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Denúncia

Desembargador diz que "transexual é humilhação à mulher"; assista ao vídeo

Autoridades fazem ouvidos moucos diante de discurso com teor transfóbico e misógino. Ele cita o vereador Thammy Gretchen

Desembargador Galvão Bruno já defendeu mesma posição em processo, em 2021 - Foto:Procuradoria Geral de Justiça. - Imagem: reprodução TJSP / redes sociais
Desembargador Galvão Bruno já defendeu mesma posição em processo, em 2021 - Foto:Procuradoria Geral de Justiça. - Imagem: reprodução TJSP / redes sociais

Jair Viana Publicado em 23/08/2023, às 19h58


"Transexual não é mulher. Isso é uma humilhação à mulher". A frase é do desembargador Francisco José Galvão Bruno, da 10ª Câmara Criminal do Tribinal de Justiça de São Paulo, em evento da Procuradoria Geral de Justiça e da Escola Superior do Ministério Público, em São Paulo, nesta terça-feira (23).

Na opinião de Bruno, os crimes contra a mulher e homossexuais "são politicamente incorretos". As declarações não pararam por aí. No evento que debatia questões relacionadas às decisões dos tribunais superiores quanto às ações policiais, o desembargador disse que já foi chamado a atenção por posição contrária à questão de gênero.

''Mulher e homens são diferentes, de sexos diferentes. Sexo e gênero sempre foram a mesma coisa", afirmou durante sua palestra a uma plateia composta de delegados, investigadores, promotores de justiça e juízes.

Ainda durante sua fala que durou cerca de 25 minutos, Galvão Bruno também colocou em xeque o uso da lei Maria da Penha em favor de transexuais. "Com todo respeito ao homossexual, transexual não é mulher. Isso é uma humilhação à mulher'', disse.

"Dizer que o transexual tem direito à lei Maria da Penha, é absurdo. Como chama a famosa filha da Gretchen? Então, ele pode ser réu também?", questionou.

O desembargador ainda fez críticas ao Superior Tribunal de Justiça que na sua opinião pune "crimes politicamente incorretos", como aqueles contra a mulher e homossexuais. A crítica foi no sentido de que tais crimes são punido com rigor "até excessivo". Assista abaixo:

LGBTQIA+

O presidente da Aliança Nacional LGBTQIA+, Toni Reis disse à reportagem que a entidade já está adotando medidas judiciais para que o desembargador Galvão Bruno posse se explicar.

Segundo Reis, a denúncia será encaminhada ao Conselho Nacional de Justiça, à Ouvidoria "para que tomem as providência necessárias".

Para Toni Reis, as declarções contrariam o juramento do desembargador. "Uma pessoa que jurou cumprir a Constituição está indo contra o artigo 5º, que diz que todos são iguais perante a lei, sem discriminação de qualquer natureza", afirmou.

Sobre a declaração mais forte de Galvão Bruno de que "transexual não é mulher. Isso é uma humilhação à mulher", Toni Reis respondeu:

"Ninguém nasce mulher, torna-se. É uma questão de gênero cultural; a biológica nós sabemos, pois é macho e fêmea. Neste sentido as mulheres trans devem ser abarcadas pela lei Maria da Penha", afirmou.

Procuradoria 

A  reportagem tentou contato com a Procuradoria Geral de Justiça (PGJ), já que as declarações foram feita em ambiente do Ministério Público e diante de autoridades com poder e obrigação de adotarem medidas, o que não foi feito.

A assessoria da PGJ tentou terceirizar o problema para o Tribunal de Justiça de São Paulo. O TJ já havia sido procurado.

Outro lado

O desembargador Francisco José Galvão Bruno, procurado pelo Diário, preferiu apelar para a descontextualização de seu discurso.

"Citações descontextualizadas podem levar a interpretações equivocadas", começa na nota enviada. Sobre o que disse em relação ao vereador Thammy Gretchen, Galvão Bruno diz que ao contrário de atacar, saiu na sua defesa, na defesa de seus direitos.

Em sua nota, sob os aspecto jurídico, Galvão Bruno explica que Thammy não poderia ser acusada de feminicídio.

"Referência à Tammy foi em defesa dos transexuais femininos, para deixar claro que ela não poderia, por exemplo, ser acusada de feminicídio, por não ser biologicamente homem e, portanto, não se enquadrar no espírito desse dispositivo, que visa à defesa da condição de mulher", explica o desembargador.

Bruno já esteve cercado da mesma polêmica quando atuou em um processo em que expressou a mesma opinião em relação às pessoas trans.

"Em voto anexado, proferido no ano de 2021 em processo que envolveu o tema, demonstro meu posicionamento, que nada tem de preconceituoso. A questão foi encarada do ponto de vista estritamente jurídico, do princípio da reserva legal. Em que pese o voto ter sido reformado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, não há impedimento para que continue a manter a mesma opinião", disse o magistrado.

Thammy

A reportagem procurou o vereador Thammy Gretchen (PL) para saber sua posição, mas o parlamentar não havia respondido até o fechamento desta reportagam. Caso ele se manifeste, o texto será atualizado.

Transfobia é racismo

O Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento por meio do Plenário Virtual, formou maioria nesta segunda (21), (um dia antes das declarações do desembargador paulista) para que o preconceito contra pessoas transexuais seja tratado sob a perspectiva de injúria racial, da mesma forma que ocorreu com a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero.

A Corte está analisando embargos de declaração opostos pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) à aplicação do acórdão que equiparou a homofobia aos crimes de racismo e injúria racial.

Segundo a entidade, há obscuridade decorrente de uma "interpretação teratológica que retira em grande parte a aplicabilidade prática da referida decisão, ao restringir o reconhecimento da homotransfobia como crime de racismo, impedindo que tal prática possa também configurar crime de injúria racial, quando proferida contra honra subjetiva de um indivíduo LGBTQIA+".

A União opinou pelo declínio dos embargos declaratórios, alegando que eles foram "opostos com o objetivo de discutir controvérsia doutrinária, que não constitui objeto da ação".

No entanto, o relator da matéria, ministro Edson Fachin, afirmou que o Supremo reconheceu a omissão legislativa em tipificar os crimes de ódio objetos da ação. Em seu voto, ele sustentou que "a Constituição não autoriza tolerar o sofrimento que a discriminação impõe".

"O reconhecimento do racismo homofóbico e transfóbico pela corte baseou-se no conceito social de racismo adotado no julgamento histórico do HC 82.424, segundo o qual 'o racismo traduz valoração negativa de certo grupo humano, tendo como substrato características socialmente semelhantes, de modo a configurar uma raça distinta, a qual se deve dispensar tratamento desigual da dominante'."

O relator ainda fundamentou seu voto afirmando que uma intepretação hermenêutica que restringe a aplicação de uma decisão — e, no caso, mantém desamparadas as vítimas de racismo transfóbico — "contraria não apenas o acórdão embargado, mas toda a sistemática constitucional".

"Dessa forma, tendo em vista que a injúria racial constitui uma espécie do crime de racismo, e que a discriminação por identidade de gênero e orientação sexual configura racismo por raça, a prática da homotransfobia pode configurar crime de injúria racial."

Fachin foi seguido integralmente pelos ministros Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Luiz Fux. O ministro André Mendonça declarou-se impedido.

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