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China e Brasil: Novos Tempos?

Imagem China e Brasil: Novos Tempos?

Redação Publicado em 15/06/2022, às 00h00 - Atualizado às 08h16


Ao nos aproximarmos mais de uma eleição presidencial, com um novo governo ou a manutenção do atual, o fiasco da Cúpula das Américas, realizada em Los Angeles, deveria apresentar uma sinalização quanto à efetiva capacidade de o governo Joe Biden assumir um maior protagonismo na América Latina. A preocupação efetiva da reunião – esvaziada pela ausência de alguns países – era a questão migratória, com o governo norte-americano preocupado com o crescente movimento migratório, resultante da deterioração econômica da América Latina pós-pandemia e o nível crescente de inflação.

O fato é – e isto ficou claro – que o arsenal de medidas disponíveis aos Estados Unidos para retomarem a sua função de protagonista no hemisfério ocidental é reduzido, particularmente quanto comparado àquilo que a China tem feito e representado em novas oportunidades de crescimento econômico e menor intervencionismo político.

Em razão disso, um novo governo no Brasil deveria aproveitar o momento para redefinir os termos do relacionamento com a China e assim explorar novas oportunidades de interação, cooperação e conectividade, com particular fortalecimento do BRICS para redesenho da governança global. Neste sentido, algumas políticas deveriam ser estabelecidas.

Considerando o tamanho da economia chinesa – a maior do mundo em termos de paridade do poder de compra – Brasil e China deveriam aperfeiçoar a conectividade de suas economias, por meio de um tratado de livre comércio que facilite o fluxo internacional de bens e serviços, com particular ênfase nas cadeias globais de suprimento e na melhoria de qualidade da infraestrutura brasileira. Com a China, o Brasil poderia protagonizar uma importante parceria Sul-Sul no sentido de tornar o Brasil um importante parceiro da Revolução Industrial 4.0 em curso no país asiático nas últimas quatro décadas. Além disso, investimentos cruzados, de maior valor agregado, deveriam ocorrer no Brasil, principalmente no caso de bens exportáveis à China e ao remanescente do continente asiático.

O Brasil também se beneficiaria muito se, nos termos de um acordo de livre comércio, houvesse abertura para maiores investimentos chineses – ou mesmo a contratação flexibilizada de empresas chinesas – para a construção da infraestrutura que o Brasil precisa urgentemente para movimentar suas exportações e incrementar sua renda per capita.

Aqui cabe uma nota importante na questão agropecuária, que é a principal vantagem competitiva do Brasil. Observam-se, atualmente, duas movimentações contrárias à agropecuária brasileira: a redução no consumo de carne, em razão de mudança na dieta individual, preocupação com o cuidado dos animais e a redução de emissão de metano; e a preferência por alimentos mais saudáveis e próximos ao consumidor (conhecido como “farm to table”), além da rejeição aos alimentos geneticamente modificados ou sujeitos a agrotóxicos de uso restrito. Embora possam parecer distantes, o ativismo global de determinados grupos pode alterar o cenário rapidamente. A recente iniciativa neozelandesa de tributar pecuaristas pela emissão de metano deveria acender uma luz vermelha de preocupação, posto que poderá transformar-se numa tendência global.

Embora politicamente distantes, Brasil e China compartilham valores semelhantes na ordem internacional: ambos têm um perfil favorável ao multilateralismo, apoiam a Organização das Nações Unidas (ONU) e o sistema ONU, além de propugnarem por uma alteração profunda na atual estrutura de governança global, que – ressalte-se – representa, ainda, a realidade pós Segunda Guerra Mundial, que é incompatível no atual momento global. Brasil e China, como “global traders”, são contrários ao intervencionismo e refratários às imposições e medidas impostas por Washington e Bruxelas, que visam ampliar protecionismos ou redução da competitividade com amarras institucionais. Como concebida a ordem global atual, Brasil e China serão sempre perdedores.

A cooperação militar também deveria ser aperfeiçoada. Os chineses admiram países que possuem Forças Armadas capazes de defenderem e protegerem seus cidadãos. Com a incursão chinesa no espaço e as novas evoluções na guerra cibernética e drones, a cooperação militar entre ambos os países poderia abrir novas possibilidades de trocas de boas práticas e aperfeiçoamento dos equipamentos militares.

Por fim, a cooperação educacional poderia ser proveitosa a ambos os países com maior intercâmbio de estudantes, acadêmicos e pesquisadores. A questão da melhoria substancial da China na educação, com elevada competitividade, conforme comprovada nos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), a maior inclusão social e a remoção de milhões de indivíduos da pobreza na China nas últimas décadas constituem casos interessantíssimos cuja aplicabilidade poderia ser adaptada, quando possível, às condições brasileiras.

Para tanto, é preciso abandonar as lentes ideológicas e buscar no pragmatismo as diretrizes de uma revigorada relação diplomática. O pragmatismo deve ser a bússola condutora do relacionamento bilateral. Como bem afirmou Deng Xiaoping, “não importa se o gato é branco ou preto; se ele caça ratos, é um bom gato. Que o futuro governo possa compreender o atual momento global, desconstruir barreiras e solidificar um relacionamento bilateral pragmático entre Brasil e China.

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