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Direitos Humanos

Mês do Orgulho LGBTQIA+: “Sempre soube que meus pais não me aceitariam”, diz influenciadora

Em entrevista ao Diário, Zabela contou sobre as agressões que sofreu e dá recomendações a quem deseja assumir sua sexualidade

Bandeira LGBT, representativa da luta pelas diversidade e respeito - Imagem: reprodução/Instagram @yorkbela
Bandeira LGBT, representativa da luta pelas diversidade e respeito - Imagem: reprodução/Instagram @yorkbela

Mateus Omena Publicado em 30/06/2023, às 18h00


Junho é considerado o Mês do Orgulho LGBTQIA+, ocasião para celebrar os direitos e conquistas para todas as pessoas que se identificam com a sigla. Além de reforçar a luta por respeito e igualdade na sociedade e em todos os espaços de convivência.

O Brasil possui 12% de pessoas adultas que se declaram como assexuais, lésbicas, gays, bissexuais e transgênero (LGBTQIA+), segundo um levantamento inédito da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade de São Paulo (USP), publicado na revista científica Nature Scientific Reports.

O percentual corresponde a 19 milhões de brasileiros, de acordo com dados populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No entanto, muitas pessoas enfrentam dificuldades e receios em revelar uma orientação sexual fora dos padrões estabelecidos, pelo medo de represálias e rejeições. Como foi o caso de Zabela, que teve que lidar com o conservadorismo da própria família para se assumir lésbica.

Em entrevista ao Diário de S.Paulo, a influenciadora e terapeuta holística, de Campinas (SP), contou que, desde a adolescência, se sentia diferente das amigas e colegas em diversos aspectos, principalmente nos interesses amorosos.

“Eu sabia que eu era diferente quando via minhas amigas se interessando pelos meninos da escola. Mas, eu não sentia a mesma coisa. Não havia um interesse direto por ‘meninas’, no entanto eu também não me atraia por meninos. E as minhas amigas sempre me questionavam, se eu não tinha vontade de ficar com fulano ou sicrano. Eu falava que não e que, na verdade, me dava repulsa”, recordou.

E as dúvidas não pararam por aí: “Eu não sabia de onde aquilo vinha. E mais para frente parei para pensar: ‘Não, deve haver algo de esquisito comigo’ em relação aos meninos. Mesmo assim, não era uma coisa legal para mim”.

De qualquer modo, a terapeuta ressaltou que se enxergar lésbica ainda era algo bastante complicado, especialmente pela forma como foi criada pela família, bastante ligada à religião.

“Eu fui criada por pais cristãos evangélicos. A forma como uma pessoa é criada interfere muito na maneira como vai se conscientizar e se descobrir, porque, no meu caso, eu não tinha acesso a informações sobre temática LGBT e sexualidade. Eu fui criada dentro de uma bolha, literalmente. Na verdade, não se discutia isso em casa”.

Apesar de tudo, Zabela se apaixonou por uma colega da escola e percebeu que estava cada vez mais difícil fugir dos sentimentos. E essa situação a incentivou a tomar uma atitude que mudaria sua vida.

“Aos 16 anos, eu me apaixonei por uma menina que estudava comigo. Foi algo intenso, um sentimento que não conseguia controlar. Cheguei a pensar: ‘Caramba, é isso’, por que foi algo inesperado”, detalhou. “Passei a conversar com outras meninas no colégio que perceberam, que está tudo bem e que isso é normal (gostar de uma menina). Para mim era uma coisa muito esquisita, porque fui criada para entender que esse tipo de situação não é aceitável. Foi nesta fase da minha vida que me assumi lésbica”.

Convivência com o medo

LGBT
Zabela, influenciadora e terapeuta holística - Imagem: reprodução/Instagram @yorkbela

Uma pesquisa divulgada na terça-feira (28), Dia Internacional do Orgulho LGBT, aponta que parte da sociedade ainda tem percepções equivocadas e preconceituosas sobre a comunidade.

O estudo do Instituto Locomotiva mostra que dois em cada dez brasileiros (20%) continuam achando que a homossexualidade é do doença; entre o grupo, quatro em cada dez (40%) acreditam que a homossexualidade pode ser curada.

Por causa desse cenário, a intolerância se torna cada vez mais comum entre muitas pessoas, motivando a violência contra a comunidade LGBT+. Esse foi um dos principais motivos que levou Zabela a esconder sua sexualidade e evitar buscar uma rede de apoio. Mesmo assim, sua maior preocupação era como sua família reagiria diante da verdade.

“Minha família é muito cristã. O meu pai é pastor de uma igreja evangélica. Na época, eu pensei assim: ‘Se eu contar para os meus pais, eles não vão me aceitar’. Porque eu via o meu pai falar isso todos os dias na Igreja, em diversas ocasiões, sobre como a homossexualidade era uma coisa errada. O quanto os jovens não deveriam seguir por esse caminho, porque se desviava de Jesus e das leis da vida”.

E acrescentou: “Eu não procurava uma rede de apoio porque eu tinha medo. Eu pensava que, mesmo com os meus amigos, se eu contasse isso poderia ser escapado para os meus pais. Então, a minha rede de apoio se tornou os meus amigos e colegas mais distantes, nesse caso, pessoas que eu sabia que não teriam acesso aos meus pais de forma alguma”.

A partir disso, Zabela tentou se esforçar para se adequar aos padrões de comportamento exaltados pela família e a sociedade, mas teve que lidar com duras consequências. “Passei a ter uma fase de ‘heterocompulsividade’, pois coloquei na cabeça que eu queria porque queria me apaixonar por meninos. Tanto que cheguei a namorar um garoto, porque eu queria me ver dentro desse formato, que era muito complicado para mim”.

“Passei a descobrir mais sobre mim mesma sozinha, pesquisando, lendo muito sobre assunto e vendo filmes sobre isso. Não busquei ninguém, pois tive muito medo”.

Agressões

O Brasil é considerado, desde muito tempo, como um dos países mais perigosos e violentos para pessoas que se identificam com a sigla LGBT+. O levantamento do Instituto Locomotiva explica que entre os entrevistados dessa comunidade, 1/3 afirmou já ter sofrido discriminação sendo o trabalho o lugar de maior destaque para a violência (33%); seguido da escola ou universidade (27%); rua (27%); em casa ou convívio familiar (17%).

Embora tenha mantido certa ‘discrição’ para fugir de hostilidades, Zabela revelou que foi alvo de agressividades em diversas ocasiões. Tanto que chegou a ser assediada em seu local de trabalho por conta da sua sexualidade e aparência.

“Eu estava trabalhando numa loja de celulares em um shopping, e um homem entrou e começou a conversar comigo. Ele disse: ‘Você não vai ser feliz, você tem que mudar’. E eu lembro que a guarda percebeu que ele estava agindo de uma forma horrenda. Ela teve que detê-lo e disse que estava sendo muito desrespeitoso e que deveria ir embora”.

Apesar daquele episódio, a terapeuta sofreu ainda mais receios em sair de casa, principalmente pelas incessantes agressões. “Já fui vítima de xingamentos na rua, no caso da pessoa virar para mim para me agredir verbalmente. Acho que o meu jeito me entregou e não dá para disfarçar (risos). Pelo meu estilo, não sou muito feminina pelos olhos da sociedade”.

Mas, lamentou: “É um sofrimento que ocorre o tempo todo. Eu sou casada. Sempre que eu saio na rua com a minha esposa, percebemos vários olhares para nós de uma forma esquisita, hostil. Mas, é difícil de lidar. Eu tenho medo, realmente muito medo, principalmente quando estamos numa relação e caminhamos juntas pelas ruas. Sempre fico apreensiva quando penso em algo ruim que pode acontecer com a minha esposa”.

“De qualquer forma, tento viver de forma leve e suave, inserindo essa normalidade em mim para que ela seja passada ao próximo. Senão a gente fica muito com medo de viver, de sair na rua, falar com as pessoas”.

@zabelacomzz Um casamento resumido em um vídeo HAHAHAHAHAHA Maria sempre sendo a paz, e eu ... sendo eu ! #video#casal#casamento#marialuiza#zabela#eu#nos♬ som original - Camila Xavier Klauck

Como assumir a sexualidade

Para diversos jovens que estão se descobrindo fora da ‘heteronormatividade’, Zabela afirma não existir necessariamente uma fórmula assertiva para assumir a identidade, porque tudo vai depender da formação, da família e das atuais circunstâncias.

“Eu sempre soube que meus pais não iriam me aceitar. Quando eu contei a verdade para eles, eu já tinha 18 anos e emprego, porque sabia que eles não iriam me aceitar como antes. Então, eu tinha em mente que precisaria morar em outro local, que precisaria avaliar opções de república ou quitinete”, recordou.

“Minha mãe falava o tempo todo para não procurar ninguém da família, mas a reação foi oposta, porque minha avó me aceitou, minhas tias, meus primos. Só quem não me aceitou mesmo foi a minha mãe e o meu pai. Antes até pensei se minha avó me aceitaria ou não, mas não levei essa ideia a sério por conta do medo e não queria causar problemas para ninguém. Quando eu contei, eu já estava ciente que não seria aceita”.

Mesmo assim, para aqueles que se encontram em uma situação semelhante, a terapeuta recomenda: “Eu diria que você não precisa assumir quem você é para quem não tenha o interesse de saber quem você é. Simplesmente, viva sua vida de forma individual. Não precisa assumir para ninguém, de uma forma pública, ou contar para todos mundo, até porque ninguém chega para o pai e a mãe e diz ‘sou hétero’”.

Saiba denunciar LGBTfobia

Além da Lei do Racismo (Lei nº7.716/89), os crimes de homotransfobia podem ser enquadrados no artigo 140 do Código Penal, em outras palavras, no crime de injúria racial.

As vítimas e as testemunhas de um crime de LGBTfobia podem:

  • denunciar qualquer caso de agressão, injúria ou ofensa nas delegacias especializadas, como o Decradi, em São Paulo.
  • fazer um boletim de ocorrência em qualquer delegacia física ou online
  • ligar para o 190 se for flagrante
  • por telefone, ligar para o Disque 100 ou no Disque Denúncia de sua cidade

A vítima ou testemunha pode gravar vídeos e áudios de qualquer ato violento e encaminhá-los à polícia como prova do crime. Lembrando que é considerado crime divulgar sem autorização esses materiais nas redes sociais. Os áudios de Whatsapp e imagens de câmeras de segurança de ruas, residências e estabelecimentos também são uteis nas denúncias.

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