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Um mundo na base do medo

Um mundo a base do medo - Imagem: Reprodução | X (Twitter) - @AFPnews
Um mundo a base do medo - Imagem: Reprodução | X (Twitter) - @AFPnews
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 29/05/2024, às 05h00


Existem três questionamentos que permeiam a saga da humanidade que ninguém sabe, efetivamente, a resposta: de onde viemos, por que estamos aqui e o que acontece depois da morte. A falta de resposta objetiva e clara a estes questionamentos tem sido objeto de enorme manipulação política, religiosa, social e econômica. O medo da morte, uma realidade que afronta a todos e faz parte da trajetória humana, serve como mola propulsora da exploração intelectual, emocional e financeira. Afinal, quantos não prometem um lugar no céu desde que já se paguem as parcelas aqui na vida terrena?

Com isto, a humanidade vai sendo enganada ao longo da sua existência. De tempos em tempos surgem aqueles que afirmam ter a resposta das três perguntas por terem sido iluminados por alguma divindade que revelou somente àquele indivíduo a resposta. Passado algum tempo, a morte – a grande equalizadora de tudo e de todos neste mundo – também extirpa aquele indivíduo que supostamente sabia a resposta das perguntas, porém incapaz de resguardar-se a si mesmo para a vida eterna. O fato é que todos falharam na tentativa de apresentar respostas a estas questões. Obviamente que aqueles com vínculos religiosos poderão dizer que sim tem a resposta. Porém, tudo não passará de uma crença e de uma perspectiva.

Esta terapia do medo coletivo – se por um lado impede a humanidade de cometer atrocidades ainda maiores – também é farta em criar sociedades disfuncionais, desequilibradas e que, muitas vezes, se creem superiores às outras. Essa tentativa constante de instaurar-se um medo coletivo alastra-se a partir do campo espiritual e atinge as mais variadas áreas da existência humana. Nas décadas de 1980 e 1990 a humanidade nutria enormes temores:a Guerra Fria, a possibilidade de uma hecatombe nuclear, o crescimento populacional e a escassez de alimentos, o buraco na camada de ozônio, ameaça do comunismo global e a letalidade do câncer e do HIV. Estes eram dos elementos do temor coletivo da humanidade na ocasião. Ainda que nem todos tenham sido solucionados foram minorados profundamente.

Atualmente, os apóstolos do apocalipse global, com as guerras na Ucrânia e Gaza, buscam restaurar o temor coletivo do fim da humanidade. Os arautos da mudança climática também alardeiam aos quatro ventos que o mundo está em estágio terminal na questão do meio ambiente. Estes fatores, aliados a estados incompetentes, administrações péssimas e políticos de baixa qualidade intelectual e moral, criam um frenesi coletivo, levando à degeneração e enfermidade mental da sociedade jamais observadas antes. Nunca se tomaram tantos antidepressivos, remédios para dormir, anfetaminas, dentre outros, porque os governos e igrejas, ao invés de darem perspectivas positivas às populações, somente lhes apresentam cenários cada vez mais desesperadores. Assim como o medo abastece financeiramente a muitas entidades religiosas, o medo também sustenta muitos políticos, filósofos, acadêmicos, jornalistas e tecnocratas.

O maior desafio, na sociedade ocidental, é que a sua base religiosa judaico-cristã tem uma perspectiva escatológica da existência humana. O mais problemático dessa perspectiva, no entanto, é que a Divina Providência, em seu design da humanidade e do planeta, teria errado o projeto e obrigada a destruir aquilo que criou, num primeiro momento por água, como no caso do Dilúvio, e, ao final, com o fogo, no fim dos tempos. Sim, Deus, Onisciente, Onipotente, Onipresente, o Criador de tudo, errou no projeto e precisa zerar tudo para recomeçar com alguns escolhidos que, a princípio, serão selecionados por terem contribuído financeiramente para determinadas organizações religiosas.

O fato é que, enquanto a humanidade tiver essa perspectiva existencial baseada no medo coletivo e de uma destruição final iminente, os avanços que poderá fazer ainda serão reduzidos diante da enorme quantidade de possibilidades que o cérebro humano é capaz de gerar. Nem mesmo os grandes aristocratas e burgueses de duzentos anos atrás tiveram a qualidade de vida que um cidadão de classe média baixa tem atualmente. O mundo melhorou muito, avançou substancialmente em liberdade, igualdade, justiça e fraternidade. Estes que foram ideais no passado se transformaram em realidades substanciais no presente. É por este motivo que a cultura do medo deveria funcionar cada vez menos em todo o mundo.

As religiões precisam modificar seu discurso do medo fatalista e finalista para que a humanidade evolua. O descrédito crescente das religiões e dos líderes religiosos é preocupante. E por maior que queiram fazer acreditar em sua capacidade espiral, deve-se recordar que, no meio da pandemia da Covid-19, não foi nenhum líder religioso que inventou a vacina que diluiu a fatalidade da doença.

Políticos também precisam entender que a prosperidade de uma nação se faz com ações sérias, de longo prazo, planejadas, e que tenham por objetivo o bem-estar da população. Talvez se os políticos voltassem às questões básicas como segurança e educação já avançaríamos muito.

Então, desconfie, todas as vezes que alguém quiser lhe impor o medo sobre o futuro. O mundo é muito melhor hoje do que já foi no passado. E será ainda mais. A humanidade e a Terra não são projetos falhos da Divina Providência, por mais que alguns queiram que acreditemos assim.

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