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COLUNA

Descriminalização da maconha no STF: relação milenar com a planta sofre preconceito e desinformação até no século XXI

Descriminalização da maconha - Imagem: Reprodução | Freepik
Descriminalização da maconha - Imagem: Reprodução | Freepik
Henrique Tatto

por Henrique Tatto

Publicado em 22/07/2024, às 06h00


Aproximadamente, em 2.700 a.C., no livro chinês “Pen Tsao”, deu-se o primeiro registro da maconha para fins medicinais. Povos antigos já utilizavam a planta de forma terapêutica para tratar doenças, como também, de forma recreativa e para fins religiosos; usada inclusive no lugar do incenso em cultos no Primeiro Templo de Jerusalém e nas caravelas portuguesas que chegaram ao Brasil em 1.500. Mas afinal, por qual motivo a planta criada por Deus todo poderoso sofre preconceito até hoje?

Por volta de 1930, nos Estados Unidos, o conservador Harry Anslinger se tornou chefe do Departamento Federal de Narcóticos. A partir daí, falácias sobre a planta foram lançadas pela mídia com o intuito de demonizar a erva, sob infundadas evidências de que ela causava uma força extraordinária, estimulava a promiscuidade e que assim, destruiria o país. Nasceu então, a perseguição à cannabis. Como era muito utilizada por mexicanos e povos negros, o motivo do ódio era óbvio, pois não se tratava da maconha em si, mas do preconceito étnico-racial em face daqueles que a usavam. Dessa forma, se tornou marginalizada pelo mundo (sob forte influência dos EUA, como sempre). Tanto antes como nos dias atuais, no subconsciente das pessoas, o uso ocorre principalmente, por pessoas pobres, pretas e periféricas, sendo algo mais abominável do que as drogas que de fato são pesadas e mortais, como a cocaína (que é elitizada), por exemplo.

Pesquisas apontam que 90% dos casos de câncer de pulmão no Brasil são provocados pelo cigarro, e dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que 8 milhões de pessoas morrem por ano em decorrência do vício. Outra droga muito utilizada no mundo é o álcool, que em um relatório sobre o consumo global e suas consequências para a saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que o seu consumo mata mais pessoas do que a tuberculose, aids e a violência juntas. No entanto, a bebida é glamourizada e muito incentivada, principalmente em comerciais de televisão.

Mas e a maconha? A legalização em países como Canadá, Holanda, nosso vizinho Uruguai e alguns Estados dos EUA, enfraqueceu o tráfico, diminuiu o número de usuários, provocou redução de danos e ninguém virou zumbi ou saiu às ruas matando e roubando pessoas. Tudo continua perfeitamente normal. É cientificamente comprovado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) que é impossível morrer por overdose de maconha e até hoje, não há registros de mortes causadas pela planta. Ela não queima neurônios, tem menor potencial de risco para o vício e não há evidência científica sobre ser porta de entrada para outras drogas. Também não é verdade que causa esquizofrenia, no entanto, caso o usuário já tenha o diagnóstico da doença, ela poderá agravar o quadro. Ou seja, se você tem câncer de pulmão, não fumará cigarro, concorda?

Em 24 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, com o voto do Ministro Dias Toffoli, pela descriminalização da maconha. Posteriormente, o Tribunal estipulou o porte de 40 gramas ou 6 plantas para o consumo sem a possibilidade de pena para o usuário. No entanto, o porte e consumo configura um ilícito-administrativo. 40 mil pessoas estão presas no Brasil por portarem quantidade menor que 40 gramas, tendo em vista que a grande maioria são negros e pobres. Ou seja, não se trata do porte da erva em si, mas de uma forte criminalização da cor da pele e da pobreza. É quase certo que a comemoração não irá se estender muito, tendo em vista que tramita no legislativo a PEC 45, sendo outra medida eleitoreira para mais um retrocesso causado por conservadores, cientificamente desinformados e falaciosos.

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