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Punição Coletiva?

Punição Coletiva? - Imagem: Divulgação / Hamas / Telegram
Punição Coletiva? - Imagem: Divulgação / Hamas / Telegram
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 01/11/2023, às 05h19


Quanto vale uma vida humana? A pergunta clichê é, particularmente, válida na questão da necessidade de um cessar-fogo humanitário em Gaza. Aliás, melhor do que o cessar-fogo, seria o fim da guerra em Gaza. Os resultados devastadores em Gaza já ultrapassaram em muito o limite do razoável e do proporcional. A assimetria nas respostas e a punição coletiva são uma preocupação, humanitária. O número de mortos palestinos – a metade crianças – aproxima-se rapidamente de dez mil pessoas. Trata-se de uma tragédia humanitária.

Reconhecer-se a gravidade insustentável desta situação não é aprovar a abominável ação do Hamas em 7 de outubro. A comunidade internacional imediatamente reconheceu a legitimidade de Israel em reagir. No entanto, a utilização política da ação, por parte do governo de Benjamin Netanyahu, tem ultrapassado as linhas impostas pelo Direito Internacional, como as medidas adotadas de deslocamento de mais de um milhão de pessoas, o corte de eletricidade, combustíveis, alimentos e remédios para uma população desemparada e que já vive em condições miseráveis há décadas. É importante relembrar que dois errados não fazem um certo. Infelizmente, a reação israelense tem logrado alterar uma opinião pública que lhe era – merecidamente – apoiadora para uma condenação global de suas ações.

A comunidade internacional também deve ser culpada pela situação em Gaza. É preocupante que o Brasil, que preside temporariamente o Conselho de Segurança e tem pretensão de tornar-se um membro permanente, não conseguir articular, com engajamento internacional, ao menos um armistício humanitário. A diplomacia brasileira deveria atuar, em todas as mídias internacionais, para explicar à comunidade internacional a importância do cessar-fogo. No entanto, por causa da polarização política existente no Brasil, uma questão tão relevante quanto à situação em Gaza tem-se transformado num debate político doméstico entre Bolsonaristas e Lulistas. Uma pura perda de tempo.

A cada ataque efetuado, a cada morte, a mancha sobre a presidência brasileira do Conselho de Segurança aumenta. É necessário apresentar à opinião pública global a realidade da tragédia em curso. É preciso usar os mecanismos existentes para conclamar a opinião pública global a dizer basta à situação e a articular a chegada mais rápida possível dos insumos tão necessários a um país arrasado pela guerra. Gaza não será somente mais um local totalmente destruído pela guerra, mas servirá como um espaço permanente para o surgimento de novos terroristas, novos grupos e novos fundamentalismos radicais.

Milhares de civis morrerão se a ação de Israel continuar a ofensiva. Somente um cessar-fogo constitui a maneira efetiva para impedir a perda de mais vidas. É por esta razão que, ao longo de centenas de anos, a humanidade vem consolidando os direitos internacional e humanitário com regras claras a fim de assegurar a proteção de vidas humanas. O Direito Internacional é justamente a garantia de que tragédias semelhantes à Segunda Guerra Mundial jamais se repitam. 

A estratégia de Israel é equivocada: extirpar o Hamas é inexequível, pois é impossível distinguir, efetivamente, os militantes do Hamas e os civis. A não ser que Netanyahu tenha desenvolvido uma metodologia mais eficiente que os Estados Unidos, a ação proposta é irreal, servindo mais como uma desculpa para legitimar um governo cujos dias estão contados. E repetir a desastrada política externa norte-americana é um erro, como o próprio presidente norte-americano, Joe Biden, reconheceu. Além disso, incrementará reações negativas e preocupantes mundo afora. 

O cessar-fogo em discussão e, infelizmente, ainda não implementado, é essencial para que se chegue a uma estabilização e que a ajuda internacional consiga chegar e alcançar a população em suas necessidades mais básicas. Manter 2 milhões de pessoas na atual situação é uma catástrofe de proporções inimagináveis. É hora também de o Hamas retornar todos os reféns israelenses e parar de enviar misseis a Israel

A morte de uma população civil é uma mácula na fibra moral de uma sociedade internacional que, ao mesmo tempo que logra enormes avanços nos mais variados campos do conhecimento, ainda recorre ao instrumento da morte como forma de resolver seus problemas.

A hipocrisia do Ocidente é um embaraço. A atuação do mundo árabe também é preocupante. Tem-se a impressão de que os palestinos estão sozinhos. O Brasil, símbolo do multiculturalismo cultural nos trópicos, se pretende livrar-se da reputação de anão diplomático, deve ocupar o espaço internacional que a projeção na presidência do Conselho de Segurança pode oferecer-lhe com uma mensagem e estratégia de paz efetiva.

A demanda internacional de cessar-fogo não é pedir ao Estado de Israel que se renda ao Hamas, terrorismo ou barbárie, nem a que renuncie a sua defesa. Mas que se reconheça que a assimetria da resposta precisa ser contida. É importante reenfatizar que discordar da atuação do Estado de Israel e do governo Netanyahu tampouco é antissemitismo. Israel corre o risco de, baseada somente no apoio de um país em declínio como os Estados Unidos – e um dos campeões em equívocos em situações semelhantes – a sofrer as consequências de uma estratégia equivocada de atuação.

O Brasil deve ter, de fato, um papel mais positivo na construção de uma solução que seja duradoura e imparcial na questão palestina. A tragédia humanitária requer uma resposta que não esteja limitada aos desafios da política doméstica. É chegada a hora de o anão se transformar num gigante pela paz mundial.

Quanto vale uma vida humana? Esta é a questão fundamental. Afinal, quando a morte não tem preço, a vida já perdeu seu valor.

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