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A Reforma da Previdência e a moral de César

Por Amilton Augusto*

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Redação Publicado em 22/11/2021, às 00h00 - Atualizado às 06h02


Por Amilton Augusto*

A Reforma da Previdência e a moral de César

Após as principais consequências da Reforma da Previdência começarem a mostrar sua verdadeira e nefasta face, justamente pelo maior impacto na vida daqueles que possuem menor poder aquisitivo, em especial no âmbito do serviço público, em nível nacional, muitas fake news circulam no sentido de imputar aos governadores e assembleias legislativas, assim como aos prefeitos e Câmaras municipais a responsabilidade por todo esse cenário.

Fato é que, cabe uma explicação acerca das responsabilidades de cada qual, dentro de uma análise das competências legislativas expressamente previstas na Constituição da República que, traz em seu artigo 24 a competência concorrente dos Entes da Federação, ou seja, a competência para legislar de modo concorrente entre União, Estados e Municípios, trazendo no seu inciso XII essa competência para tratar de temas relacionados a Previdência Social, não fazendo qualquer ressalva quanto a previdência privada ou pública.

O texto da Constituição é claro em afirmar o seguinte:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[…]

XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;

Como se vê e como já afirmado, a competência legislativa para tratar de temas relacionados à previdência social é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal e os Municípios (embora esse último não conste expressamente desse dispositivo, mas sim no art. 29 da mesma norma), sendo essa competência concorrente uma competência que deixa a cargo da União a competência para estipular as regras gerais, ficando a cargo dos Estados e Municípios, tão somente, regulamentar tais regramentos, só cabendo a esses Entes elaborar a norma de maneira independente, no caso de não haver previsão geral, senão vejamos:

Art. 24. […]

[…]

  • 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
  • 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
  • 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
  • 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Nesse sentido, cumpre destacar que a Reforma Previdenciária discutida e aprovada no seio das Assembleias Legislativas, bem como das Câmaras Municipais, são, por certo, frutos de regulamentação do que fora proposto, como norma geral, pelo então Governo Federal, aprovada no Congresso Nacional no ano de 2019.

Como é cediço, o Governo Federal apresentou ao Congresso Nacional, em fevereiro de 2019, através do Ministro da Economia, Paulo Guedes, a PE (Proposta de Emenda à Constituição) da Reforma da Previdência, ao argumento da necessidade premente de mexer no modelo existente, uma vez que o crescimento das despesas previdenciárias e o envelhecimento da população levariam o Brasil ao colapso das suas contas.

Em julho de 2019 os destaques a PEC foram votadas em Plenário, cujas mudanças, por certo, não foram debatidas com quem realmente interessava, grande parte da população de renda mais baixa e os servidores públicos das carreiras mais simples do funcionalismo público, em especial professores, as carreiras da saúde (com exceção dos médicos) e os policiais militares de baixa patente.

Em regra, no âmbito do funcionalismo públicos, as mudanças se deram no percentual da alíquota de incidência, na idade mínima para aposentadoria, assim como no tempo de contribuição e no tempo exigido no cargo e no serviço público, o que, segundo consta de alguns estudos, aumentou em cerca de 10 anos o tempo para aposentadoria desses servidores, uma vez que, como já ficou decidido pelo STF há tempos, “não há direito adquirido a regime jurídico previdenciário”, ou seja, aqueles que já estão na carreira são impactados do mesmo modo que aqueles que irão ingressar no futuro.

O mesmo fato se deu com os aposentados da iniciativa privada há anos passados, quando se decidiu pela imposição covarde do fator previdenciário, retirando parte da aposentadoria daqueles que contribuíam para o INSS à época, o que fez com que a aposentadoria, ao final, para muitos dos que contribuíram no teto acabassem por receber cerca de 60% do valor a que faziam jus antes da aprovação dessa regra. Parece que aqui o mesmo está se repetindo.

Só para conhecimento, as mudanças mais acentuadas quanto a idade e tempo de contribuição no serviço público passaram a exigir o seguinte para que possam aposentar: a) para mulheres: 62 anos de idade, 25 anos de contribuição e 10 anos de serviço com 5 anos pelo menos no mesma cargo; b) para homens: 65 anos de idade, 25 anos de contribuição e 10 anos no serviço com pelo menos 5 anos no mesmo cargo, sem contar o aumento da alíquota incidente sobre a contribuição e passou a onerar, especialmente os servidores de classe mais baixa, fazendo maior desconto naqueles que ganham menos, especialmente entre professores e praças militares que ganham até cerca de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

E não é só, além de, como sempre, em toda dita Reforma Previdenciária, onerar mais, gerando maior desconto daqueles que ganham menos, o desconto passou a incidir também sobre pensionistas, o que demonstra claramente se tratar de uma medida que vai contra aqueles que realmente fazem funcionar toda máquina estatal, especialmente nas carreiras e ensino, saúde básica e segurança pública, que são os verdadeiros alicerces do Estado brasileiro.

Em todo esse cenário, uma verdade precisa ser dita, a que a Reforma Previdenciária, embora saibamos que é uma necessidade para o Brasil seguir em frente, com as contas públicas em dia, não foi feita como deveria e mais uma vez privilegiou quem não precisa em detrimento daqueles mais necessitados e que precisavam, em sentido contrário, serem mais valorizados

Desse modo, fugindo de toda fake news que se apresenta por aí, essa responsabilidade nefasta não pode ser imputada a governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores, mas, tão somente, ao Governo Federal e ao Congresso Nacional, a quem compete, como já afirmado, a inciativa legislativa de apresentar as regras gerais da Previdência Social, portanto devemos dar a César o que lhe cabe, que é a responsabilidade pelas consequências de seus atos.

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AMILTON AUGUSTO
Advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com a ALESP da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro fundador e Diretor Jurídico do Instituto Política Viva. Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018).  Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020).  Palestrante e consultor. E-mail: [email protected].
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