Marcus Vinícius De Freitas Publicado em 17/08/2022, às 09h25
A década iniciada em 2020 tem sido o prenúncio das mudanças significativas que ocorrerão mundialmente nos próximos anos, à medida que ocorrem eventos que afetarão o rumo da humanidade e dos países como conhecemos atualmente. Novos tempos são sempre introduzidos por elementos de ruptura. A pandemia da Covid-19 e a Guerra da Ucrâniaconstituem elementos disruptivos do início deste novo capítulo na Ordem Mundial, com a prevalência do século asiático, particularmente da China no epicentro das grandes modificações.
O mundo vem experimentando transformações profundas. Para quem viveu na época do mundo bipolar, dividido entre Estados Unidos e União Soviética, viu o Muro de Berlimcair, e tem observado, nas últimas décadas, o domínio norte-americano sobre a agenda mundial declinar, esta nova fase da história é desafiadora porque altera parâmetros e perspectivas. Muitos saudosistas tentarão, por meio da discussão ideológica infindável, justificar e restaurar um pouco da retórica da Guerra Fria, dividindo o mundo entre os capitalistas e comunistas. Outros, com um discurso político mais atualizado, dividirão o mundo entre democracias e autocracias. O fato é que a bipolarização leva a uma visão escatológica da humanidade, divisiva e pouco reflexiva de um sistema global que reclama e demanda cooperação. Ao mantermos essa perspectiva dualística, pouco avançamos nas conquistas que a humanidade deveria alcançar, ao desconsideramos a diversidade de possibilidades e dos vários matizes políticos existentes, muitas vezes restritos por camisas de força.
O deslocamento do eixo econômico global do Atlânticopara o Pacífico apresenta um mundo de oportunidades e desafios, principalmente para os países em desenvolvimento. Novos motores de desenvolvimento, oriundos da revolução tecnológica, ampliarão as possibilidades e fronteiras do conhecimento e da interação global. É preciso compreender os próximos anos como uma década dourada de possibilidades a despeito de desafios que possam parecer intransponíveis.
O BRICS, como bloco de coordenação e atuação dos países emergentes, constitui uma oportunidade de desobstruir a agenda global, dominada pelo G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), cujo impacto e relevância tem diminuído substancialmente nos últimos anos em razão da inconsistência e incoerência das políticas adotadas. A ambiguidade dos países do G7 tem sido responsável por muitos dos desafios globais existentes. Do descumprimento da promessa de não expansão da OTAN no Leste Europeu a uma interpretação ambígua do Princípio de Uma Só China – eventos estes que aumentaram substancialmente a temperatura global – vemos um G7 que sente sua relevância reduzida na construção de uma nova ordem global.
Este novo período da agenda global deverá ser repleto de evoluções tecnológicas. O mundo que se avizinha ampliará a possibilidade de maiores transformações na sociedade, por meio da inteligência artificial, biotecnologia, big data e um oceano de novas oportunidades que transformarão a vida, com possibilidades cada vez maiores de enormes saltos no desenvolvimento humano.
Os mercados emergentes e em desenvolvimento, no momento, contribuem com cerca de 80% do crescimento da economia global e representam 40% da economia mundial. Apesar das turbulências do percurso, a ascensão coletiva do mundo em desenvolvimento é quase irreversível e deverá elevar substancialmente os níveis globais de desenvolvimento, implicando maior estabilidade política e social, com uma influência positiva sobre a consolidação da paz mundial.
O maior benefício da ascensão do BRICScomo bloco é o seu respectivo impacto sobre a governança global. A multipolaridade, de fato, requererá um esforço mais intenso e de negociação para alcançar objetivos. No entanto, essa construção mais democrática e ampla da comunidade internacional oferecerá aos países maior responsabilidade e voz, estimulando, a evolução do sistema internacional através de maior cooperação. O jogo de soma zero persistente nas últimas décadas, por mais positivo que tenha sido em algumas áreas do desenvolvimento, foi incapaz de resolver muitas das dificuldades que o mundo ainda enfrenta, causadas pela busca do interesse próprio às custas dos vizinhos.
O mundo está em transição. Profundas transformações e ajustes ocorrerão e a globalização – que alguns pretendem reduzir a velocidade com argumentos como regionalização da produção – poderá oferecer ainda mais benefícios que elevem o nível de prosperidade global, com desenvolvimento sustentável. O unilateralismo e o protecionismo, que, de fato, têm dado tantos golpes ao multilateralismo, deverão diluir-se à medida que a governança global ficar mais inclusiva e inovadora.
Esta nova ordem mundial, quanto mais aberta for, melhor será para a comunidade global. Os chineses afirmam: “A grandeza do mar resulta na sua capacidade de absorver as águas de todas as fontes.” A construção de uma ordem mundial mais inclusiva implicará uma realidade global aperfeiçoada. Ao absorver as contribuições de todas as fontes, o impacto positivo deste nivelamento aperfeiçoado de relacionamento tenderá a ser positivo.
O Brasil, que não pertence – e jamais será convidado a pertencer – ao G7, com o BRICS tem uma oportunidade histórica de, efetivamente, abandonar o seu status de “anão diplomático” para, de fato, ascender à posição e responsabilidade compatível à sua economia e relevância global. É interessante notar que foi a parceria com a China– tão criticada por determinados círculos políticos no País – e a Índia – que nesta semana celebra 75 anos de independência – que abriu novas oportunidades ao gigante sul-americano. A mudança da estrutura global atual de poder é positiva para o Brasil. Mas é fundamental abandonar a subserviência intelectual, econômica e política ainda persistentes e construir uma nova história nacional e global.
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