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COLUNA

China, a maior prioridade da política externa

Imagem: Reprodução / Alan Santos
Imagem: Reprodução / Alan Santos
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 08/02/2023, às 09h08


O governo atual errou ao optar por visitar, em primeiro lugar, Argentina e Estados Unidos, para a estreia da diplomacia presidencial. A Chinaque, desde 2009, se tornou o principal parceiro econômico do Brasil, deveria constituir a primeira e principal prioridade de todo chefe do executivo. Afinal, as potencialidades chinesas ultrapassam – em muito – quaisquer possibilidades ou expectativas que o relacionamento com Estados Unidos ou Europa poderiam proporcionar. A Chinaapresenta possibilidades exponenciais de ganho, enquanto os parceiros do Atlântico Norte oferecem oportunidades marginais.

Além disso, a expectativa de crescimento da renda chinesa – cujo objetivo é atingir de 20 a 25 mil dólares per capita em 2049, quando a RepúblicaPopular da China completar seu centenário, é um fator extremamente auspicioso, particularmente devido à complementaridade econômica existente entre Brasil e China. O acréscimo de renda chinês implicará alterações mais profundas na dieta chinesa, que deverá incluir, ainda mais, proteína animal. O Brasil, que é um grande produtor de proteína animal em razão da abundância de terra, sol e água, poderá garantir enorme crescimento no setor agropecuário. A recente mudança, por exemplo, na política de filhos – agora 3 – também oferecem oportunidades na indústria de alimentos infantis que é substancial. Ao buscar acrescentar valor às commodities primárias produzidas no Brasil, com uma parceria mais intensa entre os dois gigantes, as possibilidades econômicas tornam-se ainda maiores.

O Brasil também é um parque de diversões para a China em matéria de projetos de infraestrutura. O país asiático logrou construir, nas últimas cinco décadas, uma infraestrutura para produção e exportação que não tem correspondente no Ocidente. Baseado no princípio de que “tempo é dinheiro”, os chineses investiram pesadamente na fluidez da movimentação dos produtos em seu território, particularmente fomentando uma integração cada vez maior dos modais de transporte. Brasil, Chilee China poderiam construir, por meio de uma joint venture, por fim, um corredor unificando Pacífico e Atlântico, o que daria aos dois países acesso aos dois oceanos, ampliando as possibilidades econômicas substancialmente.

A China – nossa parceira no BRICS – tem assumido um papel cada vez mais importante para o Brasil. Com 1.4 bilhões de habitantes e um poder aquisitivo crescente, a China já provou o seu enorme interesse no Brasil, como seu maior parceiro comercial desde 2009, ou como um de seus maiores investidores. Trata-se de um país competitivo que tem sabido aproveitar dos benefícios da globalização. Tentar opor-se a ela não constitui uma estratégia acertada. O Uruguai, parceiro do Brasil no Mercosul, compreendeu esta nova realidade global e tem buscado aproximar-se do gigante asiático, inclusive com a criação de uma área de livre comércio a despeito da oposição dos sócios do deteriorado Mercosul. Ademais, nem os Estados Unidos, nem a União Europeia, com suas políticas não-amistosas com relação à China, pretendem fraturar, em definitivo, o seu relacionamento, particularmente considerando o papel cada vez mais relevante da China no cenário global.

O governo anterior, equivocadamente, adotou uma postura belicosa à China, que soube manter o relacionamento apesar da argumentação e posicionamento ideológico contrário. Até mesmo as críticas à vacina Coronavac, de origem chinesa, se comprovaram totalmente infundadas e a China soube manter o relacionamento econômico ativo. A atual administração corre o risco de, sob pena de querer repetir o espírito equivocado de grandiosidade dos dois mandatos passados na busca de um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas – algo que não ocorrerá – privilegiar o relacionamento atlântico sem considerar as vantagens que o relacionamento asiático poderia proporcionar.

À medida que a China se reabre ao mundo, é importante avançar, com inteligência, para o Brasil criar uma política altamente competitiva e atraente para o incremento do número de empresas chinesas que se instalem no País e agreguem, de fato, valor às commodities brasileiras destinadas não somente àquele mercado mas ao global. Assim, ao invés de exportar frutas, as empresas chinesas – instaladas no Brasil como indústrias transformadoras e agregadoras de valor – venderiam na China e em outros mercados onde esteja presente, essas mercadorias já como produtos transformados, com maior valor agregado. Os chineses enfatizam a importância da construção de parcerias ganha-ganha e o Brasil, sem dúvida, é um dos países mais capazes de criar complementaridades e sinergias jamais observadas num relacionamento bilateral.

Com isto, ganhariam as empresas, ganhariam o Brasile a China, e se ampliariam as possibilidades de melhoria do uso e absorção da mão-de-obra brasileira. Erra quem pensa que o objetivo chinês moderno é “roubar empregos” nos países onde operam. Por uma questão de responsabilidade social corporativa, as empresas chinesas operando internacionalmente entendem que sua existência depende de uma percepção positiva nos países em que operam. “Roubar empregos” não contribui na construção de imagem.

O Brasil e a China têm muita sinergia. À China interessa um parceiro forte nas Américas em sua estratégia de ascensão global. Ao Brasil interessa dar um salto qualitativo em sua competitividade e produtividade. A China possui os recursos econômicos e tecnológicos que o Brasil precisa, além de um vasto mercado. Querer contrapor-se ou ser fascinado pelo canto de sereia de mercados cujo ganho efetivo será relativamente baixo não me parece ser a ideia mais racional para o atual governo. O Brasil e a China devem caminhar lado a lado para construir uma nova ordem global como parceiros iguais. Precisam trabalhar juntos neste processo.  Como bem afirmou Confúcio, “Transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha”. É hora de começarmos a trabalhar juntos para construir essa montanha. Se o atual presidente quiser deixar um legado efetivo, é da Ásia que surgirão as grandes oportunidades. É lá em que a nova ordem mundial será reorganizada.

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