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Ódio e medo nas eleições

Por Marcus Vinicius de Freitas*

Ódio e medo nas eleições
Ódio e medo nas eleições

Redação Publicado em 27/04/2022, às 00h00 - Atualizado às 12h23


Por Marcus Vinicius de Freitas*

Ódio e medo nas eleições

A reeleição de Emannuel Macron oferece importantes lições quanto àquilo que poderá ocorrer nas eleições presidenciais no Brasil. A vitória de Macron contou, efetivamente,  com apenas quarenta porcento do voto popular. Deste montante, cerca de quize porcento votaram em Macron em repúdio à extremista Marine Le Pen.

Os resultados foram preocupantes para Macron: a abstenção de eleitores chegou ao número recorde de 28%, com um número substancial de votos brancos e nulos. Para aqueles que optaram por votar em branco ou nulo, 49% afirmaram recusar-se a escolher entre dois péssimos candidatos, 25% estavam cansados de votar num candidato para impedir a vitória do outro, e 20% afirmaram que nenhum dos candidatos representava suas perspectivas e esperanças. Esta é, sem dúvida, uma peculiaridade dos sistemas eleitorais em países que têm dois turnos: no primeiro turno, o eleitor escolhe quem gostaria de ver eleito; no segundo, o eleitor elimina a opção que não lhe interessa.

A principal característica das duas últimas eleições francesas tem sido a polarização entre Macron e Le Pen. Apesar de se situarem à direita do espectro político, com a esquerda francesa incapaz de crescer nos últimos ciclos eleitorais, o eleitor rejeitou o extremismo de Le Pen, apesar das diversas mudanças por ela realizadas em sua plataforma. A eleição polarizada foi um confronto entre dois tristes sentimentos humanos: o ódio e o medo. A pergunta que o eleitor se fez diante na urna era: eu odeio mais a Macron pelo que ele fez ou deixou de fazer ou tenho mais medo de Le Pen e o que ela representa? Pelo resultado eleitoral, o medo do extremismo de Le Pen prevaleceu no pensamento coletivo e levou à reeleição histórica do atual ocupante do Palácio do Eliseu, a residência oficial do Presidente da República Francesa. Macron logou ser o primeiro presidente francês a ser reeleito em duas décadas de tentativas frustradas de seus antecessores para permanecer no poder. Muito de sua reeleição se deveu não ao brilhantismo de sua administração mas ao medo que o retrocesso de Le Pen poderia representar.

Além disso, o sistema eleitoral francês revelou um dos grandes desafios da democracia ocidental: a falta de renovação de quadros efetivamente competitivos para as eleições. A repetição de nomes e lideranças não estimula a inovação nas ideias para as soluções e demandas do país. A inexistência uma terceira opção viável eleitoralmente condena o eleitor a selecionar o que não quer.

Foi por essa razão que o discurso de Macron, no dia da vitória, também apresentava uma clara melancolia. Macron sabia que Marine Le Pen havia sido sua maior eleitora. Sem ela e o radicalismo por ela representado, o destino eleitoral dele teria sido diferente e se teria tornado mais um presidente não reeleito na França.

A polarização política é, sem dúvida, o câncer da modernidade. Com a mídia social e outros vetores de expressão de opinião, as sociedades têm tido a oportunidade ímpar de manifestar-se e expressar suas perspectivas quanto aos mais variados assuntos. A retórica inflamada, no entanto, elimina a racionalidade da argumentação e, de fato, prejudica a qualidade do debate. Acrescente-se a isso a falta de conhecimento efetivo sobre os assuntos, o que leva a conclusões precipitadas sobre a diversidade de pormenores que sempre permeiam qualquer questão. Winston Churchill, com seu sarcasmo e humor característicos, costumava afirmar que “o melhor argumento contra a democracia é uma conversa de cinco minutos com um eleitor mediano.” Isto se deve ao fato de que, ignorante quanto à complexidade dos fatos, o eleitor pode ser facilmente manipulado ao erro. Talvez por esta razão que Margaret Thatcher, a Dama de Ferro da Grã-Bretanha, se opusesse a referendos, ao reconhecer que tal mecanismo era um artifício de ditadores e demagogos, justamente sob o manto da conveniência política e do majoritarismo.

Ainda não sabemos por quanto tempo essa polarização política observada no mundo persistirá. Talvez seja o novo normal resultante das mídias sociais e da possibilidade de troca de informação com uma rapidez cada vez maior. Muitos entendem – sob o manto de controlar as “fake news” – que talvez uma restrição maior à liberdade de expressão pudesse ser o caminho para alterar este cenário. Neste caso, é importante ressaltar que tentar curar a polarização com a regulamentação da liberdade de expressão e de imprensa é como tentar curar um cancro com massagem.

A realidade é que, enquanto formos obrigados a escolher o mal menor numa eleição, a democracia corre perigo. O ciclo eleitoral deveria sempre representar uma renovação de esperanças. Afinal, ao depositar o voto, o eleitor hipoteca os próximos anos de sua existência a um grupo dirigente que poderá alterar – positiva ou negativamente – sua existência, família, emprego, sonhos e oportunidades. O binômio ódio versus medo não é sadio para uma sociedade.

Estas são algumas das lições importantes que as eleições francesas têm a ensinar o Brasil. Quem é eleito sob o manto do ódio ou do medo jamais terá efetiva legitimidade para trazer maiores esperanças ao futuro de uma nação.

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*Marcus Vinicius De Freitas
Professor Visitante, China Foreign Affairs University
Senior Fellow, Policy Center for the New South
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