Caso foi registrado pela polícia de Salto de Pirapora; mulher se revoltou com visita de alunos ao Quilombo do Cafundó, na região de Sorocaba
Jair Viana Publicado em 22/08/2023, às 13h55
A Polícia Civil de Salto de Pirapora está investigando um caso de intolerância religiosa. A suspeita é a mãe de um aluno de uma escola da rede pública local.
Ela teria enviado mensagens às mães em um aplicativo, com críticas e ofensas de cunho religioso em razão de uma visita dos alunos a um quilombo.
De acordo com o boletim de ocorrência, após o passeio, lideranças do quilombo receberam prints de conversas da suspeita que mostram ela dizendo que o local visitado era uma "verdadeira macumbaria".
Segundo Cintia Delgado, uma das líderes da comunidade, o trabalho de visitas ao quilombo é feito há muito tempo e serve para ensinar a população sobre as tradições e a importância do povo quilombola.
Nós recebemos várias escolas de todo o estado, tanto da rede pública, quanto da privada. Recebemos universidades, agências de turismo... É um trabalho de anos e esta é a primeira vez que somos tratados desta forma", disse.
Além de representantes do quilombo, a mãe de um estudante também compareceu à delegacia para prestar depoimento.
De acordo com a mulher, que participa do aplicativo de mensagens com pais e responsáveis da escola, afirma que viu os comentários da suspeita, além de fotos que mostram ambientes do quilombo.
A professora que levou a turma para visitar o Quilombo do Cafundó, que não quis se identificar, disse que os estudantes são do 7º ano e têm idade entre 12 e 13 anos. Segundo ela, o filho da suspeita não participou da atividade.
"O filho dessa pessoa não é meu aluno e não foi ao quilombo. A mulher viu as fotos dos meus estudantes nas redes sociais e se incomodou de eu levá-los para realizar o trabalho de campo ao quilombo", explicou.
O Quilombo Cafundó luta pela terra há 150 anos e mantém viva tradição dos ancestrais.
Conforme a professora, o trabalho faz parte do currículo escolar do ano letivo, que está ensinando sobre comunidades tradicionais. O caso foi registrado na Polícia Civil na segunda, 21.
A líder quilombola e ialorixá Mãe Bernadete foi assassinada a tiros no quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Região metropolitana de Salvador, na noite de quinta (17).
Até nesta terça (19), ninguém havia sido preso até o fechamento desta reportagem.
Segundo testemunhas, dois homens são os responsáveis por matar a idosa de 72 anos. O corpo da ialorixá foi enterrado neste sábado, em Salvador.
Quilombolas são os descendentes e remanescentes de comunidades formadas por escravizados fugitivos (os quilombos), entre o século XVI e o ano de 1888 (quando houve a abolição da escravatura), no Brasil.
Atualmente as comunidades quilombolas estão presentes em todo o território brasileiro, e nelas se encontra uma rica cultura, baseada na ancestralidade negra, indígena e branca. No entanto, os quilombolas sofrem com a dificuldade no acesso à saúde e à educação.
A palavra quilombo tem como origem o termo kilombo, que vem do idioma dos povos Bantu, originários de Angola, e significa local de pouso ou acampamento.
Os povos da África Ocidental eram, antes da chegada dos colonizadores europeus, essencialmente nômades, e os locais de acampamento eram utilizados para repouso em longas viagens.
No Brasil Colonial, a palavra foi adaptada para designar o local de refúgio dos escravos fugitivos. Quilombola é a pessoa que habita o quilombo.
Os povos quilombolas não se agrupam em uma região específica ou vieram de um lugar específico. A origem em comum dos remanescentes de quilombos é a ancestralidade africana de negros escravizados que fugiram da crueldade da escravidão e refugiaram-se nas matas.
Com o passar do tempo, vários desses fugitivos aglomeravam-se em determinados locais, formando tribos.
Mais adiante, brancos, índios e mestiços também passaram a habitar os quilombos, somando, porém, menor número da população.
Ao longo da história brasileira, vários quilombos foram registrados, alguns com grande número de habitantes.
O Quilombo dos Palmares, por exemplo, que na verdade era formado por um conjunto de 10 quilombos próximos, chegou a ter uma população estimada em 20 mil habitantes no século XVII.
Ainda hoje existem comunidades quilombolas que resistem à urbanização e tentam manter seu modo de vida simples e em contanto com a natureza, vivendo, porém, muitas vezes em condições precárias devido à falta de recursos naturais e à difícil integração à vida urbana e não tribal.
Há uma dificuldade, por exemplo, de acesso à saúde e à educação. Devido a isso, desde o início dos anos 2000, há uma tentativa governamental de demarcar as terras quilombolas para que elas não sejam tomadas por fazendeiros, madeireiros e grileiros e para que haja maior garantia de sobrevivência das comunidades que vivem nelas.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), pelo Decreto n. 4.887 de 2003, é o órgão federal responsável pela demarcação e titulação das terras quilombolas no país.
Além dessas entidades, a Fundação Cultural Palmares, um órgão público vinculado ao Ministério da Cultura, é responsável pela manutenção e preservação do patrimônio cultural quilombola.
Há uma proximidade cultural geral entre populações quilombolas e populações indígenas. Os dois grupos vivem de maneira simples e integrados à natureza, tirando a maior parte de seu sustento da terra.
No entanto, com o avanço da urbanização, do agronegócio e do extrativismo não sustentável, o modo de vida dessas comunidades e a sua preservação correm perigo.
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