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Jamais sabote a si mesmo afirmando que não possui determinadas competências

Oratória - Imagem: Reprodução | Freepik
Oratória - Imagem: Reprodução | Freepik
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 28/04/2024, às 07h14


Perdi a conta de quantas vezes ouvi meus alunos de oratória dizerem que não possuíam competência para contar piadas, narrar histórias ou fatos interessantes, explorar a presença de espírito. Provei a todos eles que estavam enganados.

Houve também aqueles que juraram de pés juntos não serem capazes de falar mais alto, de gesticular, de olhar para o público, de falar de improviso, de se apresentar diante de pessoas estranhas. Sempre insisto. Mas por que você coloca em você mesmo esse carimbo de incompetente, barrando as chances de experimentar?

Tentam justificar

A maioria é pronta em retrucar. ‘Eu me conheço. Desde criança sou assim. Não tenho graça, não sou espirituoso, não consigo prender a atenção das pessoas com as minhas narrativas’. Alguns até dizem ter tentado uma vez ou outra, mas em todas as ocasiões se saíram mal. Nem vamos discutir aqui se estavam ou não sendo sinceros.

Uma das mais importantes habilidades de um comunicador é saber contar histórias. Por isso, dedico todos os meus esforços para que aprendam a narrar casos e provem para eles mesmos que são capazes.

Histórias pessoais

Todos esses alunos, mesmo resistindo bastante no início, depois de algumas experiências, se sentem confortáveis e até passam a gostar de contar suas histórias. Inicialmente, peço que o aluno conte episódios da sua infância ou juventude. Não são poucos os que dizem não ter nenhum caso que pudesse interessar.

Para descontrair, faço uma brincadeira: ‘Tenho dó de seus netos. Não se conformarão de ter um avô sem nenhuma história interessante para contar’. E, continuando com a gozação, sugiro que o mais rápido possível coloquem uma mochila nas costas e saiam pelo mundo para adquirir experiência e ter o que contar.

Perguntas abertas 

Aí entra o trabalho do professor. É preciso dar uma mãozinha para que comecem a destravar. O melhor recurso para motivar alguém a falar mais são as perguntas abertas: por quê? Como assim? De que maneira? As respostas para essas questões não podem ser sim ou não, certo ou errado. A pessoa precisa elaborar o raciocínio para dar explicações.

Por exemplo, pergunto: como foi que você conseguiu esse emprego? Quais foram os principais obstáculos que precisou vencer para elaborar esse projeto, e quais os melhores resultados conquistados com eles? E dessa maneira, como se fosse uma ação com fórcipes, é possível extrair os primeiros comentários.

Fase da lapidação

Como no princípio as respostas são conduzidas à semelhança de um saca-rolhas, em seguida peço que repitam tudo, detalhe por detalhe, desde o início até o final. E que contem mais uma vez, e outra, até que tenham domínio de cada etapa do que relatam. Feitos os exercícios iniciais, começa a fase da lapidação.

Quatro aspectos são treinados nessa etapa de aprimoramento: o tom da voz, a pausa, o ritmo e a conclusão. Ainda que essas habilidades, quase sempre, sejam treinadas isoladamente, só funcionarão quando desenvolvidas harmoniosamente, uma complementando e reforçando as outras. De nada adiantará promover bem as pausas se o ritmo não for agradável, ou o tom da voz for descolorido, sem vida, ou se a conclusão não for impactante.

Uma aula inteira

Há casos em que o aluno consome uma aula inteira só para aprender a contar bem uma única história. Sem problema, pois os benefícios são excepcionais. A começar pelo fato de tirar da mente a ideia de que não seria capaz de se expressar dessa forma. Outra conquista a ser comemorada, e talvez a mais importante de todas, é a segurança que passa a existir.

Depois dessa experiência a pessoa se sente motivada a contar novas histórias, pois já domina os fundamentos dessa atividade comunicacional. A primeira tarefa depois de encerrada a aula é encontrar uma pessoa da família ou um amigo bem próximo para relatar o mesmo fato. Para não parecer que está tudo fora de contexto, recomendo que conte que esse foi um exercício da aula.

Passando por novas experiências

Depois de treinar com os mais chegados, a próxima etapa será com os colegas de trabalho. Finalmente, após ter vencido esses primeiros obstáculos, o teste derradeiro será encontrar uma forma de ilustrar a apresentação em uma reunião ou palestra com a mesma história exaustivamente treinada.

Se for possível, de maneira discreta, gravar a sua participação será muito bom. Em quase todas as situações o desempenho é muito melhor do que pareceu ser para quem se apresenta diante do grupo.

Ao constatar que sua exposição em público foi acima do que havia imaginado, se sentirá mais seguro, confortável e estimulado para novas aventuras. Descobrirá que não saber contar histórias, anedotas e fazer brincadeiras não passava de fantasmas da sua imaginação, e que possuía sim competências que nem supunha existir.

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