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A questão evangélica

A questão evangélica. - Imagem: Reprodução | Sergio Lima
A questão evangélica. - Imagem: Reprodução | Sergio Lima
Kleber Carrilho

por Kleber Carrilho

Publicado em 21/01/2023, às 09h05


Nesta semana, em uma apresentação para um grupo que estuda populismo, polarização e emoções, na Universidade de Helsinque, falei sobre a radicalização política no Brasil. E, entre tantas questões que nos levaram a ela, citei o fenômeno da politização das mensagens nas igrejas evangélicas, principalmente as neopentecostais.

Apesar de termos muitos dados sobre isso, principalmente quantitativos, poucas pesquisas se aprofundam nas motivações históricas que levam a esse fenômeno. E podemos aqui falar de duas das principais informações e compreensões que fazem falta aos números que tentam dar conta da radicalização: o ressentimento e a esperança.

O ressentimento de parte dos evangélicos é algo que cresceu no nariz de muita gente que faz política há décadas, mas não foi considerado como um risco. Digo isso não por leitura de dados de pesquisas, mas por experiência pessoal. Cresci em uma igreja evangélica (pentecostal, não neopentecostal), da qual saí ainda na adolescência. E sabe do que me lembro com detalhes? Do preconceito, da incapacidade de estar em outros ambientes sem ter um ataque, uma piada, uma “tiração de sarro”.

E, se eu me lembro disso na infância, o que dizer dos que continuaram por lá nos últimos 30 anos? Afinal, enquanto os movimentos políticos da esquerda estavam presentes na Comunidade Eclesial de Base da Igreja Católica a poucos metros da igreja que eu frequentava nos anos 1980, ninguém queria falar com os “crentes”.

Se a agenda progressista nunca chegou perto dessa parte da população, até porque realmente não é algo fácil, dadas as características conservadoras, o que é que esperavam? Que as pessoas valorizariam projetos políticos democráticos por uma iluminação divina?

Enquanto os estudiosos analisavam os dados, tentavam compreender o crescimento dos evangélicos, quem foi até lá conversar com eles?

Porque, enquanto a promessa de uma vida melhor às periferiasestava sendo feita, a expectativa mexeu com o segundo ponto que destaco aqui: a esperança.

Porém, ao notar que aquilo que era dito pelos projetos políticos nas periferias não se tornava realidade, a competição com as promessas das igrejas aumentou ainda mais. A resposta ao ressentimento pelo preconceito e a reação às promessas de melhoria de vida não cumpridas por quem conseguiu chegar ao poder foram aproveitadas por pastores com objetivos eleitorais e outros líderes que se aproximaram deles.

E qual foi a entrega para os fiéis? A esperança da teologia da prosperidade, aquela que traz a herança calvinista de que a riqueza é a demonstração das bênçãos de Deus. E, se você ainda não teve essa demonstração, precisa se esforçar mais para ter.

Não havendo necessidade de ter intermediários que falam difícil, em longas reuniões sobre políticas públicas, nem dividir o sucesso com os vizinhos, a ideia de que você deve lutar contra os infiéis faz muito mais sentido. Além disso, a esperança de que a riqueza vai chegar logo, necessitando apenas ter fé, parece muito mais confortável do que uma luta de classes, em que a organização é difícil e o resultado pouco atraente.

Este texto é curto, o que impede que seja apresentado mais do que um resumo simples, porém o que vale dizer é que, se os movimentos progressistas e democráticos querem conversar com os evangélicos, têm que começar assumindo que não fizeram nada, a não ser colocar pesquisadores com visão “superior” para ver o que ocorria por lá. Ou então apostaram em pastores de esquerda, que não leem a Bíblia da mesma forma do que os radicalizados.

Talvez você esteja agora aí pensando que “eles nem sofrem preconceito de verdade”, ao que eu respondo: “você quer convidá-los para o seu lado ou ter razão?”

Porque, se for para ter razão, é melhor deixar para lá. E ficar reclamando que eles são radicaisbolsonaristas. Por isso, pergunto: vamos tentar resolver isso de verdade? Ou vamos mais uma vez culpá-los por não entenderem o valor da democracia?

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