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Uma nova fase da globalização

Aqui e ali se observam comentários apregoando que a pandemia da Covid-19 e a Guerra da Ucrânia encaminham o mundo rapidamente ao fim do processo de

GLOBALIZAÇÃO
GLOBALIZAÇÃO

Redação Publicado em 01/06/2022, às 00h00 - Atualizado às 07h41


Aqui e ali se observam comentários apregoando que a pandemia da Covid-19 e a Guerra da Ucrânia encaminham o mundo rapidamente ao fim do processo de globalização. A alegação é baseada no fato de que muitos países passaram a olhar, de modo desconfiado, para a globalização, com a retomada de medidas protecionistas, em suas economias, além das tentativas constantes de monitorar a informação sob o manto de evitar a difusão das chamadas “fake news”, numa tentativa paternalista e – muitas vezes, autoritária – de controlar o liberdade de expressão, ideias e imprensa. Além disso, a ascensão de novas potências globais tem criado preocupações para um Ocidente acostumado, nos últimos cinco séculos, a uma posição de maior proeminência global com poucos atores.

Paulatinamente, compreendemos que alguns dos conceitos basilares da sociedade ocidental moderna – liberdade de expressão, imprensa, religião e soberania – existem mais no papel do que na realidade. O controle imposto pelo politicamente correto, particularmente com o patrulhamento ideológico existente, é uma prova de que não se pode dizer aquilo que se pensa. Já na questão da liberdade de imprensa, é fato de que nos veículos financiados por algum tipo de patrocínio se observa um impacto na latitude da liberdade e na longitude da abordagem de um tema.

Na questão da liberdade religiosa, também se nota que, nem sempre e nem em todos os lugares, existe, de fato, a possibilidade de uma reflexão maior sobre a religião, além do enorme controle que esta, muitas vezes, exerce sobre indivíduos e os direitos da cidadania. O debate vetado sobre determinados temas abandona a análise aprofundada diante de um determinado viés religioso, sob uma perspectiva dogmática. Ao invés de avançarmos, o relógio da intolerância tem-se acelerado.

A questão da soberania é controversa porque a impossibilidade de defesa de um Estado, diante de um agressor nuclearmente armado, reduz, substancialmente, o espaço de atuação de um país. Desde os ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki, em 1945, o conceito de soberania – fora dos países nuclearmente armados – passou a ser limitado em sua profundidade e alcance. A Guerra da Ucrânia é um exemplo claro desta realidade.

Assim, notamos que muito daquilo que cremos como princípios basilares da sociedade ocidental, de fato, existem mais como ideário do que como realidade efetiva. A Internet e a globalização abriram flancos enormes nestas limitações impostas pelas sociedades, estados e igrejas. Num simples aparelho como um smartphone ou computador tem-se acesso a um mundo de informações, produtos e ideias. Caberá sempre ao indivíduo saber selecionar aquilo que pretende no seu uso dos instrumentos disponibilizados.

A luta travada contra o aumento destas liberdades e conceitos constitui uma preocupação enorme para todos os grupos atingidos. Temos observado várias tentativas para limitar e tributar ao máximo o comércio eletrônico, bloquear criptomoedas, processos contra liberdade de expressão e perseguição à imprensa que verdadeiramente busca a informação e não atua como plataforma de divulgação de conteúdo político. Mais do que nunca, o cerco à globalização, com empresários vulneráveis e desacostumados com a competição e Estados amedrontados pela opinião pública, tem crescido.

A ascensão de novas potências econômicas e militares também constitui um elemento de preocupação. Muitas se beneficiaram, particularmente, dos efeitos positivos da globalização que permitiu o acesso a mercados anteriormente remotos. A globalização facilitou, de modo real e intenso, a troca de experiências e de boas práticas, com uma melhoria substancial da qualidade e da equalização do acesso. Bens que no passado eram restritos a poucos, podem, atualmente, ter um alcance maior de consumidores globalmente. Os ganhos de escala que a globalização proporcionou tornaram o mundo mais integrado e, de alguma forma, mais sujeito à cooperação. Infelizmente, ainda perduram os maus hábitos das alianças entre governos e das supostas superioridades étnicas para que a humanidade consiga compreender o seu destino compartilhado neste condomínio chamado Terra.

O fato é que a globalização alterou profundamente as estruturas sociais, políticas e econômicas. O alcance das coisas mudou. Recordo-me quando a primeira guerra do Iraque ocorreu porque foi a primeira vez que um combate bélico estava sendo transmitido ao vivo. Ainda que restrito àqueles que tinham acesso à televisão a cabo, muitos puderam acompanhar os desdobramentos daquela guerra. Atualmente, no entanto, a situação é ainda mais intensa: a Guerra da Ucrânia é a primeira  acompanhada, de modo instântaneo, globalmente. Todos têm acesso àquilo que está ocorrendo neste difícil momento da história global. Ter informação é bom porque impede que maiores atrocidades venham a ser cometidas em nossa vila global interdependente.

O mundo mudou muito nas últimas décadas. Querer controlar estas novas realidades é quase impossível. A globalização segue adiante e assim deve ser para que possamos alcançar ainda maiores benefícios e novos voos. A globalização ofereceu à humanidade um nível elevado de prosperidade e novos e imediatos avanços. Não podemos retroceder  pelas turbulências enfrentadas no trajeto. O grande General de Gaulle, que presidiu a França de 1958 a 1969, afirmou, certa vez:

“É preciso ser rápido e saber adaptar-se; do contrário, toda estratégia é inútil. O desafio não é a globalização, mas sim a adaptação a tudo o que ela implica.

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