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Revisão da vida toda: um grito contra a covardia

STF retoma julgamento, adiado 4 vezes este ano, nesta quarta-feira

STF retoma julgamento, adiado 4 vezes este ano, nesta quarta-feira - Imagem: reprodução Fotos Públicas
STF retoma julgamento, adiado 4 vezes este ano, nesta quarta-feira - Imagem: reprodução Fotos Públicas

Luís Antônio de Medeiros Publicado em 20/03/2024, às 10h11


Não há atualmente tema com maior repercussão social em discussão no STF do que a revisão da vida toda. No entanto, o que deveria ser um processo de justiça e equidade está ficando marcado pela covardia contra os aposentados, seja pelos sucessivos adiamentos do julgamento, determinados pelo ministro Luís Roberto Barroso, ou pelo incômodo silêncio de instituições fundamentais, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

A revisão da vida toda é uma luta dos aposentados de todo o país que começou em 1999, com a entrada em vigor da Lei 9876/99, que alterou as regras de cálculo das aposentadorias. A decisão do STF pode aumentar significativamente o benefício de milhares de aposentados de todo o país. Centenas de aposentados vão acompanhar a sessão em frente ao prédio do STF.

Antes de 1999, o cálculo do benefício era realizado sobre a média dos últimos 36 salários de contribuição. Isso fazia com que muitos segurados começassem a contribuir com valores mais altos no fim da sua vida laboral, visando aumentar o valor a ser recebido. Para que situações como essa fossem evitadas, foi criada a Lei 9876/99, que impôs a nova regra geral do salário de benefício, calculado com base na média de 80% das maiores contribuições da vida do segurado. Mas tem um porém: há uma regra de transição, na qual o cálculo dos benefícios só leva em conta as contribuições realizadas a partir de julho de 1994.

Desde então o INSS vem aplicando essa regra de transição como se fosse a regra definitiva. Acontece que milhares de trabalhadores tiveram as suas maiores contribuições antes de 1994, mas não puderam utilizar esses valores no cálculo do seu benefício. Desse modo, com a possibilidade de realizar essa revisão, o salário de benefício de aposentados e pensionistas poderá aumentar consideravelmente.

O mérito da questão já foi decidido em dezembro de 2022 e não pode ser mudado. Vitória dos aposentados por 6 votos a 5. A decisão garantia o direito dos aposentados que foram lesados por não computarem os seus salários anteriores a julho de 1994, para que pudessem inserir esses valores em sua aposentadoria.

Porém, em maio do ano passado o INSS entrou com Embargos de Declaração junto ao STF com o objetivo de modular os efeitos da decisão. Para a instituição, somente a partir do desfecho da questão será possível estimar o número de benefícios a serem analisados, o impacto financeiro e as condições logísticas necessárias para cumprir a decisão, assim como apresentar um cronograma de implementação.

O coração dessa batalha repousa sobre os ombros do Supremo Tribunal Federal (STF). Só este foram 4 adiamentos, sem justificativa plausível. O STF, na pessoa de seu presidente, faz chacota com os aposentados. Tal atitude não apenas prolonga a angústia dos beneficiários, mas também corrobora a suspeita de que a suprema corte brasileira age em sintonia com o governo. Enquanto Barroso adia o julgamento sistematicamente, o governo busca meios de “vencer” a questão à custa de quem contribuiu a vida toda com a ilusão de se aposentar com dignidade.

Centenas de aposentados marcaram presença em Brasília nos dias 1 e 28 de fevereiro, portando faixas e cartazes em que afirmavam confiar no STF. Foi em vão. No dia primeiro, o julgamento foi remarcado para o dia 2 e depois, remarcado para o dia 28, adiado para o dia 29 e remarcado novamente para o dia 20 de março. Tanto a ABRAPA - Associação Brasileira de Apoio aos Aposentados, como seus associados, sentiram no bolso o descaso do STF, pelo alto custo da viagem.

E sentiram na pele o sol escaldante da Praça dos 3 Poderes. Estaremos em Brasília na próxima quarta-feira, em menor número certamente, mas movidos pela esperança, já não tão inabalável, de que a justiça seja feita.

O impacto financeiro da revisão da vida toda também tem sido objeto de controvérsias. O INSS alega que o custo para a previdência seria de 56 bilhões de reais em 10 anos, com mais de 50 milhões de benefícios passíveis de reajuste. No entanto, os maiores especialistas do país contestam esses números, argumentando que o custo real seria consideravelmente menor, cerca de 18 bilhões de reais em uma década e que não mais do que 380 mil pessoas teriam direito à revisão dos benefícios.

A desinformação deliberada ou a manipulação dos dados promovidas pelo INSS e respaldadas pela Justiça e pelo Governo Federal apenas contribuem para aumentar a confusão e a desconfiança entre os cidadãos.

Outro aspecto doloroso dessa saga é o fato de que cerca de 20% das pessoas que entraram com processos relativos à revisão da vida toda morreram sem ter suas causas julgadas. Isso não apenas evidencia a urgência do julgamento, mas também a crueldade e o desrespeito oriundos da demora e da indecisão.

A revisão da vida toda não é apenas uma questão técnica ou jurídica. É uma questão de justiça, de respeito aos direitos dos cidadãos mais vulneráveis e de responsabilidade institucional. José Saramago, o brilhante escritor português, resumiu há mais de 20 anos o que o STF tem feito com os aposentados do Brasil.

A Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça".

Luís Antônio de Medeiros, 76, é presidente da ABRAPA - Associação Brasileira de Apoio aos Aposentados, Pensionistas e Planejamento de Aposentadoria. Foi deputado federal, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e um dos fundadores da Força Sindical.

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