Unesco/Guillermo Cano Liberdade de Imprensa. Foi chamada assim em 1997, como forma de fazer uma homenagem ao jornalista investigativo colombiano Guillermo Cano Isaza.

Ele foi brutalmente morto na frente do prédio do jornal onde trabalhava, o El Espectador, sob ordens que vieram diretamente do traficante Pablo Escobar.

Além do prêmio importante para a carreira e também para a imprensa em si, o vencedor leva US$ 25.000 (cerca de R$127 mil na cotação atual).

Neste ano de 2023, a entrega da honraria está prevista para acontecer no dia 2 de maio, um dia antes da data comemorativa, na sede das ONU (Organização das Nações Unidas), que fica em Nova Iorque, nos Estados Unidos.

Ditadura Militar: houve ou não censura?

O período da Ditadura Militar foi um momento conturbado da história brasileira. Este governo, que teve início com o golpe militar em 1964, instaurou os chamados Atos Institucionais, decretos que eram utilizados pelos militares como forma de dar legitimidade às coisas que faziam.

Os AI foram elaborados durante os anos de 1964 a 1969, com o objetivo de radicalizar o regime militar e torná-lo mais inflexível e duro. No total, foram publicados 17 atos institucionais; porém, os mais conhecidos foram os 5 primeiros.

O AI-1 aconteceu em 1964 e deu o poder de suspender direitos políticos e cassar mandatos legislativos aos chefes de Estado.

O AI-2, por sua vez, colocou quase todos os partidos políticos na ilegalidade e estabeleceu o bipartidarismo (Aliança Renovadora Nacional - Arena x Movimento Democrático Brasileiro - MDB). Além disso, o presidente ganhou mais poderes, podendo até decretar 180 dias de Estado de Sítio sem a necessidade de aprovação do Congresso Nacional.

O AI-3 apenas estabeleceu que as eleições para para governadores estaduais se tornassem indiretas, enquanto o AI-4 liberou a reabertura do Congresso Nacional, que estava em recesso desde o golpe, para conferir maior legitimidade e garantir a manutenção da ditadura militar.

O pior Ato Institucional foi o AI-5, sem dúvidas. Foi o mais repressivo e que tirou a garantia do habeas corpus para determinados crimes, dava ao comandante do país o direito de decretar Estado de Sítio e, novamente, o fechamento do Congresso.

Mas, afinal de contas, houve censura ou não durante o período da Ditadura Militar? Embora algumas pessoas ainda argumentem que a imprensa atuou com total liberdade no governo da época, isso definitivamente não aconteceu. Os militares tentaram censurar os profissionais da mídia a todo custo.

De acordo com informações do UOL, o regime ditatorial se baseou em critérios políticos para censurar o jornalismo. A repressão foi intensa durante o período em que o AI5 esteve em vigor, e só foi ter fim em 1975 no governo Geisel.

Depois que João Goulart (PCB), mais conhecido como Jango, foi deposto, diversos jornais da esquerda e que ainda apoiavam o político, como "Politika", "Folha da Semana" e "O Semanário" foram atacados. O "Última Hora", um dos maiores periódicos da época, também foi depredado.

O jornal "Correio da Manhã", por ter se manifestado diretamente contra a Ditadura ao denunciar tudo que os militares faziam, teve sua proprietária presa e sua sede invadida, destruída e interditada.

Quais foram as leis promulgadas para a censura?

Primeiramente, no dia 9 de fevereiro de 1967, foi promulgada a Lei da Imprensa, que já proibia algumas formas de expressão. Tudo só piorou com a instituição do AI-5 e com o decreto da Lei de Segurança Nacional (LSN), em 1969.

Já dia 21 de janeiro de 1970, no governo de Médici, a LSN foi completada pelo Decreto-Lei nº 1.077, que instituiu a censura prévia e foi exercida pelos militares de duas maneiras distintas. Um dos modos era a instalação, feita pelo governo, de uma equipe de censores nas redações das revistas e jornais para decidir naquele momento o que poderia ou não ser publicado.

Outro método utilizado dizia respeito ao envio antecipado com as edições já prontas que iriam publicar para que elas passassem por avaliação da Divisão de Censura do Departamento de Polícia Federal, em Brasília, que decidia o que ia para o ar.

Contudo, a censura não era realizada apenas formalmente. O governo também censurava veículos de comunicação de maneira informal, através de ligações telefônicas e comunicados por escrito, os famosos "bilhetinhos" que descartavam certos temas.

Além disso, a economia também foi um fator importante para a imprensa da época. Isso porque os militares ameaçavam retirar os patrocínios e publicidades que os jornais tinham caso estes o contrariassem e publicassem algo que eles não aprovaram.

Um exemplo dessa prática é o 'Jornal do Brasil', do Rio de Janeiro. Ainda no ano de 1970, o periódico perdeu cerca de 15% de sua receita total pois publicava matérias que não iam de acordo com a decisão da censura.

Dessa forma, precisaram fazer um negócio com os militares e diminuir o tom das críticas caso quissessem sobreviver.

A censura sobre a imprensa aconteceu até o fim da Ditadura Militar. Ela só acabou com a chegada do presidente José Sarney (PMDB), que já foi eleito de forma democrática, e a aprovação da Constituição de 1988, que no artigo quinto estabelece a liberdade de manifestação do pensamento.

Caso Vladimir Herzog

Vlado Herzog foi um jornalista e filósofo que nasceu na Iugoslávia e tinha origem judaica. Por conta disso, no ano de 1941, precisou fugir de seu país por conta da repressão das tropas nazistas. Foi para a Itália durante a Segunda Guerra Mundial e, em 1946, chegou ao Brasil junto com sua família.

Quando chegou na nação brasileira, ele se naturalizou como Vladimir, mas manteve o sobrenome. Formou-se em filosofia na Universidade de São Paulo (USP) e decidiu atuar, na verdade, como jornalista.

Deu seus primeiros passos como estagiário no jornal O Estado de S. Paulo e conseguiu sua efetivação para trabalhar com redação.

Depois disso, Herzog partiu para a Inglaterra. Só voltou para o Brasil em 1968, quando a Ditadura Militar já havia sido instaurada. Começou a trabalhar na revista Visão e escreveu diversas reportagens que tentavam combater a forte censura da época.

Em 1975, Vlado foi escolhido pelo Serviço Nacional de Informação (SNI) para ser o diretor da TV Cultura.

Segundo as próprias palavras do Instituto Vladimir Herzog: "Sua postura política e seu compromisso com a prática jornalística foi voltado para a divulgação de notícias do Brasil verdadeiro, com a intenção de produzir reações e denúncias por parte de acólitos [apoiadores] da ditadura".

No dia 25 de outubro do mesmo ano, porém, o filósofo foi intimado a prestar depoimento sobre suas ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Quem decidiu que Vlado deveria se explicar foi o Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), um dos órgãos criados pelo governo ditatorial, que era uma das principais armas de censura e repressão do Exército.

Assim que pisou no quartel, os torturadores colocaram um capuz em Vladimir para que não pudesse enxergar nada. Em seguida, ele foi amarrado a uma cadeira, sufocado com amoníaco, espancado e eletrocutado de maneira covarde.

Infelizmente, Vladimir Herzog não resistiu aos ferimentos e acabou sendo morto. A Ditadura, porém, ofereceu outra versão para a morte dele: afirmou que Vlado tirou a própria vida ao se enforcar com um cinto, embora ele tenha sido mais uma vítima da tortura e da repressão.

O jornalista foi um ícone da luta contra a Ditadura no Brasil. Isso porque ele tentava ao máximo combater a censura imposta pelos militares e, ao mesmo tempo, ultrapassar as barreiras dela. Além disso, também se posicionou diversas vezes contra a forte repressão imposta pelos censores.

Herzog deixou um grande legado para o jornalismo brasileiro, para a luta pela democracia e pela liberdade de expressão. Não é à toa que ele possui uma premiação com seu nome.

O Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, mais conhecido como Prêmio Vladimir Herzog (PVH), é concedido todos os anos para jornalistas e/ou veículos de comunicação que ganharam destaque na defesa da democracia, da cidadania e dos direitos humanos e sociais.

O PVH começou a ser entregue no ano de 1979 e é, hoje, a premiação mais importante do jornalismo brasileiro.

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