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Segurança Pública

EXCLUSIVO: Vice-governador lança projeto para acabar com a cracolândia

O "Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas" foi lançado na terça-feira (11), no centro da capital

Vice-governador Felício Ramuth (PSD) - Imagem: divulgação/PSD
Vice-governador Felício Ramuth (PSD) - Imagem: divulgação/PSD

Mateus Omena Publicado em 14/04/2023, às 12h18


A Prefeitura de São Paulo firmou uma parceria com o Governo do Estado para lançar um novo equipamento para atendimento conjunto de dependentes químicos no centro da capital.

Batizado de “Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas”, o projeto passa a funcionar no bairro do Bom Retiro e pretende ampliar as ações do antigo Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod).

O lançamento da iniciativa ocorreu na última terça-feira (11), em um evento para inauguração do serviço que contou com a presença do prefeito Ricardo Nunes (MDB), do vice-governador Felício Ramuth (PSD) e outros políticos engajados no combate às drogas e no suporte aos dependentes químicos.

Em entrevista exclusiva ao Diário de S.Paulo, o vice-governador Felício Ramuth se mostrou preocupado com o cenário da segurança pública, especialmente no centro da capital paulista, que foi palco, nas últimas semanas, de episódios de roubos e ataques protagonizados por dependentes químicos. Além do aumento dos locais onde ocorrem cenas de uso de drogas.

Como o Hub vai funcionar?

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Vice-governador FelícioRamuth (PSD) e prefeito de São Paulo Ricardo Nunes (MDB) no lançamento do Hub - Imagem: reprodução/Governo de SP

Diante dessa situação, o Hub foi lançado para otimizar os trabalhos da Prefeitura e do Governo do Estado, em uma operação conjunta para libertar muitas pessoas da dependência química, combater o crime na região e restabelecer a segurança.

“O Hub chega para somar esforços no sentido de dar total atendimento a esse público e trabalharmos juntos [Prefeitura] para solucionar essa questão”, começou o vice-governador.

O Hub consiste em uma porta de entrada dos usuários que procuram ajuda para tratamento no Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (Caps AD) da Prefeitura de São Paulo.

Segundo Ramuth, o acesso ao serviço será realizado por busca ativa com profissionais especializados em dependência química nas abordagens e escutas qualificadas, procura espontânea ou por meio de organizações sociais e ou missionárias.

“O que vimos nos últimos anos é uma falta de integração entre todos os órgãos da prefeitura e do estado, junto com as ONGs e igrejas. E era preciso colocar todos no mesmo barco e esse é o Hub”, explicou.

Ali é uma porta de entrada onde vamos usar todas as estruturas da prefeitura e do estado para dar um encaminhamento para aquela pessoa que for abordada, inclusive pelas equipes do hub, que trabalham com abordagem qualificada, algo que não existia até então”.

O vice-governador pontuou que o Hub também vai focar em um acompanhamento direto da linha de cuidados do público-alvo, para medir o resultado das ações. Com esses dados, será mais fácil criar estratégias assertivas para a eficiência do tratamento e recuperação dos indivíduos.

“Não existe gestão sem informação. Tudo será gerido de forma integrada desde a porta de entrada até a saída, que vai oferecer dignidade e oportunidade para as pessoas acolhidas”, reforçou.

Mesmo assim, o vice-governador não deixou de lado os desafios para que o projeto e outras ações em curso funcionem bem e atendam as expectativas dos cidadãos em relação à segurança pública. Segundo, o novo esforço consiste também em preencher lacunas deixadas pelas gestões anteriores do Estado e Prefeitura.

“Em primeiro lugar, havia uma grande dificuldade nos processos anteriores, porque carecemos de informação. Não existem dados qualificados para entender bem o cenário. Para esse esforço atual, contamos com apoio de diversos especialistas, grupos e entidades, médicos e podemos compreender que combater as drogas por meio de serviços desconectados era um grave erro”.

E acrescentou: “O estado que não tinha diálogo com a prefeitura e suas iniciativas não se conectavam. Agora, vários representantes do governo do estado participam, por exemplo, de ações e planejamos na secretaria de desenvolvimento social da prefeitura para afinar necessidades de equipamentos de saúde e sociais e outros recursos para atender as necessidades dos grupos vulneráveis. Até então isso não existia”.

O político explicou que os avanços nos serviços de inteligência e monitoramento contribuíram para uma percepção mais profunda do problema e na busca por soluções.

“Contamos também com ações integradas para mensurar as cenas abertas de uso. Agora nos agarramos a uma metodologia única, porque facilita a forma de medirmos o número de dependentes químicos em áreas monitoradas”, declarou. “Além disso, fazemos também o acompanhamento da jornada daquele paciente, porque precisamos saber em quais equipamentos ele foi, como ele está hoje após a jornada em que ele foi recebido”.

Luta Coletiva

O vice-governador fez questão de deixar claro que qualquer esforço para o combate às drogas e a recuperação de vidas deve ser feito de forma coletiva. Por isso, a contribuição de entidades privadas como ONGs e grupos religiosos têm feito a diferença.

“Eles têm colaborado muito em diversos aspectos, especialmente na abordagem. Os missionários têm uma abordagem totalmente diferenciada, pois muitos deles têm experiência ou já viveram nestas regiões de cenas abertas de uso, como a cracolândia”, disse.

Eles [as entidades] conseguem sensibilizar e convencer o usuário a aceitar o tratamento. Essa abordagem e encaminhamento tende a ajudar bastante nas ações do Hub. E também algumas entidades contam com unidades terapêuticas que pertencem a eles, que fazem parte da rede do estado e outras da prefeitura”.
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Instalação do Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas, no centro de São Paulo - Imagem: reprodução/Governo de SP

Por outro lado, um fator preocupante é a abordagem violenta da polícia, que em muitas ocasiões prejudica a credibilidade dos métodos do estado de tratamento contra drogas diante dos usuários.

Em relação a esse desafio, Ramuth concorda que as forças de segurança cometeram vários equívocos que colocaram em xeque os esforços de recuperação dos dependentes químicos. No entanto, a Prefeitura e o Governo do Estado, segundo ele, estão adotando medidas para o controle mais eficiente do uso da força.

“Agora, as operações estão sendo feitas com mais cuidado, é claro, levando em conta situações complicadas que podem acontecer e se torna necessária uma força maior da Polícia Civil e Polícia Militar, mas em caso de exceções”.

“Há uma reação do crime que está vendo que, desta vez, as ações são consistentes para garantir a segurança na região central da cidade. Isso claro dá repercussão, mas não podemos simplificar as coisas. Vamos agir como mais reforço nesse ponto, com mais câmeras de segurança, apoio social às pessoas com vulnerabilidade, aluguel social e ações de segurança pública”, finalizou.

Ações da Prefeitura

Em seu discurso no lançamento do Hub, o prefeito RicardoNunes enfatizou a necessidade de resgatar não apenas o centro de São Paulo, como também todas as vidas que são impactadas pelo consumo de drogas.

“Estamos enfrentando um grande desafio para salvar a vida dessas pessoas, que são dependentes químicos, mas tenho certeza de que teremos sucesso nessa batalha”, declarou o prefeito. “Uma pessoa que está envolvida no crack tem uma vida muito difícil e não podemos fechar os olhos para essa situação, fingir que o problema não existe.

Segundo ele, dentro do programa “Rendeção”, foram lançados novas unidades do Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica (Siats), com ações de cuidados prolongados que vem dando resultados positivos no acolhimento de moradores da cracolândia.

“Muitos dependentes químicos estão demonstrando vontade de obter ajuda e se libertar do vício. Alguns deles nos procuram, inclusive para enviar currículos para se reinserir no mercado de trabalho”.

Mesmo assim, o político ressaltou que essa missão só pode ser bem-sucedida por meio de um esforço coletivo, por isso, a Prefeitura dispõe do apoio de outras frentes.

“O trabalho vem sendo desenvolvido. A Prefeitura também tem os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e os CAPS Álcool e Drogas. Além disso, são 1022 vagas no Programa Redenção e mais 1300 vagas das comunidades terapêuticas, parceiras do Governo do Estado e que estão disponibilizadas também para a Prefeitura”, enumerou.

O “Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas” tem previsão de prestar mais de 700 atendimentos clínicos por mês e 6 mil atendimentos sociais. Além de atividades como abordagem e atendimento, o equipamento atuará no gerenciamento, articulação e integração das ações desenvolvidas pelo Estado e pelo município, com total integração dos dois governos.

Emergência

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Sala para atividades e atendimento de usuário de drogas no Hub - Imagem: reprodução/Governo de SP

De qualquer forma, Nunes sinalizou que o cenário de saúde e segurança na cidade é preocupante, especialmente com a circulação da nova droga K9.

De acordo com o prefeito, um estudo feito pela Prefeitura indicou a existência de pelo menos 4 mil usuários de drogas na cidade em 2016. Em 2022, esse número passou para cerca de 1 mil. Mas, o desafio se tornou maior porque esse público já está habitando há muito tempo as ruas da cidade, em condições precárias e vulneráveis à dependência química.

No evento, ele explicou que um levantamento realizado pela Unifesp mostrou que 39% dos usuários de drogas vivem nas ruas há mais de 10 anos, sendo que 53% estão há mais de 5 anos.

“Precisamos ser realistas e adotar uma ação complexa, para convencê-los a querer o tratamento. As pessoas que estão há mais tempo vivendo nos locais de uso de drogas têm um comprometimento maior”.

E acrescentou: “Precisamos ser persuasivos, persistentes e fazermos uma ação importante de não deixarmos as pessoas que estão ali, se consumindo no crack ou em outras drogas, acabarem com suas vidas”.

Nunes relatou que, em uma operação feita pela Secretaria de Saúde da cidade em um dos Siats, vários usuários de drogas foram submetidos a um teste de espirometria, para testar a capacidade pulmonar, e constatou-se que 186 pessoas das cenas de uso estão com metade do pulmão comprometido. O que levanta suspeitas também de que outros órgãos do corpo podem estar em risco.

“É necessário convencê-los de que há um problema e que queiram se tratar, senão muitas delas vão consumir crack até a morte diante de nós”, disse.

A instalação contará com acolhimento social com avaliação dos riscos médicos e clínicos 24h, leitos de hospitalidade dia e noite para acolhimento, encaminhamento para demandas sociais e centro de monitoramento do processo de recuperação e reinserção, por meio de indicadores assistenciais e intersetoriais.

A unidade conta também com salas de multiuso para grupos de mútua ajuda, espaços para grupos de abordagem de organizações missionárias do centro e de apoio a grupos de familiares que também integram a estrutura.

A instituição também será um ponto de prática de estratégias de cuidados como, por exemplo, parcerias com grupos da sociedade civil, que atuam no território, e acolhimento assistido com 40 vagas.

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