Diário de São Paulo
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Direito da Mulher

1 em cada 4 mulheres sofre violência obstétrica; conheça os direitos garantidos por lei durante o parto

Desde o direito a ter um acompanhante até de um plano de parto específico, as mulheres devem saber que existem leis que as protegem nesse momento

Todas as mulheres possuem leis e direitos que as protegem durante o parto e é fundamental que todas saibam sobre eles - Imagem: reprodução Freepik
Todas as mulheres possuem leis e direitos que as protegem durante o parto e é fundamental que todas saibam sobre eles - Imagem: reprodução Freepik

Vitória Tedeschi Publicado em 20/07/2022, às 14h00


Após os recentes acontecimentos envolvendo o anestesista Giovanni Quintella Bezerra,que estuprou uma mulher durante o parto em um Hospital do Rio de Janeiro, levantou-se um questionamento sobre os direitos das mulheres serem violados até mesmo no momento de dar à luz.

O fato é que, apesar de todas as mulheres serem protegidas por lei com direitos específicos para diversas situações durante todo o período de gestação, a maioria delas sequer sabe quais são esses direitos. Tampouco como exigí-los e serem beneficiadas por eles durante esse momento de grande vulnerabilidade.

Confira abaixo os principais direitos que toda mulher deve ter conhecimento ao passar por um parto, seja ele normal ou cesariana:

Direito a acompanhamento durante o parto

Um dos principais direitos, que foi muito dificultado durante o momento da pandemia, é o de se ter um acompanhante durante todo o momento do parto.

Garantido pela Lei Federal 11.108/2005, conhecida como Lei do Acompanhante, ela assegura às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, o parto e o pós-parto imediato nos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), seja da rede própria ou conveniada.

Essa lei é válida tanto para parto normal quanto para cesariana, e a presença do acompanhante não pode ser impedida pelo hospital, médicos, enfermeiros ou qualquer outro membro da equipe de saúde.

Ou seja, se for da vontade da gestante, ela não só pode como deve ter alguém com ela durante todo o processo. Seja o marido, a mãe ou pessoa próxima, sem necessidade de parentesco.

Confira essa lei aqui

Em entrevista ao Diário de S. Paulo, o Dr. Alberto Guimarães, ginecologista e obstetra, explicou ainda que esse direito deve ser cumprido em todos os hospitais, mesmo os pequenos, onde os centros cirúrgicos podem ser menores.

Além disso, ele fez questão de citar sobre a importância dessa pessoa de confiança ao lado da mãe.

"Ela está ali quase que como um apoio psicológico, uma referência de alguém que a mulher conhece. E tudo isso para que o parto seja um momento positivo acima de tudo", disse.

Em alguns locais do país, também existem leis específicas que asseguram a presença de doulas (assistentes de parto) durante o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, para assegurar suporte físico e emocional às mulheres. É o caso, por exemplo, do Estado do Rio de Janeiro (Lei 9.135/2020).

Confira essa lei aqui.

O fato pode ser triste, mas é importante lembrar que o acompanhante não deve estar ao lado da grávida apenas para vivenciar o momento único, mas sim, para também monitorar tudo que está acontecendo ao redor e se todos os direitos estão sendo cumpridos pelos médicos.

Plano de Parto

O plano de parto é uma carta, ou uma simples lista onde relaciona-se tudo o que a mulher gostaria ou não gostaria que acontecesse em seu parto.

Mais que um documento, é uma forma de exigir exatamente quais procedimentos relacionados ao parto e ao nascimento deseja que aconteçam ou não. Atentando-se para o diálogo prévio com a equipe que irá realizar o procedimento.

Com o plano de parto definido, a grávida deve ser respeitada em todas as suas vontades e desejos, na medida do possível, em benefício de sua saúde e do recém-nascido.

Claro, isso porque, em situações justificáveis, que colocam em risco a saúde da mãe ou do bebê, o médico pode e deve fazer alterações. As diretrizes médicas para o parto também abordam a “hora de ouro”, também conhecida como Golden Hour, do bebê, ou seja, a primeira hora de vida fora do útero.

De acordo com o Ministério da Saúde, recomenda-se que ao nascer, os bebês com boa vitalidade devem ser colocados em contato pele a pele sobre o abdômen ou tórax de suas mães, durante a primeira hora de vida.

Segundo oDr. Alberto Guimarães, nesse momento, o contato pele a pele com a mãe é especialmente benéfico.

Isso porque as bactérias boas presentes no corpo da mãe ajudam o bebê a desenvolver anticorpos contra doenças, acalmam a criança ao ouvir o som do coração materno e sentir sua respiração e, entre muitos outros pontos positivos, ainda auxiliam no controle da temperatura do recém-nascido.

"O bebê sente que ali é um lugar seguro. E esse contato inicial evita diversas questões logo na saída. Inclusive em relação à anemia, porque isso envia hormônios para criança, que terá menos anemia na primeira infância", afirma Alberto.

Com tantos benefícios, os exames tradicionais do recém-nascido podem aguardar um pouco. "Lugar de bebê vigoroso é no ventre da mãe", finaliza o doutor.

Também em entrevista ao Diário de S. Paulo, Priscila Guedes, advogada e doula de parto, concorda com os benefícios desse primeiro contato e afirma ser um direito da mãe poder ficar com o filho neste momento.

"O bebê não deve ser levado para o berçário, pois há quase duas décadas não se recomenda mais a prática de afastar a criança da mãe", disse.

Esse contato ainda pode auxiliar no sucesso da amamentação, isso porque, "quando respeitada a Golden Hour o bebê costuma iniciar a amamentação ainda na primeira hora de vida, recebendo aporte calórico e imunológico fundamental para o início da vida humana", afirmou Priscila.

Apesar disso, estima-se que 60% dos nascimentos, ou seja, três a cada cinco bebês não são amamentados na primeira hora de vida, segundo relatório publicado pela OMS e Fundo das Nações Unidas em 2019.

Confira e baixe aqui um modelo de Plano de Parto da Maternidade Rede Dor São Luiz. Mas atente-se em pesquisar mais e perguntar para um especialista o que signfica cada item antes de assinalá-lo.

Anestesista

Um parto seguro e sem dor é direito da mulher e o anestesista está lá para garantir isso.

As práticas mais utilizadas são a anestesia peridural e a raquianestesia. Durante o parto normal, receber analgesia, que corresponde à aplicação de anestésicos para que não sinta dor, fica a critério da mulher. Em geral, é utilizada a peridural, que controla a dor, mas não tira a força.

"Quem lida com as dosagens da anestesia durante o parto deve saber que é para tirar o desconforto, mas para a mulher continuar acordada. Não é para fazer anestesia geral, não faz sentido. Deixa a mulher pegar esse nenem, não apagar assim que dá a luz", defende o médico.

Na cesárea, a aplicação da anestesia é necessária, já que será feita uma cirurgia. Por outro lado, não há necessidade de sedação. Isso deve ser usado mediante raríssimas exceções, como a pedido da própria paciente ou mediante condições em que a ausência de sedação coloque a criança ou a mãe em risco. Mesmo nestes casos, a mulher deve não apenas ser informada, como consentir explicitamente. 

"A mulher precisa entender - e isso de novo voltando ao Plano de Parto - a fisiologia do trabalho de parto, o tamanho dessa dor e que se ela ficar muito intensa ela pode pedir uma analgesia", diz Alberto. Ou seja, apesar de ter solicitado no Plano de Parto, por exemplo, que não gostaria de tomar nenhum medicamento, ela pode mudar de ideia e solicitar no momento do parto.

Ou seja, a gestante terá o direito de optar pelo uso de analgésicos durante o trabalho de parto, que deverá ser precedido de avaliação médica. Antes da utilização de medicação, se não for da vontade da grávida, devem ser considerados todos métodos não farmacológicos para alívio da dor.

Além disso, a mulher deve receber todas as informações necessárias sobre os métodos de analgesia disponibilizados, como o modo de aplicação, efeitos colaterais, a duração e qualquer outro dado que for solicitado.

Por fim, o Dr. Alberto Guimarães ainda explica que essa mãe precisa saber que se sentir dor pode pedir analgesia. No entanto, ele reforça que não existe necessidade nenhuma em "apagar" a mãe após uma cesárea, por exemplo. "Isso porque ela também tem direito de ver seu nenem após o nascimento".

Violência Obstétrica 

As informações citadas acima, por mais que possam parecer simples, são desconhecidas por muitas mulheres, que não sabem sobre seus direitos na hora do parto e a relação que se estabelece entre elas e as equipes de saúde.

Isso acaba deixando as mães, em muitos casos, sujeitas a abusos por parte de médicos(as), enfermeiros(as) e todos os demais profissionais que participam desse momento.

O abuso é conhecido como violência obstétrica e apesar de não ser um tipo de agressão muito comentado, uma em cada quatro mulheres no Brasil sofre e tem seus direitos infringidos durante o parto. A informação é de Priscila Guedes, que também compartilha diversas informações sobre os direitos de todas as mulheres durante o nascimento do bebê.

"O mundo não é doce com as mulheres, estudem para o parto. Não cheguem entregando para Deus achando que vai dar tudo certo sem se preparar, sem fazer um Plano de Parto e sem estudar. Porque a chance de alguma coisa dar errado é muito grande", orienta a doula.

A violência obstétrica consiste na limitação da movimentação da mulher durante o trabalho de parto, na realização de procedimentos desnecessários, na omissão de informações importantes, na execução de procedimentos sem o consentimento da mulher, no desrespeito às escolhas dela, e nos maus tratos e abuso de poder.

"Quase metade das mulheres no país sofre violência obstétrica. Ainda hoje nós não somos donas dos nossos corpos no parto, o dono é o médico. E isso é muito triste, a mulher não poder se movimentar, não poder se alimentar, ser mutilada... E como a gente se protege? Só existe uma arma: o conhecimento e o preparo, não só da mulher que vai parir, mas do acompanhante também", explicou Priscila.

Confira um vídeo de Pricisla, onde a doula fala mais sobre esses direitos fundamentais durante o parto:

Parto Humanizado

Por fim, vale citar que muitas mulheres, quando pensam em parto humanizado, ainda têm a imagem de um parto que acontece em casa, em um ambiente íntimo, na água ou com alguns tipos de simbolismos.

Na realidade, o parto humanizadonão é sobre parir em casa ou no hospital, na banheira ou fora dela. O termo humanização não se refere à via de parto (vaginal ou cesárea), mas sim ao tipo de assistência que a mulher recebe.

"No parto humanizado, o protagonismo é um dos 3 pilares. E para ser protagonista é preciso entender o processo. Sem conhecimento não há humanização", reforça a doula.

A partir do conhecimento da mãe, as decisões são tomadas com certeza, compartilhadas com a equipe médica, ouvidas e respeitadas, independentemente do local onde isso acontece, assim como defendidas por lei.

São pilares da humanização do nascimento:

- O protagonismo do parto restituído à mulher;
- Uma visão integrativa e interdisciplinar do parto que, para além de um evento biológico considera os aspectos emocionais, sociais, culturais;
- Medicina baseada em evidências científicas.

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