por Marcus Vinícius De Freitas
Publicado em 03/07/2024, às 06h00
Recentemente, em minha atividade como Professor Visitante da China Foreign Affairs University em Beijing, conversei com uma aluna a respeito das perspectivas profissionais e da inserção global da China e das oportunidades que o futuro lhe apresentava. Embora o crescimento chinês tenha decaído em razão da pandemia da Covid-19 e do impacto das guerras na Ucrânia e Gaza, o fato é que, recentemente, o governo chinês anunciou a retomada das atividades no setor fabril. A China, paulatinamente, recupera-se economicamente e volta à produtividade igual ou superior ao período pré-pandemia.
Está claro que o mundo de 2024 ainda está aquém daquele de 2019. Naquele ano, a China consolidava, com muita intensidade o seu processo de ascensão irreversível. Embora a ascensão continue irreversível, os passos se tornaram mais longos. Afinal, o modelo econômico chinês, baseado na exportação, enfrenta os desafios atinentes à crise global. Mas, paulatinamente, a China vai retomando o caminho e – como principal potência comercial mundial – o seu crescimento é fundamental para o desenvolvimento global. Quando a China cresce, o mundo inteiro cresce.
No entanto, este período de crescimento menor criou na juventude chinesa incertezas quanto ao seu futuro. Afinal, num país de 1.4 bilhão de pessoas, a concorrência intensa é a base primordial de melhores posições na sociedade e no processo de ascensão social. Ser jovem – não só na China como no mundo inteiro – é um grande desafio. As agruras do crescimento e da falta de conhecimento do futuro criam inseguranças numa sociedade extremamente competitiva. Ainda assim, no caso da juventude chinesa, estas incertezas parecem afligi-los de uma maneira menor do que aquela que observamos no Ocidente.
Não há dúvida de que uma das grandes conquistas da sociedade chinesa é a política de tolerância zero às drogas. Traumatizados pelas consequências do ópio no passado, que levou o país às duas Guerras do Ópio contra a Inglaterra e um período difícil da história chinesa conhecido como “Cem Anos de Humilhação”, a intolerância às drogas é uma política efetiva do Estado chinês. Em vários anos vivendo na China e viajando transversalmente pelo país, jamais senti o cheiro de maconha ou observei quaisquer pontos em que drogas fossem comercializadas. Diferentes de outras cidades pelo mundo que têm lugares onde as drogas proliferam, a China é um lugar limpo com relação aos tóxicos. A mão forte do governo também impede que, sob um falso argumento de “liberdade”, juízes ou outros entes paraestatais venham a abrandar a política de tolerância zero às drogas.
Com isto, embora os jovens chineses enfrentem problemas relativos à empregabilidade e ao seu futuro, não se vê a droga ceifando vidas e futuros como em outras partes do mundo. O tecido social da China assim se consolida como diferenciado com os seus pares ocidentais que, ao adotarem perspectivas mais liberais, sob o falso argumento da liberdade, condenam a juventude e as futuras gerações a uma situação de empobrecimento e redução de qualidade de vida e de perspectivas quanto ao futuro.
Um outro fator de esperança para os jovens chineses é a facilidade – ainda que com enorme concorrência em razão dos exames – de acesso à educação superior – sempre paga, mesmo quando estatal – para aprofundarem conhecimentos e buscarem melhores oportunidades profissionais. Neste período de relativas dúvidas quanto à economia, é impressionante a quantidade de jovens chineses que têm prosseguido na educação superior – mestrados e doutorados – na China e em outras partes do mundo no sentido de estarem melhor qualificados com o período turbulento da economia passar. Além disso, é hábito o jovem economizar dinheiro – mesmo da mesada dos pais – muitos chegando a 50% do que recebem – para o período pós-universidade. É comum que alunos tenham acumulado já alguns milhares de renminbis (moeda chinesa) para o início de suas jornadas profissionais. O compromisso com a educação – que também é um valor familiar – e a poupança para dias futuros – são valores característicos de uma juventude que, apesar de saber que a situação do país é estável, entendem que dias complicados sempre podem ocorrer.
O patriotismo é um fator importante observado entre os jovens. Isto não se deve à doutrinação partidária, como alguns poderiam alegar, mas a um respeito a uma cultura milenar a qual todos se sentem integrados e conectados. A China, para o jovem, é um arcabouço de tradições, sabedoria, cultura, culinária, costumes e valores, que criam no indivíduo o orgulho de pertencer não a um país mais a uma civilização. O peso da história é sentido toda vez que se conversa com um jovem chinês e ele traz à conversa algum evento histórico relacionado a uma dinastia do passado ou algum fato do momento político recente.
O culto aos mais idosos também é um elemento importante que forja a personalidade do jovem chinês. Como os pais trabalham, resta aos avós, aposentados aos 55 anos (se mulheres) e 60 (se homens) cuidar dos netos e transmitir-lhes os valores de uma cultura milenar e de respeito aos anciãos, mantendo-se um enorme culto reverencial ao passado. Na China, o etarismo – um fenômeno tipicamente ocidental – é reduzido em razão da apreciação que se tem pelos mais vividos e experientes. É interessante observar, nas portas das escolas primárias e secundárias, a enorme quantidade de avôs e avós, com suas bicicletas, carros e motocicletas recolhendo os netos ao final do período escolar. E os professores são valorizados como em nenhum outro lugar no mundo.
Enfim, não há dúvidas de que o jovem chinês tem perspectivas muito mais alvissareiras quanto ao seu futuro que um ocidental. O falso senso de liberdade que se alastrou no Ocidente – drogas, sexo livre, etarismo, desrespeito aos mais velhos, falta de patriotismo e ojeriza à competitividade – estão deteriorando o futuro de várias gerações. Isto não é liberdade. É uma enganação.
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