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REVOLUCIONÁRIO

Médico brasileiro vai para Harvard ensinar nova técnica para o tratamento do câncer de próstata

O Dr. Carneiro promete um tratamento minimamente invasivo, no qual não tem cortes e ou punções

Dr. Ariê Carneiro (à esquerda) ao lado do Prof. Aria Olumni (à direita), chefe do departamento de urologia do Beth Israel Deaconess Medical Center. - Imagem: Arquivo Pessoal
Dr. Ariê Carneiro (à esquerda) ao lado do Prof. Aria Olumni (à direita), chefe do departamento de urologia do Beth Israel Deaconess Medical Center. - Imagem: Arquivo Pessoal

Marina Roveda Publicado em 26/08/2022, às 07h45


O médico urologista Dr. Ariê Carneiro, foi para Harvard, como professor convidado, para ensinar e treinar a equipe de urologia do Beth Israel Deaconess Medical Center, hospital de ensino da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard nos Estados Unidos (EUA); para implementação do programa de um novo tratamento minimamente invasivo do câncer de próstata. O tratamento promete ser uma nova opção com melhor taxa de preservação da função erétil e continência urinária.

Em julho de 2022, o Dr. Ariê foi a Boston, nos Estados Unidos, onde permaneceu durante uma semana, realizando treinamento da equipe e atuando como instrutor do primeiro procedimento de Terapia Focal do câncer de próstata, utilizando uma tecnologia minimamente invasiva, o “High Intensity Focused Ultrasound” (HIFU).

No Brasil, o doutor Carneiro é coordenador do programa de terapia focal do câncer de próstata com HIFU, no Hospital Albert Einstein (São Paulo-SP), onde nos concedeu uma entrevista, explicando um pouco mais sobre essa modalidade de tratamento e sua experiência em Harvard.

DSP- Dr. Ariê, como é realizado o tratamento focal do câncer de próstata com HIFU? É possível ser tratado aqui no Brasil?

Dr. Ariê - Trata-se de um tratamento minimamente invasivo, no qual não tem cortes e nem punções. Ele é realizado através de um ultrassom transretal, que emite ondas de som de alta intensidade, permitindo, com precisão, destruir as células neoplásicas localizadas na próstata. Nesse tratamento, preservamos a área da próstata que não tem comprometimento pelo tumor; por isso é chamada de terapia focal. O procedimento é realizado sob anestesia e o paciente pode ir para casa no mesmo dia.

No Brasil já é possível realizar o procedimento, mas em apenas poucos centros. No Hospital Abert Einstein em São Paulo, onde coordeno o programa desde 2018, realizamos o procedimento. Atualmente, também lideramos um protocolo de pesquisa que inclui outros centros nacionais e internacionais, no qual estamos analisando novas abordagens e desenvolvendo melhoria da técnica para otimização dos resultados.

DSP-  Quais são as vantagens e limitações deste tipo de tratamento?

Dr. Ariê - Por tratar-se de um procedimento pouco invasivo e ambulatorial, o paciente pode retornar precocemente as suas atividades rotineiras. Além disso, como realizamos o tratamento apenas da parte da próstata comprometida pelo câncer, preservando o resto do tecido sadio, permite uma maior taxa de preservação da função erétil e da continência urinária. O tratamento possui algumas limitações que valem ser destacadas. O procedimento só pode ser utilizado para casos iniciais, daí a importância do exame anual da próstata e o diagnóstico precoce, bem como o paciente deve permanecer motivado a manter um acompanhamento urológico, pois ainda permanecerá com o restante da próstata.

DSP- Como foi essa experiência de estar em Harvard como professor?

Dr. Ariê - Certamente foi o momento mais especial da minha carreira. Em 2014, realizei parte do meu doutorado em Harvard, onde pude ter contato com as grandes referências mundiais no tratamento do câncer urológico que muito me inspiraram.

Em 2018 o  equipamento para o tratamento de câncer de próstata com HIFU foi aprovado pelo FDA (órgão regulamentador da saúde dos Estados Unidos, semelhante a ANVISA no Brasil), no entanto, devido a pandemia houve um retardo na incorporação da tecnologia, naquele país. Quando os americanos começaram a comprar, nós já tínhamos, aqui no Brasil, uma das maiores experiências mundiais com a utilização do equipamento. Com isso, fomos convidados a ajudar na implementação do programa e treinamento da equipe nas Universidades de Chicago, Irvine da Califórnia, de Miami e, agora, a de Harvard.

Nós já tínhamos ido para os Estados Unidos, Europa e diferentes países da América Latina em eventos científicos e congressos para dar aulas ou palestras, mas a oportunidade de ir como professor convidado, como instrutor de procedimento cirúrgico foi algo muito honroso, inédito e especial.

Jamais imaginei, vindo de um país ainda em desenvolvimento, poder ir aos Estados Unidos e, em especial, à Universidade de Harvard, ensinar uma nova tecnologia e uma nova técnica que poderá beneficiar muitos pacientes. Me senti honrado em representar o Brasil nessa empreitada.

DSP - Quando foi que o senhor teve contato com essa nova tecnologia?

Dr. Ariê - Quando morei em Paris (França), para minha especialização em cirurgia robótica, tive o primeiro contato com essa tecnologia Naquele momento, o programa ainda estava em fase inicial da implementação do FOCAL ONE, nova tecnologia produzida por uma empresa francesa chamada EDAP. Durante esse período, pude acompanhar diversos procedimentos e o treinamento da equipe.

Na ocasião, achamos simplesmente fascinante o fato de poder curar o paciente de um câncer de próstata sem ter que fazer algo invasivo ,e com menor impacto na qualidade de vida. Ou seja, com maior chance de preservar a potência sexual e continência urinária, além de uma recuperação mais precoce do paciente. Desde então não parei de estudar essa modalidade de tratamento.

No mesmo ano de  2018, o Hospital Albert Einstein adquiriu o equipamento e passamos a desenvolver o programa de terapia focal do câncer de próstata utilizando o HIFU. Antes de iniciar nosso programa, tive que realizar uma reciclagem e diversos treinamentos na França, Alemanha e Chile.

DSP- Quais são as perspectivas futuras para os pacientes brasileiros terem acesso a este tratamento?

Dr. Ariê - No momento, ainda enfrentamos muitos desafios. O procedimento aqui no Brasil só pode ser realizado dentro de protocolos de estudo, como o que temos no Hospital Albert Einstein. Por tratar-se de uma tecnologia nova, ainda é um tema muito discutido. No entanto, neste ano a Associação Americana de Urologia já passou a recomendar o procedimento como primeira linha para tratamento primário de casos selecionados de câncer de próstata, e já recomenda como primeira opção de tratamento para casos de pacientes com recorrência do tumor, após ter sido tratado com radioterapia. A Sociedade Brasileira de Urologia já está trabalhando junto ao conselho federal de medicina e esperamos que, em breve, possamos oferecer esse tratamento em todas as partes do país.

DSP- Qual mensagem final você gostaria de dar a população sobre o câncer de próstata?

Dr. Ariê - O câncer de próstata é muito frequente. Um a cada seis homens terá a doença. No entanto, é importante destacar que quanto mais precoce for o diagnóstico, mais fácil será o tratamento; com maior chance de cura e preservação da potência sexual e da continência. Atualmente, a medicinaevoluiu muito nessa área. Hoje, já podemos oferecer em larga escala a cirurgia robótica, considerada, atualmente, como a principal ferramenta para o tratamento da doença. A cirurgia robótica está bem estabelecida e com resultados excelentes, quando o procedimento é realizado por equipe experiente.

Sobre o entrevistado: 

Dr. Ariê Carneiro, urologista, é Prof. Doutor, pela FMABC; Pós-graduado pela Harvard Medical School (Boston – EUA) e Institut Montsouris / Universite Paris Descartes (Paris – França); Uro-oncologista do Hospital Albert Einstein e HCOR; Coordenador do programa de pós-graduação em cirurgia robótica e do programa de HIFU do Hospital Albert Einstein.

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