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Lula lê discurso para evitar gafes

Luiz Inácio Lula da Silva. - Imagem: Reprodução | YouTube
Luiz Inácio Lula da Silva. - Imagem: Reprodução | YouTube
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 21/07/2024, às 06h00


Na quarta-feira (17), ao participar da 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Lula pisou em ovos. Disse que havia sido alertado pela primeira-dama, Janja, que ‘essa gente tem a sensibilidade aguçada’. A precaução talvez tenha nascido do deslize cometido em cerimônia semelhante por Dilma Rousseff.

Ao participar da 3ª Conferência Nacional da Pessoa com Deficiência, em dezembro de 2012, a então presidente escorregou nas palavras, referindo-se às pessoas como ‘portadoras de deficiência’. O público imediatamente começou a vaiar, e ela teve de se corrigir: ‘Desculpa. Pessoas com deficiência. Entendo vocês porque portador não é muito humano, não é?’.

As ressalvas de Lula

Lula não se arriscou: ‘Eu decidi ler para não falar nenhuma palavra que possa me criar problema. Também se eu falar alguma palavra vocês sabem que nesse assunto vocês são especialistas. Vocês sabem que eu sou um analfabeto que precisa aprender muito com vocês’.

Nesse caso, Lula parece ter agido bem. Cumpriu o seu papel sem arranhar a sua imagem. Essas situações podem ser previstas. Cabe ao orador, como fez o presidente, pôr tudo no papel para agir de acordo com as exigências da circunstância. Se optar por improvisar, deverá estudar todos os pormenores para saber exatamente o que dizer.

O exagero do politicamente correto

Nem sempre é possível tomar todas essas precauções. Pobre daquele que vacilar em uma mensagem considerada politicamente incorreta. Mesmo sem intenção de ofender, não será perdoado. Há um exagero que limita a ‘liberdade de expressão’. Certos grupos exigem que a pessoa se submeta ao que estabeleceram como ‘correto’.

Como afirmou Nietzsche: ‘Jamais iria para a fogueira por uma opinião minha, afinal, não tenho certeza nenhuma. Porém, eu iria pelo direito de ter e mudar de opinião, quantas vezes quisesse’.

Experiência pessoal

Certa vez, publiquei um texto sobre a comunicação do ‘Mendigo de Brasília’, o caso em que um marido flagrou a esposa dentro de um carro, mantendo relações sexuais com um morador de rua. Tomei todo o cuidado para não resvalar na vulgaridade, pois o assunto era delicado. No entanto, os editores exigiram que eu mudasse ‘mendigo’ por morador de rua.

Disse que preferia retirar o texto do ar a me sujeitar à tirania do politicamente correto. Retiraram o artigo do ar. Fiquei satisfeito com a minha atitude. A consequência perversa é a autocensura: ‘Será que essa palavra pode provocar reações contrárias?’. Você deixa de ser você mesmo, perde a liberdade de se expressar.

A reação dos alunos

Ao discutir esse tema em sala de aula, percebo que a maioria se mostra indignada frente ao radicalismo de alguns que defendem com a faca nos dentes as regras do politicamente correto. Concordam que não deve haver ofensas e combatem injustiças e desrespeitos, mas rechaçam o exagero cada vez mais intransigente.

Não aceitam ter de se referir a Deus como ‘Deus/Deusa’. Consideram absurda a ideia de precisar dizer ‘ser humano’ no lugar de ‘homem’ em seu sentido genérico, pois alguns julgam que ao dizer ‘homem’ a mulher estaria sendo desconsiderada. Acham chato usar eufemismos como ‘melhor idade’ para idosos.

Até no futebol

Tive de me beliscar ao ouvir um comentarista esportivo reclamando de Neymar ter humilhado um adversário com seus dribles. Só faltava agora levar o politicamente correto para o futebol! O que seria de Garrincha, ‘a alegria do povo’, se estivesse hoje transformando seus marcadores em ‘João’?

Como em tudo na vida, devemos respeitar o outro para a boa convivência. Essa prática deve ser exercida em todos os ambientes e relacionamentos. Se tomarmos cuidado com o que falamos, seremos prudentes. O que atrapalha é o extremo que inibe a livre expressão.

Para saber se estamos agindo bem, basta seguir a tese de Herbert Spencer: ‘A minha liberdade termina quando começa a liberdade do outro’. Esse deve ser o caminho, sem exagero nem falta.

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