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Feminismo

Oito semanas de silêncio: a falência moral do feminismo

O silêncio prolongado da ONU Mulheres revela desafios na defesa global do feminismo em situações de violência

Oito semanas de silêncio: a falência moral do feminismo - Imagem: reprodução Freepik
Oito semanas de silêncio: a falência moral do feminismo - Imagem: reprodução Freepik

Andrea Vainer Publicado em 15/12/2023, às 11h29


No último dia 02 de dezembro, após oito semanas de silêncio, a ONU mulheres finalmente emitiu uma declaração condenando a violência sexual utilizada como arma de guerra pelo grupo terrorista Hamas, nos ataques brutais do dia 07/10/2023.

A entidade, criada em 2010 com a suposta missão de ampliar os esforços mundiais na defesa dos direitos das mulheres e erradicar a violência de gênero, levou nada menos do que vergonhosos 56 dias para se manifestar.

Em 07 de outubro, o corpo desfalecido, ferido, desarticulado e seminu de Shani Louk, jovem judia de 23 anos, foi desfilado pelas ruas de Gaza na traseira de um caminhão, por uma máfia de homens extasiados, que cuspiam nela e, ao mesmo tempo, gritavam em comemoração. Expectadores da barbárie registraram a cena em vídeo e o vídeo rodou o mundo. A família de Shani na Alemanha reconheceu a garota nas imagens, suplicou ao Hamas pela sua libertação, sem sucesso. Semanas depois, o crânio dela foi encontrado.

A brutalidade que vitimou Shani não foi apenas gravada, mas alardeada aos quatro ventos pelos seus próprios abusadores e algozes. Nem isso foi suficiente para que o mundo acreditasse nela ou nas tantas outras mulheres judias, vítimas de crimes sexuais de inimaginável e inconcebível crueldade.

Histórias como a de Shani foram surgindo aos montes. Vítimas, testemunhas, uma infinidade de pessoas trazendo à luz relatos sombrios de violências sexuais das mais brutais já vistas. Mulheres que sofreram estupros coletivos, tiveram suas pélvis quebradas, dilaceradas, suas vaginas alvejadas, seus seios decepados. Muitas foram assassinadas durante o ato de estupro.

Ao se depararem com as imagens de Shani e com os incontáveis depoimentos de vítimas e testemunhas, “feministas” mundo afora se utilizaram da retórica machista mais antiga que existe, retórica essa que há décadas os movimentos pelos direitos das mulheres lutam para derrubar: “não há prova de estupro”.

“Não há prova de estupro” foi a frase vinda das mesmas mulheres que se se revoltam diante de casos midiáticos em que mulheres violentadas são revitimizadas pelos seus agressores e pela Justiça. Mulheres que condenam um Estado intimidador que não dá à palavra da vítima o valor que nossa legislação assegura. Mulheres que se incomodam com piadas machistas - que não devem e não podem encontrar espaço em nosso cotidiano moderno. Mulheres que postam sobre micro agressões no ambiente de trabalho, sobre os obstáculos para se assegurar uma licença maternidade satisfatória, sobre isso e tantas outras situações com as quais precisamos lidar no Brasil e no mundo.

Essas mesmas mulheres, violentaram e violaram duplamente suas companheiras judias sem sequer ruborizar, seja pelo silêncio ensurdecedor, seja pela negação da barbárie. O feminismo não abandonou apenas as mulheres judias.

Ao dar as costas para nós, traiu seus próprios ideais, subverteu a sua própria luta, assinou sua sentença de morte no ano de 2023. Rendeu-se ao mais puro e institucionalizado antissemitismo e, para isso, recorreu, é claro, aos argumentos machistas que todos conhecemos desde que o mundo é mundo: descredibilizar as vítimas e culpá-las pela sua própria desgraça.

Quando o mote “mexeu com uma, mexeu com todas” vale só para algumas mulheres, desde que elas não sejam judias, o feminismo, definitivamente, acabou.

Andrea Vainer – Advogada Criminalista Sócia de Torres, Falavigna & Vainer Advogados e Diretora Jurídica da Confederação Israelita do Brasil

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