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COLUNA

Prosperidade, Democracia e Modernização

China e Estados Unidos. - Imagem: Pixabay
China e Estados Unidos. - Imagem: Pixabay
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 02/11/2022, às 11h46


À medida que o século XXI avança e se consolida um cenário de maior prevalência econômica e política da Ásia, a competição entre Estados se torna mais acirrada. A disputa pela hegemonia entre Estados Unidos e China é uma realidade que deverá acompanhar-nos por algumas décadas, principalmente pela resistência ocidental em aceitar o ciclo histórico de mudança dos centros de poder mundial. Para um país como o Brasil, afastado geograficamente dos eixos globais de conflito, a distância lhe permite ter maior compreensão do momento histórico, acompanhar a evolução da agenda global e posicionar-se, estrategicamente, para a proteção de seus interesses. Mas, para tanto, é preciso desenvolver estratégias que ultrapassem os ciclos eleitorais como políticas de Estado. Para assumir uma primazia global e um papel de maior relevância, há lições que precisam ser feitas. Do contrário, as possibilidades positivas oferecidas por uma ordem globalem transição poderão ser perdidas ou – pior ainda – desperdiçadas.

Ao analisarmos o processo de consolidação de uma nação competitiva mundialmente é necessário enfatizar a importância e relevância do desenvolvimento econômico. A base de todas as coisas – proteção ambiental, inclusão e estabilidade democrática – estão diretamente assentadas na necessidade de assegurar-se a prosperidade decorrente do desenvolvimento econômico e da busca diuturna da competitividade como nação. Neste aspecto, a melhoria substancial na qualidade da educação oferecida, a busca por tecnologias disruptivas e a flexibilidade para facilitar o ambiente de negócios constituem elementos fundamentais para o avanço de medidas que ampliem os horizontes nacionais. Para tanto, a clareza dos objetivos e o compromisso de estabilidade e continuidade são essenciais para manter o processo de avanço. O 20º Congresso do Partido Comunista da China, por exemplo, delineou com clareza o objetivo chinês de alcançar, o mais rápido possível, o dobro da renda per capita atual e colocar o país na constelação das nações mais desenvolvidas. Por outro lado, a instabilidade do Reino Unido, com a troca constante de primeiros-ministros, ocorrida nesta última década, particularmente em razão do autoflagelo do Brexit, tem feito o país retroceder em sua relevância e influência global.

Países, muitas vezes, optam pelo autoflagelo, como no caso do Brexit: quando diante de alternativas, muitas vezes com a devida manipulação, o instrumento eleitoral do voto pode gerar consequências nefastas, cujo impacto e reflexos serão sentidos por gerações. O jogo democrático tem um custo para os países, particularmente em razão da polarização que, necessariamente, ocorre em cenários eleitorais. Além disso, mesmo a conclusão do certame eleitoral não é garantia de que a disputa não prosseguirá, criando um constante segundo ou terceiro turno na disputa pelo poder. Esta divisão, que pode atender aos maiores anseios democráticos de total liberdade de expressão, também tem um custo associado ao fato de que políticas de Estado – que necessitam de continuidade e transpõem o relógio eleitoral – são sacrificadas diante da conveniência política, o que pode transformar um país num cemitério de obras e reformas inacabadas. Além disso, incorre-se o risco constante de o grupo que assume o poder querer reinventar a roda, sem levar em conta os custos incorridos no processo anterior.

O grande desafio da democraciaé o fato de que o processo eleitoral não leva necessariamente os melhores ou mais preparados ao poder. Num cenário em que carisma é mais importante do que qualificação individual, a democracia já começa prejudicada quanto à sua capacidade de, efetivamente, entregar resultados produzidos por eleitos incompetentes. Diante disto, as democracias têm construído inúmeros mecanismos para retirar do poder aqueles cujos resultados ou atuação sejam daninhos à sociedade. Estes processos, no entanto, são sempre danosos, às vezes lentos, e muitas vezes extremamente polarizadores. O processo de impeachment no Brasil, por exemplo, é um exemplo do quão custoso é a retirada de um governante prejudicial ao País. A rapidez na troca de chefes de governo – os primeiros-ministros – no caso do Reino Unido, por outro lado, parece ser menos prejudicial ao sistema político, mas sob a garantia da estabilidade representada ainda pela monarquia constitucional.

Também é importante entender que, diferentemente do que se acredita, democracias não são como Coca-Cola, que tende a ser quase igual em todo o mundo, apesar de variações no gosto, em razão da água e da gaseificação. Enquanto para nós, no Ocidente, a democracia é um produto, terminado, que tem de apresentar determinadas características a cada ciclo eleitoral, outras sociedades entendem a democracia mais como um processo, em que mais importante do que o próprio instrumento do voto popular, de tempos em tempos, o fundamental é construir um processo de maior proximidade com o eleitor em contatos mais constantes.

É fato que a ultra polarização política que o mundo vem enfrentando não é sadia. As sociedades, para evoluírem, precisam de paz e harmonia. O clima de guerra civil instaurado, particularmente nos processos eleitorais, cria uma divisão social que líderes políticos raramente conseguem solucionar ou têm a estatura para fazê-lo. Cabe aqui destacar o exemplo de Mandela, que soube esquecer os erros dos “inimigos” do passado e foi um dos poucos exemplos de superioridade democrática e humana ao lidar com seus opositores quando no poder. É uma pena não haver mais Mandelas pelo mundo.

A democracia, por fim, não pressupõe a imposição de um grupo sobre os outros, nem a predominância de um só assunto ou pauta. A sociedade é composta por um caleidoscópio de diversidades que devem ser respeitadas. O maior desafio dos democratas reside, no entanto, em compreender que, embora eleitos por um segmento da sociedade, o governo atinge a todos. A ideologia é um norteador, porém não pode constituir fator determinante de toda uma administração governamental

À medida que a nova ordem mundial se consolida é imprescindível que os países compreendam os desafios domésticos que enfrentam – dentre eles, as democracias capengas – e encontrem formas de reformá-las para atingir novos patamares de desenvolvimento econômico e bem-estar social.

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