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Os excluídos e a Nova Ordem Mundial

N.O.M. - Imagem: Reprodução | Pinterest
N.O.M. - Imagem: Reprodução | Pinterest
Marcus Vinícius De Freitas

por Marcus Vinícius De Freitas

Publicado em 19/10/2022, às 09h45


Ao final de 1945, a ordem internacional parecia consolidada. A Europa saía devastada de uma guerra que, basicamente iniciada em 1914, com um intervalo entre 1919 e 1939, destruiu o continente e lhe condenou a anos de recuperação econômica e um posição secundária no xadrez global, atrelada aos Estados Unidos, que, a partir de 1945, tornaram-se o epicentro do sistema internacional.

A partir daí, os Estados Unidos consolidaram a sua posição global – apesar da resistência soviética – em quatro setores como potência: (i) militar; (ii) econômica; (iii) tecnológica, e (iv) democrática. Em cada um destes setores, o destaque norte-americano foi inegável. O país, que já vinha numa tendência positiva durante o século XIX, cresceu substancialmente como único capaz de atravessar as águas turbulentas da primeira metade do século XX. Além disso, os norte-americanos, por um benefício geográfico, tiveram no seu isolamento geográfico e a ausência de potências inimigas militarmente viáveis e próximas a possibilidade de florescerem, além da inteligência de construírem um sistema aberto de capitalismo, incentivo ao mérito e à competitividade. Ninguém poderá negar que os Estados Unidos lograram construir um modelo de desenvolvimento econômico próprio, que lhe permitiu avançar substancialmente na competição global.

A União Soviética, que pretendia oferecer um contraponto aos Estados Unidos, jamais se tornou de fato um concorrente. Seu sistema político representava uma força de desestímulo ao avanço econômico e não forjou uma sociedade moderna, economicamente forte e pujante. O modelo do mundo livre, adotado pelos Estados Unidos, sempre foi mais capaz de atrair os corações e mentes dos quatro cantos do mundo do que o sistema sisudo prevalecente em Moscou. Além disso, os norte-americanos, com muito talento e capacidade, construíram uma narrativa palatável globalmente, com o uso dos instrumentos de comunicação mais eficientes. Hollywood se transformou numa fábrica global de sonhos e de venda do padrão norte-americano de vida.

À medida que a Europa se recuperava, norte-americanos e europeus construíram uma ordem internacional que, em que pesem alguns valores mais universais que asseguram o desenvolvimento econômico global, como o fim do colonialismo característico dos séculos anteriores, o mundo logrou crescer e prosperar substancialmente. No entanto, ao mesmo tempo que esta ordem global permitiu uma evolução significativa, aos poucos ela foi-se transformando num clube fechado, impositivo, de uma retórica contraditória àquilo que apregoava. Neste processo, os países centrais criaram organizações multilaterais que não ampliaram a sua governança e impediram que novas potências tivessem, de fato, um assento efetivo à mesa. Um arranjo multilateral avesso a mudanças, por exemplo, tem sido o G7 – que reúne Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido – e tem sido avesso a uma ampliação efetiva naqueles que exercem uma função essencial na governança global. Países como África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia, ao estabelecerem um novo tipo de concerto, como o BRICS, propõem uma ordem internacional mais aberta. Como não poderia deixar de ser, este novo arranjo foi altamente criticado pelos países do G7, e, até mesmo no Brasil, por exemplo, a repercussão e a relevância do BRICS foi relegada a um segundo plano.

O fato é que a ordem internacional está em ebulição. O desenho institucional observado nas últimas décadas não é mais sustentável. Assim, o todo-poderoso G7 que conhecemos passará a ter influência menor no cenário global. Além disso, vemos países relegados a segundo plano na ordem internacional prevalecente, como a Argentina, Arábia Saudita, Turquia, dentre outros – os “have nots” da ordem internacional – encontram – e buscam nestes novos arranjos – uma contribuição mais relevante, inclusive com maior influência na mesa de negociação.

O fato é que, ao longo das últimas sete décadas, aqueles que ficaram do lado de fora do centro das decisões notaram que a possibilidade efetiva de ascensão e de maior relevância lhes foram negadas ou reduzidas. Os países do G7 abusaram do poder econômico que possuem, sancionaram frequentemente àqueles que, de alguma forma, se opuseram às suas regras, e, em momentos de crise econômica, foram pouco solidários. No cenário da Guerra Fria, em que havia uma disputa ideológica dividia o mundo em dois polos – capitalistas e comunistas – até fazia sentido manter-se próximo ao G7. Encerrada a Guerra Fria, embora a nomenclatura tenha sido alterada – mas mantendo a mesma mensagem – ao dividir o mundo em democracias e autocracias, o G7, atualmente, é uma sombra daquilo que já representou no passado.

É por esta razão que o Brasil – sempre excluído de uma efetiva participação nos fóruns de decisão global – deveria aproveitar a oportunidade representada pelo BRICSe pela ascensão econômica e política da China. Afinal, se esta alcançar uma renda per capita de US$ 20-25 mil em 2049 – quando a República Popular da China comemorará seu centésimo aniversário – as possibilidades econômicas do relacionamento bilateral são substanciais e extremamente disruptivas globalmente. Ao atingir esse patamar econômico, haverá uma demanda imensa de produtos, porque a China terá incluído grande parte de sua vasta população ao mercado consumidor global. Europa e Estados Unidos – envelhecidos e em declínio – não lograrão oferecer aos países que precisam avançar economicamente este tipo de oportunidade.

É por esta razão que, embora a política externa não faça parte do debate político eleitoral, não se pode jamais ignorar que as possibilidades de avanço econômico e efetiva influência na agenda global são oportunidades que não devem ser desprezadas. O Brasil pode deixar um “rule taker” e se transformar num “rule maker”. Para tanto, precisa compreender a mudança e o vento dos tempos para aproveitar as enormes potencialidades que o redesenho da ordem global poderá oferecer.

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