Diário de São Paulo
Siga-nos
Colunistas

Lula não consegue descer do palanque

O instinto do novo presidente eleito o leva a bater no ex-presidente todas as vezes em que tem oportunidade

Lula não consegue descer do palanque - Imagem: reprodução Instagram @lulaoficial
Lula não consegue descer do palanque - Imagem: reprodução Instagram @lulaoficial
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 13/11/2022, às 10h52


Um dos assuntos mais efervescentes nos últimos dias é o processo de transição do governo Bolsonaro para o governo Lula. Esse é o momento em que a nova gestão toma pé do que está efetivamente acontecendo no Brasil.

É lei. A Lei 10.609, de 20 de dezembro de 2002, no artigo 3º diz: “Os titulares dos órgãos e entidades da Administração Pública federal ficam obrigados a fornecer as informações solicitadas pelo Coordenador da equipe de transição, bem como a prestar-lhe o apoio técnico e administrativo necessários aos seus trabalhos”.

Uma boa regra. Ainda que um governo despachado pelas urnas esteja inconformado com a derrota e com sangue nos olhos, terá de deixar a raiva de lado e colaborar com o vencedor para que o país seja bem administrado.

Se considerarmos todos os desafios dos últimos anos, como pandemia e guerra na Ucrânia, só para citar dois exemplos, o presidente eleito está recebendo o bastão em condições excepcionais para pegar o leme.

Lula, entretanto, possui uma característica que sempre o acompanhou. Para valorizar seus feitos, não tem o mínimo constrangimento em criticar quem o antecedeu. Foi assim quando sucedeu a Fernando Henrique Cardoso, e continua da mesma maneira com Bolsonaro.

A transição de FHC para Lula foi tão bem-feita que o então ministro Palocci, ao acompanhar Lula em viagem a Paris, durante visita ao ex-presidente tucano, se sentiu na obrigação de fazer um agradecimento: “Olha presidente, quero agradecer o trabalho que vocês fizeram na transição”.

Mesmo assim, Lula continuou no palanque. Semelhante à fábula do escorpião que, sem explicação lógica, apenas por ser essa sua natureza, pica o sapo que o ajuda a atravessar o rio, repetia que havia recebido uma herança maldita. Em junho de 2003, ao participar da Feira Nacional do Doce, em Pelotas (RS), fustigou o antecessor:

“Bastaram cinco meses pra gente provar que respeito não se consegue com saber falar inglês, mas com caráter, com ética e com um projeto concreto para o que queremos pro nosso país. O Brasil estava quebrado e alguém tem que consertá-lo”. E acusava com veemência: “O Brasil não tinha direção antes de eu assumir à presidência em 2003”.

Ainda agora, depois de passados tantos anos, e tendo FHC como aliado, o petista continua revirando “antigos cadáveres”: “O Brasil tinha uma dívida externa com o FMI em que o ministro Malan, todo final de ano, tinha que ir a Washington para pegar dinheiro. Eles tutelavam as contas brasileiras para dizer o que podíamos gastar e o que não podíamos gastar”.

E foi assim durante todo o tempo em que esteve no governo. Não perdia a oportunidade de criticar o presidente que o antecedeu. O próprio Fernando Henrique disse que gostaria de saber o que Lula quer dizer com “ele quebrou o país duas vezes”.

FHC revelou que ao deixar a presidência entregou a cada ministro um dossiê com todas as informações do que iria acontecer nos três meses seguintes. É como se dissesse: aqui está tudo o que precisa para governar, sem se preocupar com o risco de que surja algum esqueleto guardado no armário.

Pelo comportamento de Lula, todavia, esses gestos de boa vontade não bastaram. Seu instinto o leva a bater no ex-presidente todas as vezes em que tem oportunidade.

No momento atual, ainda nem tomou posse e continua com a mesma conduta diante de Bolsonaro. Assim que pega o microfone para discursar, encontra um jeito de desancar o oponente. Ou seja, é um eterno “palanqueiro”.

Em discursos recentes, foi direto na jugular de Bolsonaro: “O presidente da República pode errar, mas não pode mentir. Não é aceitável que o presidente da República minta para o seu povo. A indústria da mentira criada é inimaginável”. Já surgem ecos nos discursos petistas: “terra arrasada” e “herança maldita”. Nada de novo no front!

Para alguém que fala em pacificação, em governar para todos os brasileiros, esses pronunciamentos agressivos, como se ainda estivesse em campanha, não parece ser o melhor caminho para atingir os objetivos pretendidos. A pergunta que fica é esta: será que o desejo é mesmo o da pacificação?

Compartilhe  

últimas notícias