Diário de São Paulo
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O Caderninho Preto do Imperador

Retrato de Dom Pedro II - Imagem: Reprodução | Wikipedia
Retrato de Dom Pedro II - Imagem: Reprodução | Wikipedia

Marcus Vinícius De Freitas Publicado em 20/07/2022, às 09h17


No ano em que o Brasil completa o bicentenário de sua independência e assiste preocupado o cenário eleitoral que se avizinha, repleto de instabilidade e perspectivas negativas, o falecimento de Dom Luiz de Orleans e Bragança, em 15 de julho deste ano, faz-nos refletir sobre o enorme custo que o golpe militar de 15 de novembro de 1889 impôs ao País. Dom Luiz teria sido o 6º Chefe de Estado do Brasil, desde Dom Pedro I em 1822, assegurando uma estabilidade que, certamente, teria colocado o Brasil noutro patamar de desenvolvimento e progresso.

Naquele fatídico dia de 1889, uma oligarquia escravocrata, retrógrada e até misógina, aliada ao Exército, passaram a escrever uma história de instabilidade num país que tinha muitos fatores positivos para se tornar uma potência global, mas que segue um anão diplomático e – em muitos aspectos – com características marcantes de uma república de bananas. A oligarquia da época rechaçou a monarquia porque esta – depois de muita luta – encerrou o capítulo mais vexaminoso do Brasil, que era a escravidão. Além disso, a iminente ascensão de uma mulher ao trono e à Chefia de Estado era algo impensável ao domínio masculino retrógrado que prevalecia – e ainda permanece – como observamos pelo baixo empoderamento feminino que ainda persiste no Brasil.

A partir daquele 15 de novembro de 1889, o Brasil viu vilipendiada a sua própria história. Mentiras tornaram-se verdades e um senso de inferioridade coletiva se abateu. O nome do país – Estados Unidos do Brasil – que perdurou até 1967 era plagiado. A bandeira dos primeiros dias da república era outro plágio. Além disso, muito do que era legado positivo do período imperial foi coberto por um arsenal de inverdades, como, por exemplo, as cores verde e amarela da bandeira – comissionados pela Imperatriz Leopoldina na confecção da bandeira imperial a Jean-Baptiste Debret, representando a junção das Casas Reais, Bragança (verde) e Habsburgo (amarela) – têm sido erroneamente ensinadas aos brasileiros como a representação das matas e do ouro Brasil. E o famoso Hino Nacional Brasileiro também veio do Império: composto em 1823 para comemorar a Proclamação da Independência, mais tarde se tornou o Hino da Coroação de Dom Pedro II. A república tampouco foi capaz de produzir heróis nacionais, como abundavam no período imperial. Talvez por isso, Ruy Barbosa, o grande ideólogo da república brasileira, em encontro com Dom Pedro II no exílio em Paris, profundamente arrependido pelo erro que cometera, afirmou: "Perdoe-me, Majestade. Eu não sabia que república era isso!"

Estabilidade política é um elemento essencial ao desenvolvimento político e social de um país. Embora muitos possam entender monarquias como antiquadas e anacrônicas, a realidade é que considerando os resultados obtidos pelas 43 monarquias existentes no mundo, o padrão de vida tende a ser melhor que nas repúblicas existentes. E a razão fundamental para tais resultados está na redução dos conflitos internos, maior proteção à propriedade privada e melhor distribuição de renda. Monarquias democráticas caracterizam-se pelo adágio: evolução sem revolução. Afinal, revoluções – e aquelas que o Brasil já teve comprovam – de fato, pouco melhoram, efetivamente, os resultados econômicos de um país. A instabilidade política tem um custo enorme. O Brasil ainda precisa dar-se conta do enorme custo que a instabilidade criada por golpes, contragolpes, impeachments e as ameaças ao sistema democrático, além da forma republicana de governo, tem-lhe custado.

O monarca, como Chefe de Estado, é parte desinteressada e isenta que pode, quando necessário, intervir em disputas na formação de governos e coalisões. Além disso, a atemporalidade e apartidarismo lhe permitem, em razão de sua posição como foco da identidade nacional, unidade e orgulho, criar um senso mais aprofundado de estabilidade e continuidade. Como o monarca não é resultado de uma eleição que dividiu o país, e sua legitimidade não deriva do voto, ele está acima dos embates políticos que tendem a ser daninhos muitas vezes. O monarca também atua como um constante conselheiro para um governo que representa os interesses de uma maioria da população em determinada época e situação.

O fator primordial, no entanto, é uma temperatura mais tépida nos embates políticos. Eleições presidenciais são caríssimas, disruptivas e polarizadoras. E, raramente, aquele que é eleito consegue unificar o país depois de um pleito eleitoral até porque a civilidade é, muitas vezes, abandonada no debate político e jamais recuperada. Poucos são os países que conseguem ter uma sobrevivência cordial entre ex-presidentes. Muitos, em alguns casos, pretendem, ainda, reiteradamente retornar à função, criando um caos político constante e instabilidade irreversível. Além disso, presidentes não têm com quem se aconselhar: ou têm opositores ou subalternos.

Mas é na moralidade pública que os regimes republicanos perdem ainda mais a sua legitimidade. Dom Pedro II foi um fator muito importante para a moralidade na vida pública brasileira. O seu famoso caderninho preto e seu lápis fatídico eram responsáveis por registrar os deslizes de indivíduos ocorridos na sociedade brasileira – maus tratos a escravos, abuso de poder ou comportamento impróprio etc. – que eram sempre monitorados e registrados. Qualquer registro no caderninho impediria avanço a promoções ou levaria à repreensão pelo Imperador, que era, sem dúvida, o grande baluarte moral da sociedade brasileira. A eficácia do método de Dom Pedro II era inigualável.

O sistema parlamentar, com voto distrital puro, numa monarquia constitucional laica, sem dúvida, constitui, comprovadamente, o melhor sistema político para maior desenvolvimento econômico e longevidade institucional, com o fortalecimento institucional de um país. A república se tem comprovado como uma solução inadequada para garantir a estabilidade nacional. Churchill, o maior estadista ocidental do século XX, reconheceu que a monarquia constitucional era um instrumento prático para autopreservação nacional contra todo grau de ditadura.

O adeus a Dom Luiz de Orleans e Bragança é um convite à reflexão sobre os rumos que o Brasil pretende tomar no futuro. Instável, como está, as perspectivas são ruins. O caderninho preto do Imperador faz muita falta.

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