por Marcus Vinícius De Freitas
Publicado em 01/02/2023, às 08h50
Políticos, muitas vezes, erram feio. Baseados numa determinada perspectiva, que, geralmente, encontra alguma ressonância numa parcela da população, e com o abuso do populismo – um fenômeno que não é novo, mas que as mídias sociais amplificaram – políticos podem enganar facilmente o povo e levá-lo a cometer erros que afetam gerações. Talvez seja esta uma das grandes falhas da democracia: deixar que uma população – quase sempre – desconhecedora do impacto de suas decisões seja levada ao erro e tenha de pagar caro por tal situação.
Margaret Thatcher se opunha a referendos, sabiamente. Certa vez, ela citou o ex-primeiro-ministro, Clement Atlee, ao reconhecer que referendos são “dispositivos de ditadores e demagogos”. Em 1945, quando Winston Churchill servia como primeiro-ministro, este sugeriu um referendo para decidir quanto à extensão da atividade da coalizão durante a guerra até à vitória no Japão. Clement Atlee, que na ocasião era o Vice-Primeiro-Ministro recusou a proposta, afirmando que “não poderia consentir com a introdução em nossa vida nacional de um dispositivo tão estranho a todas as nossas tradições como o referendo, que muitas vezes tem sido o instrumento do nazismo e do fascismo”. Napoleão, Mussolini e Hitler utilizaram referendos com frequência no passado.
Mas o referendo parece ser um instrumento democrático, não? Pode até parecer, mas o fato é que ele exime o agente político – eleito para representar e decidir por uma coletividade – da importância de sua função terceirizando a culpa por sua falta de vontade de, efetivamente, exercer liderança e arcar com a responsabilidade de seus atos. Referendos têm sido usados para criar-se uma falsa narrativa de democracia, quando, na verdade, está sendo utilizado para manipular a opinião pública a adotar uma medida que poderá, eventualmente, ser-lhe prejudicial.
Não foi diferente no caso do Brexit, a saída britânica da União Europeia. Embora houvesse uma série de desafios que a União Europeia apresentava – e ainda apresenta – quanto à sua forma de atuação, ingerência, muitas vezes, e até mesmo falta de transparência ou legitimidade eleitoral da Comissão Europeia, todos estes amplamente relembrados pelo Reino Unido ao longo de seus anos na União Europeia, o fato é que foi a manipulação política da insatisfação com a questão migratória e dos números da economia que levaram à decisão de saída do Reino Unido da União Europeia no fatídico referendo realizado em 23 de junho de 2016, em que 51.9% dos votantes optou pela saída e 48.1% pela permanência. A população foi induzida ao erro por não ter claramente a total percepção do impacto que tal decisão implicaria.
Como políticos não gostam de reconhecer os erros, em 31 de janeiro de 2020 – há três anos – o Reino Unido saiu da União Europeia, apesar de ainda ter permanecido no mercado comum por mais onze meses. Boris Johnson, um populista que ocupava a posição de primeiro-ministro, afirmou, na ocasião que o Reino Unido poderia, finalmente, realizar o seu pleno potencial, com esperança no crescimento e na confiança no país.
Três anos depois, os resultados não têm sido tão auspiciosos. A instabilidade na ocupação da chefia de governo evidencia o dissabor da população com os resultados alcançados. Nigel Farage, ex-membro do Parlamento Europeu e líder do Partido de Independência do Reino Unido (UKIP), e uma das principais vozes da campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia, anunciava aos quatro ventos que, em 48 horas, Reino Unido e Estados Unidos lograriam a construção de um acordo de livre comércio. Não aconteceu. Nem irá tão cedo. O desabastecimento – em produtos e mão-de-obra – têm afetado o país. Ficou mais caro para os britânicos estudarem na União Europeia. Foi-lhes retirada, ainda, a oportunidade de trabalhar nos outros 27 membros da União Europeia. A decisão adotada não levou em consideração o enorme impacto que tal saída teria sobre as futuras gerações que não puderam, de fato, manifestar-se a respeito.
É por esta razão que as pesquisas de opinião demonstram que muitos britânicos – agora maioria – arrependeram-se de sair da União Europeia. Mesmo em distritos em que havia maior apoio ao Brexit, a situação praticamente reverteu. Afinal, sem distrações efetivas como a pandemia da Covid-19, a Guerra na Ucrânia ou o falecimento de Sua Majestade Britânica, a Rainha Elizabeth II, quanto aos nefastos efeitos do Brexit, a população agora se dá conta do equívoco da decisão e dos resultados da manipulação política da ignorância popular quanto a um assunto de profundo impacto – horizontal e vertical – na sociedade britânica.
Muitos poderão dizer que ainda é cedo para avaliar. O fato é que terão, pelo menos, uma geração de tempo para avaliar, porque reverter o quadro imediatamente seria politicamente difícil, afinal, seria o reconhecimento de um enorme equívoco. O Dia da Independência britânica – segundo os mais radicais defensores do Brexit – paulatinamente se transformou num arremedo de democracia.
A União Europeia também perdeu com a saída dos britânicos. Afinal, o Reino Unido é reconhecido por ter um dos mais excelentes corpos diplomáticos do mundo, além de uma capilaridade de relacionamentos positivos que fazem falta à União Europeia em muitas circunstâncias. Mas o equívoco maior foi do Reino Unido e de sua população que caiu no conto de que dias melhores resultariam se votassem para sair da União Europeia.
A lição aprendida – após três anos – é a da necessidade de cuidado com as falsas promessas dos políticos e da manipulação da população – muitas vezes com o beneplácito da mídia – que sob o manto da fantasia da questão democrática, o povo pode ser enganado. Encantadores de serpentes se encontram em todos os lugares e continentes. Ditadores, projetos de ditadores e demogogos – muitos demagogos – abundam em nossas sociedades. É preciso tomar cuidado com o canto da sereia e não ser enganados. O custo é sempre elevadíssimo.
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