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Vereadora de SP usa termo "aberrações" em discurso sobre LGBTs na Câmara e causa revolta

O Diário de S.Paulo recebeu em primeira mão a denúncia dos ativistas que apontam o discurso como preconceituoso

Vereadora de SP usa termo "aberrações" em discurso sobre LGBTs na Câmara e causa revolta - Imagem: arquivo pessoal
Vereadora de SP usa termo "aberrações" em discurso sobre LGBTs na Câmara e causa revolta - Imagem: arquivo pessoal

Vitória Tedeschi Publicado em 28/06/2023, às 19h00


No último dia 19, segunda-feira, o discurso de uma vereadora na Câmara Municipal de Araras, cidade no interior de São Paulo, revoltou a comunidade da região que defende a pauta LGBT. Na ocasião, Deise Aparecida Olimpio de Oliveira (União Brasil) usou a palavra "aberração" para definir a comunidade LGBTQIAPN+.

O Diário de S.Paulo recebeu em primeira mão a denúncia que acusa o discurso, feito durante uma sessão da Frente Parlamentar Cristã de Defesa da Vida e da Família de Araras, quando a pauta era o uso da imagem de crianças e adolescentes em campanhas de apoio ao mês do Orgulho LGBT.

"A Frente Parlamentar Cristã - Em defesa da Vida e da Família, da Câmara dos Vereadores de Araras, se posiciona de forma CONTRÁRIA a todo e qualquer movimento que utiliza crianças para difusão de ideologias. Repudiamos também, de forma veemente, a utilização do público infanto-juvenil como manifestação ao apoio do Orgulho LGBTQIAPN+ e a transição de gênero de crianças e adolescentes. Reforçamos nosso compromisso em proteger nossas crianças e adolescentes, fazendo valer os direitos fundamentais estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)", afirmaram em uma nota de repúdio. Confira abaixo:

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O cartaz foi divulgado nas redes soicias e já havia gerado incômodo / Imagem: reprodução redes sociais

"Acho que já ficou muito claro que a sociedade brasileira não aceita o uso de imagem de crianças e adolescentes para esse tipo de campanha", iniciou a vereadora Deise em seu discurso que gerou revolta.

Ela continuou citando como um exemplo do que seria algo semelhante ao uso de crianças em campanhas LGBTs, um caso em que menores de idade haviam participado de uma exposição com homens e mulheres nuas e houve grande repúdio por parte da população.

Possivelmente a vereadora quis referir-se à performance do artista nu, Wagner Schwartz, no Museu de Arte Moderna (MAM), no Ibirapuera, Zona Sul de São Paulo, que causou polêmica em 2017.

Tudo que for contra a moral, a família, os princípios sempre serão veementemente repudiados pela Frente Parlamentar Cristã. E, claro, que todos os vereadores que se colocarem também contrários a esta aberração ficam convidados a assinar conosco para dar força e dar peso e evitar, lamentavelmente, episódios como esse", concluiu Deise.

Logo após sua declaração, que foi filmada e divulgada pela própria Câmara, por se tratar de uma audiência pública e aberta à população, a comunidade LGBT da cidade se revoltou e cobrou da parlamentar uma retratação.

Deise chegou a ir até suas redes sociais para explicar que não teria usado o termo "aberração" para referir-se ao grupo, mas sim ao episódio da exposição que citou como um exemplo. No entanto, a desculpa não foi aceita pela comunidade LGBT que segue pedindo para que a parlamentar se retrate no mesmo local onde os feriu: na Câmara Municipal de Araras.

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A vereadora Deise Olímpio faz parte do grupo que fundou a Frente Parlamentar cristã / Imagem: reprodução YouTube

Manifestação pacífica

Após a repercussão negativa da fala durante a audiência e o pedido de retratação que não foi atendido, um grupo de ativistas da causa LGBT foi até a Câmara na última segunda-feira (26) para acompanhar a nova audiência que aconteceu para tratar sobre a mesma pauta (confira na imagem em destaque), mas o resultado, mais uma vez, não foi positivo.

Durante toda a sessão a gente se manteve ali invisível, alvo de chacota. Eles riam da nossa cara. Um dos vereadores chegou a provocar a gente", desabafou Ana Paula Mazetto, que estava no local e faz parte da militância LGBT.

Sobre as provocações, Ana conta que alguns vereadores chegaram a usar termos como "opção sexual" - ao invés do correto, que é "orientação sexual" - e até afirmações sobre uma suposta "censura" por parte do grupo manifestante, argumento rebatido por ela: "Eles utilizam a questão da liberdade de expressão de maneira equivocada, porque a gente sabe que liberdade de expressão não é isso. Não é cometer crime".

Esse tipo de fala propaga a violência, o discurso de ódio, de raiva, abominação à pessoa trans e à comunidade LGBTQIA+. Então, esse tipo de discurso é muito perigoso e faz com que a gente fique invisível. O trans continua sendo invisível na sociedade. Ainda mais em uma cidade pequena, no interior de São Paulo, que é muito conservadora e preconceituosa com o que é diferente", complementa Ana.

Além do pedido de retratação, Ana acredita que a implementação de uma Comissão dos Direitos Humanos dentro da Câmara é essencial para que discursos como este não aconteçam. Ela também defende uma maior representatividade da comunidade LGBT dentro do órgão, com pessoas trans e representantes da causa para levar as demandas e defender os interesses do grupo.

Existem vidas por trás da sigla

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Mãe e filho, juntos, fazem parte do grupo militante pela causa LGBT em Araras (SP) / Imagem: arquivo pessoal

Professora, mãe solo e ativista pelos direitos LGBTQIA+, em especial da pessoa trans, Ana Paula Mazetto é uma das moradoras de Araras que se sentiu ferida com o comentário da vereadora e pede que a retratação aconteça.

Ana é mãe de um adolescente de 17 anos, Nathaniel, que é um homem trans, e é por ele também que ela está na luta pela comunidade há 11 anos.

O Nathaniel, desde que veio ao mundo, me ensina a ser melhor", começa Ana.

"Ele fez uma carta para mim com 14 anos dizendo que ele era uma pessoa trans. Eu fiquei duas semanas em choque, pensando: 'Meu Deus como vai ser? Não é mais fulana, agora é Nathaniel', e agora?'", relembra.

"Até que eu pensei: 'Quem que paga as minhas contas? Eu sou mãe solo, eu que cuido desse menino, eu que luto por ele. Então, que se dane o que vão pensar, não devo nada'. Ele vai ser aceito, ele vai ser amado e ele vai ser o que ele quiser", completou.

Ana conta que sempre prezou por uma comunicação aberta com o filho sobre todos os assuntos, inclusive a questão sexual, o que acredita ter feito a diferença para que ele sentisse confiança em falar com a mãe: "Em uma família que reprime talvez isso não viesse à tona", reflete ela.

Em suas próprias palavras, o feminino virou masculino, mas o amor que sentia pelo filho só aumentou e a conexão entre os dois se tornou ainda maior. Foi nesse lugar que Ana se sentiu ferida ao ouvir a fala da vereadora, que a machucou também como mãe, que tem o instinto de proteger e lutar por seu filho.

Ela acredita que, situações como a que aconteceu em Araras (SP) poderiam ser evitadas pela informação e maior representatividade: "O que falta é conhecimento da causa, de biologia, de sociologia, ciências sociais. E de toda a história do movimento LGBT. O que falta é uma pessoa alí [na Câmara dos Vereadores] que fizesse esse papel".

Além disso, Ana afirma que a luta não é apenas pelo filho, pois uma mudança nesse sentido geraria um impacto positivo social e de crescimento de mentalidade da sociedade como um todo.

Porque o conhecimento liberta. Ele faz com que preconceitos caiam e discriminações sejam exterminadas ou sejam refletidas em mudanças de ações e de postura. Porque o ser humano pode mudar, ele pode melhorar. E a gente acredita no ser humano, e que ele pode ser melhor", finaliza ela.

Nota da vereadora 

O Diário de S. Paulo procurou a vereadora para saber se a retratação aconteceria na Câmara Municipal. Com exclusividade, Deise enviou uma nota falando mais uma vez sobre o episódio. Leia abaixo na íntegra:

"Enquanto vereadora e advogada me manifestei, expressando a minha opinião, em relação ao uso de imagens de crianças e adolescentes nas campanhas com exposição dos mesmos, em razão da proteção que lhes é garantida, na forma da lei. Ressalto, que já me manifestei diretamente a alguns representantes do movimento e também nas mídias, reafirmando que não me dispus, em momento algum, a fazer discurso de ódio, homofóbico ou transfóbico, pois, todas as pessoas, indistintamente, independente de raça, credo, gênero, idade, entre outros, devem ser tratadas com respeito e consideração e me coloquei à disposição, inclusive, para recebê-los para conversamos amigavelmente, porém, não foi aceito, optando pela manifestação na Câmara Municipal de Araras. Infelizmente, não foi possível a manifestação dos vereadores em “Palavra Livre”, na sessão camarária do dia 26/06/2023, por ter sido suspensa a sessão ordinária, por duas vezes, por determinação da Presidente da Câmara Municipal, em razão do descumprimento do dever regimental de se manifestarem de forma pacífica e ordeira".

Além disso, o Diário também entrou em contato com a Câmara Municipal de Araras, que compartilhou uma nota sobre o posicionamento da vereadora Mirian Vanessa Pires (PSD) com relação ao caso. Confira na íntegra:

"Como presidente da Casa Legislativa, é meu dever acolher toda e qualquer demanda da população e abrir espaço para que todos possam se manifestar. Conversei com o coletivo e deixei a Câmara de portas abertas para diálogo junto à presidência ou a criação de um evento em conjunto para que possamos, dentro do papel institucional, possibilitar a realização de temas para conscientizar, educar e ensinar a cidadania. As manifestações sobre o ocorrido foram recebidas pela Câmara e seguirão o trâmite da Casa".

A reportagem também tentou contato com a Prefeitura Municipal de Araras, mas, até o momento da publicação desta matéria não houve nenhuma resposta.

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