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Previdência: "Do jeito que está, há o risco de não ter dinheiro quando chegar a nossa hora de se aposentar", alerta economista

Especialista consultada pelo Diário de S. Paulo alerta que o presidente deve manter a responsabilidade nas contas para evitar graves prejuízos no futuro

Dia 24 de janeiro marca os 100 anos da Previdência Social - Imagem: divulgação/Previdência Social
Dia 24 de janeiro marca os 100 anos da Previdência Social - Imagem: divulgação/Previdência Social

Mateus Omena Publicado em 27/01/2023, às 11h36


Nesta semana, a Previdência Social completa 100 anos, marcando a consolidação de direitos dos trabalhadores à renda e à assistência quando, por algum motivo, se afastam do trabalho e necessitam se serviços bancados por seus impostos.

Apesar do momento de comemoração, a previdência também é motivo de fortes discussões no ambiente político, e afeta os ânimos também na sociedade e mercado.

A partir deste ano, esse fator deve voltar a ser bastante controverso, pelo fato da Previdência ter gerado um buraco de R$ 265,6 bilhões no orçamento federal, aponta uma projeção do governo para 2023. O orçamento atualizado para o setor neste ano é de R$ 945,32 bilhões.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também sinalizou que pretende reverter as regras e o funcionamento da previdência, em razão de reformas polêmicas que não agradaram tantos seus aliados, quanto as camadas mais vulneráveis da sociedade. No entanto, investir em uma batalha por conta desse tema pode ser uma perigosa estratégia para o governo e a economia.

Em entrevista ao Diário de S. Paulo, Juliana Inhasz, doutora em economia e professora do Insper, apontou que, de fato, existem falhas por parte dos últimos governos em relação às alterações feitas na previdência e nas regras de aposentadoria. No entanto, alerta que esse não é o momento ideal para mudanças radicais.

“Embora o presidente Lula queira reverter a previdência, tudo indica que isso não vai acontecer. O interessante seria o governo fazer uma nova reforma, abrangendo os grupos sociais que não foram abraçados na última reforma da previdência, como é o caso dos militares. O ideal seria aproveitar o que já foi feito e fazer as melhorias que deveriam ter sido feitas, ao invés de começar do zero”.

Mas, ressalta: “No longo prazo, não percebo grandes mudanças neste campo, especialmente porque é uma questão ainda muito delicada e o governo Lula ainda não tem poder e capital suficientes para isso. O que pode acontecer é deixar as coisas do jeito que estão, com tentativas de ganhos reais para os aposentados e pensionistas”.

O recurso destinado à previdência vem das contribuições de empregados do setor privado, trabalhadores rurais e empresas, que integram o Regime Geral da Previdência Social (RGPS). E inclui também a participação de servidores públicos, que fazem parte do Regime Próprio da Previdência Social (RPPS).

Por outro lado, os aumentos no déficit, que ocorreram nos últimos anos, provocaram várias reformas da previdência. Em 35 anos, o Brasil passou por 7 mudanças no regime previdenciário.

Segundo o governo, o desequilíbrio do déficit em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) vem se intensificando desde a última reforma, uma proposta apresentada pelo governo de Michel Temer em 2016 e que entrou em vigor em 2019, na gestão de Jair Bolsonaro (PL).

A Câmara dos Deputados projeta que o déficit deve sair de 3,79% do PIB em 2020 para 2,49% em 2023.

Neste cenário, Juliana reforça que as condições da economia brasileira não estão favoráveis o suficiente para Lula propor alterações expressivas na previdência, especialmente pelo desafio de sustentar os efeitos dessas ações no futuro.

“A intenção do governo é dar suporte às pessoas de baixa renda, sendo que grande parte delas vivem na informalidade e contribuem pouco ou nada para o sistema. Mas, a União quer ajudá-las olhando apenas para o que esse grupo ganharia em benefícios, sem dar atenção ao capital que será gerado para sustentar esse suporte”.

Levando em conta essa condição, a economista explica que o governo deve priorizar a responsabilidade fiscal antes de tomar qualquer atitude, olhando para os efeitos de longo prazo.

“Se o presidente for minimamente responsável, ele não vai reverter nada na previdência. Caso contrário, pode aumentar ainda mais a dívida pública por conta dos benefícios e causar a elevação da taxa de juros e da inflação. Uma alternativa mais viável seria aumentar o salário mínimo de acordo com o crescimento econômico e as melhorias nas condições de vida. Nesse momento, o melhor caminho é investir em um pacote de políticas conjuntas e responsáveis para ajudar a colocar o país nos eixos”.

Novos desafios

De acordo com Juliana, a dinâmica da Previdência Social a partir de 2023 será impactada pelos problemas de gestão que ocorreram no governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), em razão dos elevados gastos e dívidas, que levaram à indisponibilidade de recursos. Contudo, a especialista pondera que o equívoco do presidente Lula é não prestar atenção nos verdadeiros equívocos da Reforma da Previdência feita em 2019.

“Quando a reforma de 2019 foi feita, houve muitas críticas de políticos e economistas, pois a quantidade de recursos e emendas na proposta abriram muitas concessões que diminuíram o poder. Além do fato de que foi uma reforma seletiva, ou seja, não contemplou todos os cidadãos de maneira igualitária”, explicou.

“O presidente ainda não levou em consideração que a raiz do problema está justamente nesta desigualdade, provocada pelo sistema de repartição, que não é justo e sustentável, pois depende muita das incertezas da receita e gasta muitos recursos com pessoas que nunca contribuíram com o sistema, mas graças a dispositivos legais e outros direitos, conseguiram se aposentar”.

O número total de contribuintes do regime geral da previdência ultrapassou 51,5 milhões de pessoas em 2020, informou o Anuário Estatístico da Previdência Social. Esse grupo, que inclui trabalhadores e empresas de zonas urbanas e rurais, totaliza R$ 726,474 bilhões em 2022, representando 88% de toda a arrecadação para a previdência, de acordo com dados da Controladoria Geral da União (CGU), publicados no Portal da Transparência.

No entanto, Juliana Inhasz teme que se a dívida pública e as altas despesas com a previdência continuarem, maior será o risco de não haver recursos suficientes para fechar as contas e garantir que todos os trabalhadores se aposentem.

“Do jeito que está hoje, há o risco da gente não conseguir ter dinheiro na hora da aposentadoria. Há também a possibilidade de nós ganharmos muito menos do que o esperado e, na pior das hipóteses, não haver dinheiro. De qualquer maneira, os problemas de orçamento vão bater na previdência, porque se no futuro houver menos gente para contribuir, o governo terá que dar aporte”.

Em caso de déficit, a União entra em ação como uma espécie de “cheque especial”. De acordo com a Constituição, o governo deve assegurar o direito à aposentadoria por meio da lei de custeio, que determina que o Estado use recursos do Tesouro para cobrir o que falta a esse setor.

“A dúvida que fica é se o governo vai aportar mesmo e se endividar mais, ou vai simplesmente fazer uma nova reforma e refazer as regras do jogo no meio da partida. As duas situações são terríveis, e a gestão do dinheiro público entra nessa história a partir do fato de que quando há uma gestão ruim, sobra menos dinheiro para a sociedade”, finalizou.

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