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E a guerra na Ucrânia continua

E a guerra na Ucrânia continua - Imagem: Reprodução | FLICKR - Metin Aktas
E a guerra na Ucrânia continua - Imagem: Reprodução | FLICKR - Metin Aktas
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 11/01/2023, às 12h12


A Guerra na Ucrâniase aproxima rapidamente de seu primeiro aniversário. É um fato triste e preocupante. Milhares de pessoas perderam a vida neste conflito que, a cada dia, se torna mais violento e cujas perspectivas de uma solução de paz ficam mais complexas. Além disso, milhões de pessoas, no continente europeu e fora dele, têm sido afetadas pelos impactos negativos de uma guerra que tem afetado, particularmente, a questão dos preços de energia global, a inflação e a desaceleração da economia mundial. O mundo que esperava uma recuperação mais acelerada ao final de uma longa pandemia da Covid-19, tem sido condenado a uma inflação elevada e a postergar as perspectivas de recuperação econômica e do retorno à normalidade. Muitas lições podem ser aprendidas nesta guerra que tem impactado o mundo de uma maneira significativa. Três lições, em particular, merecem atenção ao vislumbrarmos o que tem ocorrido até o momento.

Em primeiro lugar, a questão do impasse. Esta é uma guerra em que ambos os lados precisam construir narrativas de vitória. O grande desafio, no entanto, reside em definir, precisamente, o que é vitória, tanto para russos como para o Ocidente. Putin precisa vencer a guerra e prover à sua população, que vive sob seu domínio político há décadas, a perspectiva de invencibilidade diante da sua assertiva de reconstruir a relevância global da Rússiacomo potência, algo que foi perdido após o colapso da União Soviética em 1991, e – reconheça-se – espezinhado por líderes ocidentais que outorgaram a uma Rússia nuclearmente armada um reconhecimento geopolítico de menor relevância. E para o Ocidente – muito mais que para Zelenskyy – é importante vencer a guerra – particularmente na narrativa – para reafirmar sua superioridade e postergar um processo continuado de decadência e perda de relevância. O Ocidente – nomeadamente, Estados Unidos, OTAN e a União Europeia – precisam vencer a guerra para assegurarem sua posição de influência e relevância no tabuleiro global.

O fato é que determinar o que é vitória – a não ser que haja um domínio territorial irreversível – será um exercício cansativo de narrativas, por ambos os lados. Em tempos de mídia social, essa batalha se torna ainda mais exaustiva, uma vez que se acredita que por meio destas se obtém o controle das mentes e corações dos indivíduos.

Em segundo lugar, a Guerra na Ucrânia se revelou incapaz de dar ao Ocidenteo apoio incondicional que esperava do conflito. Os europeus acreditavam que o mundo se perfilaria em apoio às medidas e sanções impostas à Rússia quase que automaticamente. Afinal, nessa perspectiva eurocêntrica, como seria possível entender este conflito como não tendo uma natureza global? O fato é que os europeus descobriram que o descaso e indiferença com conflitos e situações complexas ocorrendo em outras partes do globo levaram o mundo a dar-lhes o mesmo tipo de tratamento na questão desta guerra. Que europeus e norte-americanos esperavam maior apoio do Sul Global, criando-se narrativas e imposições quanto à aderência às sanções, é uma realidade. No entanto, este Sul Global adotou uma posição de maior independência e preservação de seus próprios interesses. Afinal, estes países compreenderam que solidariedade em situações anteriores pouco lhes favoreceu nos momentos em que estes países precisavam de maior apoio do Ocidente. A desilusão do Sul Global com o Ocidente tem-se caracterizado – devo reconhecer – como um resultado colateral desta guerra, mas de enorme impacto, particularmente nas mudanças no tabuleiro global.

Um terceiro aspecto a reconhecer neste período está relacionado ao papel assumido pela China no conflito. Muitos preconizaram que a ação russa na Ucrânia seria o estopim de uma ação chinesa na província de Taiwan. Fomentada a separação e um eventual conflito pelo Ocidente, que tem armado militarmente a Ilha, muito se propagou que o presidente chinês, Xi Jinping, utilizaria da atual situação para invadir Taiwan. Erraram os que preconizaram esta ação desconhecendo a necessidade chinesa de assegurar um cenário estável para atingir o objetivo de maior prosperidade e bem-estar popular, elementos legitimadores e essenciais da perenidade do Partido Comunista da Chinano poder. A China, que enfrenta os desafios decorrentes da liberalização de medidas para o fim da pandemia, logrou manter seus interesses apesar do conflito, adotando uma posição equidistante, porém que lhe assegurasse a estabilidade econômica e lhe garantisse sair do conflito sem necessariamente estar comprometida negativamente.

O fato é que a Guerra da Ucrânia tem revelado muitas das mágoas acumuladas pelo mundo com relação ao Ocidente. Das lideranças globais, que desenharam a ordem mundial na II Guerra Mundial, atualmente pouco se espera para mudar o tabuleiro global ou torná-lo mais inclusivo. As instituições globais pouco alteraram o seu balanço de poder nas últimas décadas e vemos que o Ocidente não teme em abusar de seu arsenal para a manutenção do status quo e não se atemoriza em utilizá-lo para forçar posicionamentos e atuação que seja exclusivamente a seu favor. Mas o fato é que o Ocidente já não tem sido tão convincente quanto no passado, particularmente porque tem, de fato, pouco a oferecer de uma maneira convincente. Isto comprova a crescente deterioração da sua capacidade de persuasão. O elemento dissuasão pode até persistir, em razão dos mecanismos militares e econômicos ainda subsistentes, porém a ascensão de novas potências globais, tecnologias e do processo intensivo de digitalização econômica, tem alterado profundamente a efetividade de muitos dos mecanismos utilizados no passado recente.

Por fim, a Guerra na Ucrânia evidencia um mundo mais complexo do que o atual, com novas perspectivas e uma multipolaridade que – em que pese o Ocidente ser crítico devido à alteração dos paradigmas existentes – é benéfica, particularmente ao trazer à cena global mais parceiros, com maior diversidade de objetivos, ideais e possibilidades. O mundo precisava repaginar-se e, infelizmente, foi necessário, uma vez mais, um conflitoarmado – por certo, totalmente desnecessário – para que novos rumos e perspectivas começassem a alinhar-se.  Confúcio sabiamente afirmou: “Não corrigir as próprias falhas é cometer a pior delas.” Que o mundo saiba corrigir os erros e avançar.

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