por Marcus Vinícius De Freitas
Publicado em 18/01/2023, às 07h57
O governo Lula enfrentará, na agenda doméstica, dificuldades para implementação de objetivos e estratégias em razão da polarização política que prevalece no Brasil. Em que pese o fisiologismo típico do poder legislativo e judiciário, é na opinião pública aguerrida que o atual governo enfrentará a maior resistência. O Bolsonarismo, que deverá reduzir-se em influência com o passar do tempo, resistirá e criará, por um determinado período, algum tipo de cerceamento nas possibilidades administrativas de Lula. Mas é da opinião pública, inconformada com a eleição de Lulae o retorno de seu grupo político ao poder, que advirá a maior resistência. Essa resistência – obviamente – deverá distanciar-se do vandalismo que destruiu a sede dos Três Poderes em Brasília e manter um sistema constante de monitoramento para impedir a repetição dos escândalos passados do Partido dos Trabalhadores no poder.
Talvez seja no cenário internacional que Lula poderia construir um legado de maior valor pessoal e com impacto positivo para o Brasil. Afinal, seu antecessor, Jair Bolsonaro, adotou – por ignorância e má assessoria – uma postura conflitiva com o mundo, o que lhe prejudicou substancialmente na construção de uma imagem positiva. É hora de reverter esta imagem e o governo atual, em razão de sua capilaridade, pode ter uma presença internacional muito maior. Não é, no entanto, na área ambiental que a liderança brasileira alterará a agenda internacional. Afinal, já se esclareceu que a Amazônia não é o pulmão do mundo e considerando os resultados dos governos anteriores do próprio Partido dos Trabalhadores tampouco se deve acreditar que haverá uma alteração que surpreenda o mundo.
O grande legado do Governo Bolsonarona área internacional poderia ser a assinatura do acordo do Mercosul com a União Europeia, após décadas de negociação. O acordo, que poderia ser revolucionário, não logrou tornar-se efetivo pelas bravatas equivocadas do governo anterior e pela ingenuidade de acreditar que o setor agrícola europeu abriria flancos que lhes fossem prejudiciais economicamente. Este cenário dificilmente será alterado no Velho Continente, mesmo com a benevolência outorgada a Lula por muitos líderes europeus.
O Mercosul, tampouco, oferecerá possibilidades exponenciais de crescimento econômico. O discurso de aproximação política tão característico da agenda esquerdista latino-americana não ecoa, de modo efetivo, na parte econômica. No passado, ao admitir a Venezuela ao bloco, por exemplo, viu-se que para o atual presidente o argumento político prevalece sobre a racionalidade econômica. É por essa razão que o Mercosul – que é precário na parte institucional – não tem evoluído como se esperava inicialmente. Por este motivo, considerando que o Uruguai, por exemplo, já vem buscando a celebração de acordos bilaterais de comércio fora do Mercosul, dever-se-ia aproveitar o momento para refundar o Mercosul não mais como mercado comum, mas sim como uma área de livre comércio. Se no passado tivemos o NAFTA, que incluía o México, Estados Unidos e Canadá, talvez fosse o momento de refundar o Mercosul e transformá-lo num SAFTA (South America Free Trade Area) para viabilizar maior flexibilidade negocial dos países membros com terceiros.
Se o novo governo tiver a pretensão de deixar um legado por gerações, na área internacional, não há dúvida de que uma aproximação comercial com a China pode elevar ainda mais – e de modo positivo – os resultados econômicos de uma parceria mais estrategicamente alinhada e com objetivos claros. A criação de uma área de livre comércio entre Brasil e Chinadeveria acelerar o nível do relacionamento e, particularmente, aumentar os termos de uma parceria mutuamente benéfica. Obviamente que as críticas da mídia ocidental sobre a China deverão ser relegadas a um terceiro plano, até porque ignoram, efetivamente, o que de positivo tem ocorrido na Chinae, equivocadamente, adotam a postura belicosa – e enganada – dos Estados Unidos quanto à ascensão do gigante asiático.
O novo governo poderia – além de incrementar o relacionamento com a China gerando ganhos exponenciais – liderar, regionalmente, a criação de uma organização de cooperação econômica com a China. Os países latino-americanos têm-se tornado, paulatinamente, uma área de interesse ao investimento chinês – maior que em outros mercados globais – e oferece ao gigante asiático uma multiplicidade de oportunidades na área de mineração, agricultura, tecnologia e finanças, dentre outras. Um acordo de cooperação econômica mais intensa entre Chinae América Latina, daria uma força revigorada à região, que corre o risco de perder mais uma década por dificuldades econômicas ainda resultantes da pandemia da Covid-19, particularmente num momento em que a globalização – que tantos resultados positivos gerou globalmente – vem sendo atacada pelo unilateralismo e hegemonismo dos Estados Unidos e, também, da União Europeia. Tais ataques têm minado as regras comerciais, que eram mutuamente benéficas, transformando-as para mero ganho político. Além disso, o Ocidente tem ameaçado a segurança industrial global, incluindo agricultura e energia, particularmente ao abuso de medidas como sanções.
Uma organização de cooperação entre a América Latina e a China (e alguns outros parceiros asiáticos) ensejaria a utilização do vasto potencial em áreas como agricultura, energia, infraestrutura e de maior cooperação econômica e comercial entre os estados membros. Além disso, o escopo do Banco dos BRICS poderia ser ampliado, incrementando a capacidade de produção, sustentabilidade e desenvolvimento regional. Nenhum acordo firmado com outros parceiros globais poderia oferecer tantas oportunidades para uma região que, desesperadamente, precisa abandonar o caminho da servidão em que se encontra há séculos.
Para assegurar maior cooperação, é necessário o uso ampliado do Yuan em transações comerciais entre os países da região, maior conectividade de infraestrutura, particularmente ampliando a conexão por rodovia e ferrovia dos países latino-americanos e novas metas de desenvolvimento econômico.
Se o governo atual quiser marcar a história do Brasil de maneira definitiva, esta deveria ser uma bandeira a ser assumida. Do contrário, tenderá a manter o Brasil como um anão diplomático e sem maior relevância efetiva globalmente.
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