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Arte e educação

Portinari: exposição com obras inéditas chega a SP para celebrar 120 anos do artista

O Diário conversou com João Cândido Portinari, filho do pintor e poeta, sobre a mostra e o legado do pai

Cândido Portinari, um dos mais importantes e emblemáticos pintores do Brasil - Imagem: divulgação/Projeto Portinari
Cândido Portinari, um dos mais importantes e emblemáticos pintores do Brasil - Imagem: divulgação/Projeto Portinari

Mateus Omena Publicado em 03/04/2023, às 16h40


No dia 25 de março, desembarcou em São Paulo a mostra Candido Portinari – No círculo de luz". Na Asa do Sol”, na Galeria Frente, na zona oeste da capital.

Sob a curadoria de Jacob Klintowitz, a exposição reúne mais de noventa obras do grande artista brasileiro Cândido Portinari (1903 – 1962), apresentando pinturas de diversos estilos e temáticas, produzidas em diferentes momentos da história do Brasil na primeira metade do século XX.

Desenvolvido pelo Projeto Portinari, a mostra celebra também os 120 anos do artista plástico e poeta, nascido em uma fazenda de café na cidade de Brodowski, interior de São Paulo.

Filho de imigrantes italianos, Candido Portinari, é um dos artistas brasileiros mais importantes no cenário artístico no país. Seus trabalhos permanecem atuais, influenciaram gerações de pintores e contribuíram para a noção de ‘brasilidade’.

João Cândido Portinari

Em entrevista ao Diário de S.Paulo, João Cândido Portinari, filho do artista e fundador e Diretor-Geral do Projeto Portinari, explicou que há uma expectativa para o público se surpreender com a exposição, pois as obras nunca foram apresentadas antes e elas consistem em pinturas de diferentes estilos e técnicas que evidenciam a versatilidade do artista.

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Entrevista do Diário de S.Paulo com João Cândido Portinari - Imagem: reprodução/Zoom
São 110 obras originais, sendo que a maioria delas nunca foi exposta e outras dificilmente foram mostradas ao público. Eu me deparei com obras que, francamente, nunca tinha visto”, declarou. “Um grande atrativo é mostrar essa grande multiplicidade de ‘Portinaris’ que existem. Ali existem diversas técnicas e desenhos belíssimos, com uma visão singular do artista. Quando se olha para as obras de Portinari, há a impressão de estar vendo 100 artistas diferentes”.

Embora esse estilo pareça estranho para alguns espectadores, o pesquisador ressalta que esse era um dos diferenciais de seu pai. “Portinari era um experimentador incansável, porque ele tinha uma curiosidade infinita, sempre se renovando e buscando novas formas de expressão, técnicas e formatos”, declarou.

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"Cabeça de Menino com Chapéu" (1961), de Cândido Portinari - Imagem: Mateus Omena

Segundo João Cândido, as obras expostas na Galeria Frente foram posicionadas estratégicamente para mostrar a trajetória do artista e os momentos em que ele ingressou em novas experiências e estilos de sua época.

“Antes havia uma forte influência de Picasso, Goya e outros artistas espanhóis, italianos e ingleses. Ele chegou a um ponto em que ou afunda ou dá um salto. E assim surgiu a obra “Os Retirantes”, onde já não se nota mais a influência de Picasso”, detalhou.

De acordo com João, "essa ação de experimentar e tentar absorver é um tanto antropofágica, de absorver aqueles que se admira é uma forma de pular adiante". "A construção humana, tanto na ciência, quanto na arte, consiste em se apoiar tanto nos seus antecessores, para poder inovar e seguir em frente. E isso fica claro na mostra”, explicou.

O senso de fragmentação entre as obras da exposição, provocada pela diversidade de estilos e técnicas de vários períodos, evidencia um artista que desejava se reinventar a todo momento. Mesmo assim, João Cândido ressalta que, apesar dessa multiplicidade, Portinari continua sendo um só. Mas, deixou claro qual é a unidade entre as obras.

A unidade pode ser vista na emoção, no sentimento, na compaixão, de sentir a dor do outro, ou seja, empatia. Se solidarizar com aquele que está sofrendo, essa é a chave para entender Portinari. Toda a sua vida foi marcada pela luta em favor do despossuído, por aquele que é excluído, marginalizado e que não participa da vida nacional. E sempre solidário com os pobres e rejeitados pela sociedade”.

Segundo o pesquisador, esse propósito de denunciar a injustiça social é facilmente notado em pinturas como “Os Despejados” (1934) e nos painéis “Guerra e Paz” (1952-1956) - presenteados à sede da ONU, em Nova York, em 1956.

Ele defende que, por meio das imagens, a arte plástica exerce a função de transmitir valores de solidariedade e respeito pela vida. Assim como as poesias escritas pelo artista - muitas delas pouco conhecidas.

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Painel "Guerra e Paz", de Cândido Portinari, exibido na sede da ONU, em Nova York (EUA) - Imagem: divulgação/ONU

Legado

Falecido em 1962, Portinarié considerado um dos maiores pintores brasileiros de todos os tempos, sendo um dos poucos artistas nacionais a alcançar grande projeção internacional. Além de ter influenciado as gerações seguintes.

Para João Cândido, o legado de seu pai permanece vivo graças à força de suas obras e pelas mensagens humanas que carregam. “Ele é bastante lembrado pelos desenhos, pinturas e gravuras. Mas também há um valor ético e humanista dentro desses trabalhos, que se tornaram universais”.

Além desse aspecto que ainda o torna contemporâneo, ele é conhecido por ser o pintor que melhor representou o Brasil. O pesquisador detalha que em várias pinturas nota-se traços do folclore brasileiro, da relação do homem com a natureza, as culturas regionais e a valorização das florestas, como símbolo nacional.

A trajetória dele teve uma saída do regional para o universal. Nas pinturas, ele representa o que ele está vendo ao redor dele, de início os pequenos povoados que ele conheceu no interior de São Paulo. E aos poucos, ele foi se universalizando, como pode ser visto em ‘Os Retirantes’, que mostra o sofrimento de uma mãe nordestina, semelhante à dor de uma mãe com o filho morto em ‘Guerra e Paz’”.

E acrescentou: “Outro fator importante quando se fala de Portinari é a forte relação do artista com seus companheiros de geração. Porque ele trouxe para a arte, as principais preocupações de sua época, os receios em relação à cultura, à sociedade e à política. Assim como os debates sobre o Brasil e o mundo com grandes nomes como Mário de Andrade, Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade, com os quais ele convivia bastante. São esses elementos que deixam Portinari cada vez mais presente em nossas vidas”.

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Quadro "Paisagem de Petrópolis", de Cândido Portinari, exposto na Galeria Frente - Imagem: Mateus Omena

Diante disso, o pesquisador declara que a arte não apenas constrói o senso de realidade, como também age como uma antena para o futuro. “A arte é o espelho da humanidade. Ela mostra o que está acontecendo e o que está por vir, por uma experiência visual e impactante. Ela não se limita ao passado, pois também nos prepara o futuro”.

Eu me recordo de uma frase que ele [Cândido Portinari] disse: 'A pintura que não fala ao coração não é arte, porque só ele a entende. Só o coração poderá nos tornar melhores e é essa a função da arte'".

Espanto com o Brasil

Pela preocupação de seu pai com as questões políticas e sociais de seu período, João Cândido aponta que a arte estimula a memória, que, por sua vez, se liga à cidadania.

Ele cita a obra “Os Retirantes”, como um exemplo das mazelas sociais do país que ainda não foram superadas e que estimulam as pessoas a refletirem sobre o presente e pensarem, de modo coletivo, em suas responsabilidades.

“Não dá para ignorar o passado. Para construir uma nação, é necessário que isso seja feito em cima de uma herança coletiva. A obra teve um significado especial para meu pai porque foi uma cena vista por ele, em Brodowski, onde ele nasceu e que era caminho para muitos retirantes. Para ele, era impossível deixar de fixar nas telas, aquilo que fez parte de sua infância e do desejo de melhorar a vida daqueles que trabalhavam naquelas terras”.

Ao longo da entrevista, João Cândido imaginou como seu pai interpretaria o Brasil da atualidade, com tantos problemas políticos e socioeconômicos.

Eu acho que ele lidaria com o país da mesma forma que sempre fez, porque poucas coisas mudaram desde o tempo em que era vivo. Embora ele tenha se envolvido na política, eu acho que ele estaria apenas pintando, como sempre pintou. Denunciando as barbaridades desse modo, em particular as que aconteceram no Brasil nestes últimos anos. Mas, também estaria correndo perigo”.

A mostra

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"A Roda Infantil" (1932), Cândido Portinari - Imagem: divulgação/Projeto Portinari

A exposição traz uma seleção de criações, algumas nunca antes exibidas, e outras que participaram de exposições no mundo todo, além de estudos dos painéis do Palácio Gustavo Capanema no Rio de Janeiro e outros que foram feitos para o gigantesco painel “Guerra e Paz” que está na ONU, em Nova York.

Segundo o curador Jacob Klintowitz, a escolha das obras para essa mostra foi baseada em dois pontos principais: “O primeiro é a qualidade estética, formal, significativa do ponto de vista da linguagem e do ponto de vista social. O pioneirismo histórico na representação do negro e do mulato na vida do país”.

E completou: “O segundo ponto, sem esquecer o cuidado formal, é a importância da obra no percurso do artista, o que ela representa de marco no desenvolvimento do seu trabalho e, também, o que ela representa na história social do país, com a interpretação de acontecimentos importantes. Não podemos esquecer que Portinari refez a interpretação visual da história pátria.”

Os visitantes podem conferir pinturas, que segundo Klintowitz, que surpreendem a todos os gostos, como a tela ‘Menino’, que chama a atenção por seus contrastes cromáticos sinfônicos. Além de uma figuração de primeiro plano que dialoga com o fundo, de natureza vertical.

Assim como obras mais lúdicas e que brincam com a imaginação e o afeto, como “Menina com cavalos” (1957) e "Roda Infantil" (1932).

Serviço

“Candido Portinari - No Círculo de Luz. Na Asa do Sol”

Local: Galeria Frente.
Endereço: R. Dr. Melo Alves, 400, Cerqueira César.
Período: de 25 de março até 6 de maio.
Horário: das 10h às 18h.
Entrada: gratuita.

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