por Marcus Vinícius De Freitas
Publicado em 15/05/2024, às 08h20
Brasil e China preparam-se para celebrar, em agosto, os primeiros cinquenta anos de relações diplomáticas que têm representado um importante ganho mútuo, com um comércio cada vez maior, parcerias globais em várias áreas e a preocupação com os rumos da governança global, num mundo em que o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, está em franco declínio econômico, político e social. O século asiático prenuncia um período – espera-se – de maior paz e harmonia global. Afinal, a Ásia tem um histórico menos belicoso, nos últimos séculos, do que o Ocidente. A China lidera este processo de mudança de guarda na governança global e tem-no feito de maneira a evitar guerras e caos. No Ocidente, no entanto, ouvimos sempre os apóstolos do Apocalipse global, incentivando e promovendo uma maior instabilidade global, prevendo, inclusive, a necessidade de uma terceira guerra mundial, algo que o mundo não deseja.
Ao reconhecer a República Popular da China, em agosto de 1974, o Brasil aderiu aquilo que é chamado de “Princípio de Uma Só China”. Por este princípio, os países reconhecem de que há uma só China e que Taiwan é parte inalienável dela. Este princípio inegociável parte de alguns pressupostos históricos de unificação, soberania e manutenção da integridade territorial. Ao reconhecer o “Princípio de Uma Só China”, é prerrequisito que os países não mantenham relações diplomáticas com Taiwan. Os Estados Unidos, após firmarem os Comunicados de Shanghai a respeito do princípio, nos últimos anos passaram a adotar uma interpretação ambígua do Princípio, ao cunharem o termo “Política de Uma Só China”, que visa criar uma posição sutil quanto a Taiwan, evitando uma declaração direta e clara sobre o status de Taiwan.
Taiwan tem uma posição importante para a China: localizada na parte ocidental do Oceano Pacífico, próximo a rotas marítimas que são vitais para comércio internacional da China e o abastecimento de energia, o controle sobre Taiwan é essencial para assegurar à China o contante acesso ao mercado internacional. Mas é primordial ao mundo que estas rotas de comércio permaneçam constantemente abertas para a China. Afinal, o país é o principal parceiro comercial de mais de cento e quarenta países e territórios pelo mundo e, portanto, essencial ao crescimento econômico global. Qualquer disrupção do Estreito de Taiwan terá efeitos drásticos na economia global. Além disso, Taiwan tem uma importância fundamental para a estratégia de defesa chinesa. O processo de reunificação elimina, enfim, a possibilidade de instalação de qualquer base militar estrangeira que possa ameaçar a China continental.
No aspecto político, Taiwan é um assunto importante de soberania nacional e unificação da China. A separação de Taiwan da China Continental se deveu a uma guerra civil doméstica, que até hoje não foi concluída. Embora o Partido Comunista da China tenha vencido o Partido Nacionalista, em 1949, e ganhado o controle da China continental, as forças nacionalistas recuaram para Taiwan não com objetivos separatistas, mas como um recuo estratégico para reunificação no futuro. É importante relembrar que a China, ao longo de sua existência milenar, tem passado por processos de fragmentação e reunificação, consolidação de poder e unificação debaixo de um comando centralizado. A unificação da China – e Taiwan como parte histórica da China – é um dos elementos da identidade e narrativa nacional, com forte presença na cultura, história e ideologia chinesa. Desde a Dinastia Qin, passando pelas Han, Sui, Song, Ming, Qing até atualmente, unificar é uma característica e parte do sentimento nacional da civilização chinesa.
Ademais, é importante frisar que Taiwan tem sido parte integral do território chinês por séculos, sendo cedida ao Japão, em 1895, após a primeira guerra Sino-Japonesa. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, Taiwan foi devolvida ao controle da China como parte da Declaração do Cairo (1943) e da Declaração de Potsdam (1945). Com o final da Guerra Civil, a República Popular da China se tornou a sucessora de fato e direito da República da China. Isto foi também reconhecido, em Shanghai, em 27 de fevereiro de 1972, quando os Estados Unidos e a China emitiram um Comunicado sobre as discussões mantidas entre os dois países para o reestabelecimento das relações diplomáticas. É importante notar, por exemplo, a declaração dos Estados Unidos a respeito na ocasião:
“… Os Estados Unidos reconhecem que todos os chineses de ambos os lados do Estreito de Taiwan afirmam que há apenas uma China e que Taiwan é uma parte da China. O Governo dos Estados Unidos não contesta essa posição. Reafirma o seu interesse numa resolução pacífica da questão de Taiwan por parte dos próprios chineses. Com essa perspectiva em mente, afirma o objetivo final da retirada de todas as forças e instalações militares dos EUA de Taiwan. Enquanto isso, reduzirá progressivamente suas forças e instalações militares em Taiwan à medida que a tensão na área diminuir.”
Em 20 de maio deste ano, um novo governo assumirá, sob a liderança de Lai Ching-te no comando político de Taiwan. É importante relembrar aos líderes políticos brasileiros – alguns subservientes aos Estados Unidos e embalados pelas críticas que algumas lideranças norte-americanas poderão fazer à China na ocasião – que Taiwan não é um assunto ideológico, mas sim uma questão doméstica chinesa, que lhe é muito delicada e cujo cuidado é fundamental para a qualidade do aprofundamento das relações bilaterais. Provocações, como ocorreram no passado, além de incautas, são historicamente equivocadas. Taiwan faz parte da China: esse é o reconhecimento do Brasil há quase cinquenta anos.
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