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Pandemia

Fim do passaporte de vacinação pode desestimular cuidados contra Covid-19 em SP, dizem especialistas

A lei 17.629 foi sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas nesta semana

Medida deriva do projeto de lei (PL) 668/2021, de autoria de 16 deputados estaduais que apoiam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - Imagem: Freepik
Medida deriva do projeto de lei (PL) 668/2021, de autoria de 16 deputados estaduais que apoiam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - Imagem: Freepik

Mateus Omena Publicado em 17/02/2023, às 18h36


O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), sancionou, na quarta-feira (16), uma lei que retira a exigência do passaporte de vacinação contra Covid-19 no estado.

O projeto, aprovado com vetos, estabelece que a população não precisa apresentar o comprovante para ter acesso a locais públicos e privados.

A lei 17.629, que já entrou em vigor a partir da sua publicação, deriva do projeto de lei (PL) 668/2021, de autoria de 16 deputados estaduais bolsonaristas. Entre eles estão Janaina Paschoal (PSL), Coronel Telhada (PP), Delegado Olim (PP), Douglas Garcia (PTB) e Gil Diniz (sem partido).

O PL foi aprovado na Assembleia do Estado de São Paulo (Alesp) no fim de 2022, durante a gestão do então governador Rodrigo Garcia (PSDB), e deixado para Tarcísio a responsabilidade de sancionar ou vetar o projeto.

“São Paulo atingiu os mais altos índices de cobertura vacinal do país. Mais de 90% da população foi imunizada. Esse resultado é fruto da conscientização das pessoas sobre a importância da vacinação. Por isso, vamos reforçar esse trabalho com a realização de campanhas de vacinação para todas as idades, com informação clara e precisa, além de disponibilizar a vacina para todos”, explicou Tarcísio de Freitas, em coletiva de imprensa.

No entanto, Tarcísio vetou 6 dos 9 artigos do PL 668/21, incluindo os trechos que proibiam a exigência de vacinação contra a Covid-19 para atendimento médico ou ambulatorial e para matrícula em escolas públicas e privadas; que vetavam a imposição de qualquer sanção a quem não se imunizou; e que delegavam às famílias a decisão de vacinar seus filho.

Riscos para saúde pública

Em entrevista ao Diário de S.Paulo, o Dr. Hélio Bacha*, infectologista do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, afirma que a medida foi adotada em um momento que não é confortável para a saúde pública e carece de melhores orientações.

“É um projeto de lei que claramente surgiu do raciocínio anti-vacina e anti-ciência e mostra-se bastante perigoso. Mas, de qualquer forma depende de como vai funcionar na prática. Ao invés disso, deveria haver uma orientação de saúde pública em massa em favor da vacinação, que é bastante necessária em qualquer contexto. Porém, acredito que a nova lei possa dar impulso às campanhas anti-vacinação”.

Já a Dra Larissa Tiberto*, especialista em alergia e imunologia, teme que a medida aprovada pelo governador possa desestimular a vacinaçãodiante de uma sociedade que, durante muito tempo, desacreditou na ciência e na eficácia da imunização.

“A decisão tomada pelo governador não vai incentivar a população a vacinar. Muitas pessoas contrárias à indicação médica de vacinar estavam sendo protegidas devido à exigência do comprovante. É sabido que o covid tem sido mais brando do que a cepa amazonense que causou muitos óbitos, mas o ideal seria passar o período de carnaval, que conta muitas aglomerações, com medidas de cautela”.

Por outro lado, a decisão excluiu os profissionais da área da saúde, “uma vez que podem ter contato com imunossuprimidos, trabalhadores em instituições para idosos, profissionais em contato com crianças portadoras de doenças crônicas e mulheres grávidas”, explicou o governo de São Paulo, em texto divulgado no Diário Oficial.

Para o Dr. Hélio Bacha, o governo de São Paulo teme uma atitude assertiva ao aplicar exceção aos profissionais de saúde, mas a nova lei não foi implantada em um cenário seguro.

“De fato, estamos em uma condição muito melhor do que a de 2020. No entanto, temos um avanço dos movimentos anti-vacinas que devem ser enfrentados pelas autoridades sanitárias. Eu não sei o quanto esse projeto aprovado pela Assembleia e pelo governador é benéfico nessa luta a favor da vacina, não apenas de covid mas outras doenças”.

E acrescentou: “Estamos vivendo um problema generalizado na vacinação contra outras enfermidades e tudo que desestimula a imunização é um problema de saúde pública. Eu diria crime sanitário”.

Diante do feriado de carnaval, com a presença dos blocos de rua e concentração de turistas em pontos festivos, a Dra Larissa afirma que a ocasião, infelizmente, pode favorecer novas infecções, principalmente pelas pessoas terem se apegado à vacina como única ferramenta de proteção contra a covid-19.

“Não podemos nos esquecer que as vacinas são extremamente importantes para nossa proteção, mas elas sozinhas não são 100% eficazes para evitar infecção. Por isso, cada cuidado importa”.

Já o Dr. Hélio Bacha também teme novas infecções daqui para frente, mas não apenas de Covid-19. “As pessoas estão banalizando a necessidade de se proteger com máscara e vacinas em ambientes fechados e outros locais com maior risco de transmissão”, disse.

“Estamos longe de um cenário catastrófico em relação a uma nova onda de infecções, mas vejo um cenário perigoso, porque desde a pandemia temos uma condição de imunização tão baixa como nunca tivemos antes. Ou seja, tudo que parece desestimular a vacinação, joga a força para as campanhas negacionistas, que trazem graves danos à saúde pública”.

Responsabilidades

Apesar do PL 668/21, os infectologistas recomendam que as pessoas mantenham a vacinação em dia e tomem todos os cuidados necessários para a proteção individual e de outras pessoas ao redor contra a covid-19.

“Os cuidados continuam os mesmo que aprendemos desde o início da pandemia. Começando por vacinação, evitar aglomerações, ambientes fechados, limpeza das mãos ou uso constante de álcool gel”, reforçou a Dra Larissa Tiberto.

“Estamos aguardando para o final deste mês a vacina bivalente, que tem indicação para públicos específicos, os mais vulneráveis. E essa é a oportunidade ideal para a população procurar essa vacina dentro do calendário elaborado pelas autoridades sanitárias. Quanto a aqueles que ainda não se vacinaram, que façam seu dever e fiquem imunizados, com 2 ou três doses da vacina anti-covid”, finalizou o Dr, Hélio Bacha.

* Dr.Hélio Arthur Bacha - Graduado em medicina e pós gradudado em saúde pública pela Universidade de São Paulo (USP) e consultor técnico da Sociedade Brasileira de Tecnologia.

* Dra. Larissa Tiberto - Graduada em medicina e clínica médica pela Universidade do Oeste Paulista (Unoeste) e residente em infectologia no Hospital Regional de Presidente Prudente.

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