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Erros imperdoáveis do Ocidente

Emanuel Macron - Imagem: Reprodução | X (Twitter) - @AFPnews / Ludovic Marin
Emanuel Macron - Imagem: Reprodução | X (Twitter) - @AFPnews / Ludovic Marin
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 20/03/2024, às 08h19


O mundo foi surpreendido recentemente pela afirmação atabalhoada do presidente francês, Emanuel Macron, quanto à possibilidade do uso de tropas francesas na guerra da Ucrânia. A alegação – visando melhorar um pouco da péssima popularidade de Macron, foi recebida por ouvidos moucos no próprio continente europeu e pelos aliados. Nenhum país pretende provocar a Rússia, particularmente com um Vladimir Putin fortalecido pela reeleição, apesar das controvérsias quanto à legitimidade do processo eleitoral. Macron, para atender à política interna e tentar destacar-se como um líder europeu revelou, na realidade, a fraqueza da sua assertiva e liderança.

Do outro lado do Atlântico, Joe Biden, com olhos fitos na reeleição, está encontrando na Faixa de Gaza o maior desafio da política externa norte-americana: o principal apoiador do Estado de Israel não consegue convencer este a permitir os corredores humanitários para resolver uma das maiores tragédias da história recente da humanidade.Para piorar, Biden tem adotado uma postura hipócrita: por um lado, fornece armas em enorme quantidade a Israel mas por outro lado, para atender à demanda humanitária de parte do seu eleitorado, ordenou a entregar alimentos por aviões e se comprometeu a construir um porto temporário, a ficar pronto num período de 60-90 dias, enquanto a população palestina morre de inanição.

Ucrânia e Gaza constituem dois importantes eixos do declínio do Ocidente. Tanto Europa como Estados Unidos vêm suas mãos amarradas diante da situação. E, ao invés de se buscar uma solução mais definitiva, o populismo e a enganação massiva coletiva afloram e se solidificam.

O conflito de Gaza tem superado, de fato, a tragédia da Guerra da Ucrânia. Numa questão de meses, milhares de pessoas já foram assassinadas pela ação militar. Milhares morreram e morrerão em razão das condições miseráveis em que Gaza se encontra. A fome impera e muitos perecerão não somente pelas armas mas pela fome.Netanyahu estende a guerra por mais tempo para arrebatar maior apoio público, apesar de uma parte da própria opinião pública israelense não lhe querer mais como primeiro-ministro. E os Estados Unidos, o “bastião da liberdade”, o defensor do mundo livre e dos mais fracos – como pretendeu convencer a opinião pública global ao simular um apoio incondicional à Ucrânia – convalida as ações desumanas do Estado de Israel – ocasionada – reconheça-se – por uma ação abominável do Hamas – mas cuja reação tem ultrapassado, em qualquer medida possível, qualquer princípio de razoabilidade ou de justificação.

Estamos observando um massacre do povo palestino. Embora se reconheçam os inúmeros problemas existentes na comunidade palestina – inclusive valores que o Ocidente possa considerar atrasados ou ofensivos – nada justifica assistirmos, de braços cruzados, a situação que vem ocorrendo naquele território. Para alguns, a Palestina seria a Terra Prometida. Para outros, o questionamento é: prometida para quê ou para quem? Ou ainda, por quê?

Sob o argumento de extirpar o Hamas, o Estado de Israel vem perpetrando, há décadas, uma tragédia humanitária. A ocupação, apoiada por britânicos e norte-americanos, transformou a coexistência harmoniosa – atestada por muitos judeus que viviam na Palestina antes de 1948 –num ódio figadal que, paulatinamente, reduziu a condição palestina a uma situação inumana e transformou os territórios palestinos em lugares de prevalência da ignorância – afinal, invariavelmente, bombardeiam-se escolas. O temor prevalece – pois com entardecer, ao invés do momento de descanso, é quando mais bombas são lançadas; e, por fim, desespero, diante da falta de expectativas quanto ao futuro. As únicas alternativas são lutar ou abandonar Gaza.

Neste cenário, infelizmente, é que a hipocrisia ocidental parece imperar. Traumatizada pela vergonha do Holocausto – a maior tragédia do século XX – em que Adolf Hitler condenou à morte ciganos, comunistas, homossexuais, judeus, maçons e Testemunhas de Jeová, o Ocidente convalida a ação do Estado de Israel nesta situação. Claro que atuação de alguns países da região, por certo, justificam a ação mais assertiva de Israel, afinal, tem sido o vizinho indesejado contra o qual alguns já declararam uma sentença de extinção. Mas, por afirmar-se como a única democracia da região, a ação do Estado de Israel não pode beirar a barbárie. É lamentável, ainda, reconhecer, que Israel não é o primeiro a fazer isso: o Afeganistão e a Líbia, por exemplo, são retratos de ações equivocadas que levaram milhares à morte e condenaram países que já eram problemáticos ao ostracismo global e a deterioradas condições de vida por décadas.

Dois pesos e duas medidas têm sido a característica fundamental da política externa dos Estados Unidos e do Ocidente. O interesse nacional desconsidera o mais fundamental dos direitos que é a preservação da vida. Esta hipocrisia perniciosa, muitas vezes cercada de uma retórica beneficente, leva a estas guerras insanas, assimétricas e que jamais atingirão qualquer objetivo senão intensificar ódios e a repetir, no futuro próximo, a mortandade de milhares de vidas ceifadas por puro interesse político e econômico. 

Cabe, por fim, enfatizar que opor-se às ações do governo de Israel não é antissemitismo. Governos erram e devem ser trocados. As ações de Netanyahu prejudicam a existência do Estado de Israel e todo apoio que deve existir para que o país continue a existir e a ser a pátria mãe de todos os judeus. A existência de Israel é uma realidade que não deve jamais ser negada. No entanto, a ação do governo tem sido extremamente prejudicial à causa sionista.

No caso da Ucrânia, por fim, a situação tende a piorar. Os equívocos do Ocidente forçaram o povo ucraniano a uma guerra que, provavelmente, perderá. Como se comportará a Rússia após infligir essa derrota ao Ocidente é uma questão fundamental para contê-la no futuro.

O mundo está numa situação difícil. Porém, as respostas oferecidas pelas lideranças existentes não o tornam nada seguro.Aliás, pioram. E muito.

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