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A oratória, o teatro e todos nós perdemos esta semana Rosa Freitas, um exemplo de bondade e amizade

Por Reinaldo Polito 

A oratória, o teatro e todos nós perdemos esta semana Rosa Freitas, um exemplo de bondade e amizade
A oratória, o teatro e todos nós perdemos esta semana Rosa Freitas, um exemplo de bondade e amizade

Redação Publicado em 24/10/2021, às 00h00 - Atualizado às 12h32


Por Reinaldo Polito 

A oratória, o teatro e todos nós perdemos esta semana Rosa Freitas, um exemplo de bondade e amizade.

Estou vivendo um dos momentos mais tristes da minha vida. Perdi uma das pessoas de quem mais gostava, Rosa Freitas. Não conheci alguém que transpirasse tanta bondade quanto ela. Era generosa, alegre, de bem com a vida, amiga dos amigos, querida por todos. Por mais de 20 anos trabalhou como professora de oratória na minha escola. Em todas essas décadas, nunca mudou um milímetro na sua maneira de ser. Seu comportamento e atitudes eram tão elevados que até não parecia fazer parte deste mundo. Eu a via sempre em outras dimensões.

A oratória, o teatro e todos nós perdemos esta semana Rosa Freitas, um exemplo de bondade e amizade

Foi uma atriz excepcional. O teatro era a sua grande paixão. Vivia para as suas atuações. Sempre brilhantes. Ela se apresentou com peças vencedoras em diversos países, como a Grécia e a Rússia, por exemplo. Eu me lembro de uma vez em que fiquei muito emocionado. Ela me enviou uma foto que tirara em um shopping center em Moscou. Estava em suas mãos um de meus livros publicados lá. Veja, Polito, o que encontrei aqui na Rússia! Sabia que aquela notícia me deixaria muito feliz, e compartilhava comigo também a mesma alegria

Assisti a muitas de suas peças no teatro. Ela se transformava ao interpretar uma personagem. Certa vez minha mulher disse a ela brincando: Rosinha, depois que vi você interpretando aquela policial enérgica passei a ter pesadelos. Ela gostava e se divertia com os comentários.

Seu último trabalho foi com a peça “Prostitutas fora de moda – um romance real”, de Richard Foreman. Atuou com a Companhia Nova de Teatro. Muito afinada, cantava e interpretava com extrema competência. Vale a pena dar uma olhada para conhecer um pouco sobre esse seu trabalho. Está no YouTube. Basta pesquisar em “Prostitutas fora de moda”.

Como foi que Rosa Freitas entrou em minha vida? Há mais e 20 anos ministrei cursos para a CABESP, empresa que prestava assistência médica para os funcionários do Banespa. Entre os alunos estava uma moça muito simpática, espirituosa e animada, Rosa Freitas. Conversava e dava atenção a todos os colegas. Falava muito bem, e possuía o requisito mais importante para trabalhar como professora na nossa escola: gostar de gente.

Fiz o convite e ela aceitou. Eu disse a ela para não se preocupar com as questões técnicas do ensino da oratória, pois eu mesmo cuidaria de orientá-la. A primeira lição foi que continuasse a ser exatamente como era, já que seu jeito leve, comunicativo e extrovertido de ser me motivara a convidá-la. Em seguida, deveria aprender as técnicas básicas da arte de falar em público. E, finalmente, aplicar esses conceitos para mostrar aos alunos apenas as qualidades e pontos positivos que possuíam. Nunca deveria fazer críticas. Esse era um desafio, pois as pessoas têm muita facilidade para identificar os erros, mas vacilam quando precisam mostrar os acertos.

Rosa não teve nenhuma dificuldade, já que ver o que as pessoas possuíam de melhor era uma de suas “especialidades”. E assim ela iniciou como professora. Muito inteligente, aplicada e disciplinada, em pouco tempo já sabia como agir com os alunos. Todos a adoravam. Especialmente os mais tímidos que se sentiam acolhidos e confortáveis com suas orientações.

Em muitas aulas permaneciam dois professores em uma mesma sala. Quase sempre ela ficava comigo. Queria observar como eu analisava as apresentações dos alunos e, quem sabe, aplicar também em seus comentários. De vez em quando ela me dizia: essa observação é muito boa, Polito. Vou usar também.

Em determinado momento do curso eu ministrava a aula de retórica. Era uma matéria densa e longa. Rosa se sentava lá no fundo do auditório e acompanhava todos os detalhes. Essa cena se repetiu centenas de vezes. Após muitos anos transmitindo os mesmos ensinamentos, não havia muito a acrescentar. Sabia o que dava resultado e repetia as informações. Mesmo assim, no final, ela sempre tinha um comentário positivo: a aula hoje foi muito boa, hein. Aqueles feedbacks me estimulavam muito.

Eu ficava impressionado. Era aplaudida no teatro com entusiasmo pelo público naqueles momentos de verdadeira glória para ela, e, no dia seguinte, humildemente, se despia da roupagem de atriz, e estava em sala de aula pegando os alunos pela mão para que se sentissem seguros na frente do microfone.

Esta semana tive de segurar a emoção para não chorar. Estava dando aulas remotas a um aluno, e, depois que a Rosa partiu, era a primeira vez que ministrava a matéria de retórica. Enquanto falava, o tempo todo eu via sua fisionomia simpática e atenciosa lá no fundo do auditório. Tenho certeza de que essa imagem jamais desaparecerá da minha mente.

Que perda! Sentiremos sempre a sua falta. Morreu tão jovem e com tanto amor pela vida. É um pedaço de cada um de nós que se foi. Amamos você, Rosinha. Muito. Siga no Instagram @polito

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Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. Escreveu 34 livros com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no [email protected]
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