É urgente que aprendam a lidar com as vontades opostas
por Reinaldo Polito
Publicado em 20/11/2022, às 14h21
O PT nasceu das manifestações. Quando os movimentos sindicalistas tomaram corpo em São Bernardo do Campo, nos anos 1979/80, o seu líder, Lula, reunia multidões no Estádio da Vila Euclides para expressar suas reivindicações. Segundo os organizadores desses eventos, houve atos com mais de 100 mil pessoas.
As cenas se repetiam com frequência. Os comerciantes, com receio de vandalismo, corriam para baixar as portas de seus estabelecimentos. Os manifestantes subiam a Rua Marechal Deodoro proferindo palavras de ordem. Mesmo tendo de enfrentar os militares que governavam o país, seguiram em frente com seus pleitos. Deu certo. Chegaram ao poder.
O Partido dos Trabalhadores, portanto, demonstrou ao longo de décadas que possui competência para fazer manifestações.
Essa mesma habilidade dos petistas, para levar a população às ruas, não é reproduzida, todavia, quando precisam enfrentar as manifestações organizadas contra eles. Em vez de procurar meios para acalmar a população, agem como se estivessem em verdadeira contenda. Dessa forma, acabam por provocar revolta ainda maior.
O PT possui um olhar enviesado na análise dos protestos quando precisam enfrentá-los. Em 2013, supondo que a oposição só sabia se manifestar do sofá, pelas redes sociais, se surpreenderam ao ver as multidões em carne e osso nas ruas de todas as cidades do país. Esse foi o embrião.
Ainda sem conseguir enxergar os fatos que estavam à sua frente, em 2015 o governo petista continuou agindo como se fosse fácil manipular a vontade do povo. Só para dar um exemplo. Os ministros escalados por Dilma para conter a fúria dos manifestantes meteram os pés pelas mãos.
Começavam concordando rapidamente com alguns pontos para em seguida mostrar sua discordância. Diziam que as manifestações eram legítimas e próprias da democracia, e na sequência, sem nenhuma habilidade diplomática, afirmavam que não podiam admitir o golpismo ou terceiro turno. Deu no que deu. Dilma foi impichada.
E não aprenderam nada com essa experiência. Ao comentar sobre os gigantescos protestos do dia 15 de novembro, o deputado petista Chico Vigilante ironizou as “manifestações antidemocráticas”. Ao se referir às chuvas que caíram ao longo do dia em Brasília, disse que até São Pedro estava contra os bolsonaristas. Um verdadeiro elefante dançando na loja de cristais.
O senador Randolfe Rodrigues, da base do governo, foi outro que usou a ironia para atacar os manifestantes. Repetindo o que disse o ministro Barroso, confrontou uma pessoa que o abordava em um aeroporto: “perdeu, Mané!” O discurso é o mesmo de sete anos atrás.
Dão a impressão de ter buscado dentro de um velho baú um conjunto mofado de mensagens prontas para serem reutilizadas. Assim como naquela época, as manifestações continuam sendo chamadas de antidemocráticas, golpistas, próprias de perdedores que querem o terceiro turno.
Se imaginam que agindo assim irão persuadir a população a voltar para casa, estão enganados. Ao contrário, podem incentivar cada vez mais os que estão quietos no seu canto a se juntar à multidão.
Quem não aprende com a história, principalmente com episódios vividos tão recentemente, não poderá reclamar das derrotas e dos insucessos.
Saibam os que estão voltando ao Palácio do Planalto que se tentarem tutelar a vontade da população, poderão se surpreender. Já há algum tempo deveriam ter percebido que as ações do povo não seguem uma linha reta e contínua.
O filósofo francês Jean Baudrillard nos legou uma tese bastante curiosa a esse respeito. Afirma que havia um pensamento equivocado de que a massa poderia ser o tempo todo manipulada, já que não possuía vontade própria. Julgavam que a população era formada de indivíduos alienados, sem consciência crítica.
Nos tempos atuais, entretanto, já se tem consciência de que as amarras que inibiam suas ações se romperam e se tornou praticamente impossível impedir que ofereçam resistência. As pessoas agora não estão vinculadas ao conteúdo, mas sim resistem a ele.
O PT que sempre desejou conquistar e permanecer no poder, não percebeu que para atingir esse objetivo de forma plena precisa levar em conta que parte expressiva da população deve ser considerada. É urgente que aprendam a lidar com as vontades opostas. Caso contrário verão, mais uma vez, o poder escapar pelos dedos.
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