por Marcus Vinícius De Freitas
Publicado em 21/09/2022, às 10h13
O discurso do Secretário Geral das Nações Unidas, na abertura da 77ª Assembleia Geral, deveria gerar um nível maior de preocupação global. Ao afirmar que a humanidade está caminhando em direção a um precipício, Antônio Guterres acendeu o alarme relativo aos inúmeros desafios globais que, a despeito do enorme desenvolvimento da humanidade nos últimos anos, parecem crescer gradativamente de uma forma irreversível.
É fato que a pandemia da COVID-19 colocou uma lupa enorme sobre problemas e situações que, anteriormente relevadas a segundo plano, assumem, por certo, relevância muito maior. O fato é que a pobreza aumentou e a falta de solidariedade abundou. Guterres exemplificou está situação ao relembrar que, no caso da pandemia, alguns países lograram vacinar mais de 80% de suas populações e, ainda, desperdiçaram vacinas deixando-as estragar enquanto em países africanos, por exemplo, nem 10% de suas populações foram vacinadas.
A preocupação da Guerra na Ucrânia, a crise energética e o desabastecimento global preocupam ao notar-se que todos estes fatores aumentam a instabilidade global e fazem crescer a pobreza global. Para enfrentar esta situação cada vez mais deteriorada é necessária uma mobilização solidária global. A possibilidade de uma terceira guerra mundial é real.
O Brasil, país que pleiteia maior relevância global – e que a comunidade internacional espera que assuma maior proatividade – permanece refém de uma retórica repetitiva de sua Política Externa, já de há muitos anos, que persiste em utilizar um momento importante como a Abertura da Assembleia Geral para fazer um discurso muito mais direcionado ao público doméstico do que à comunidade internacional, sem novas ideias, propostas ou até mesmo simples sugestões sobre maneiras como aperfeiçoar a governança global. Para um país que pretende assumir uma cadeira permanente no Conselho de Segurança nas Nações Unidas, a falta de liderança, iniciativa e ação desqualificam o Brasil a alçar maiores voos. Afinal, por que se deveria dar a um país tamanha relevância se ele sequer busca diferenciar-se globalmente por meio de iniciativas ou novas perspectivas?
Este deveria ter sido o momento de reverter uma imagem negativa global que assombra o País há décadas. Da questão do turismo sexual – felizmente vencida – à queimada das florestas e agora, com o enorme desserviço de uma parte da diáspora brasileira que critica e desconstrói o pouco de imagem positiva que o Brasil ainda tem, o discurso na Assembleia Geral deveria ser o momento de, num mundo em crise, o gigante sul-americano sugerir maneiras e mecanismos para minorar um pouco dos desafios globais.
Se o Brasil é acusado de queimar as matas e considerando que o problema de florestas sendo queimadas não é exclusivo do País, por que não propor uma conferência internacional a respeito e retomar a liderança na questão ambiental? Se o continente africano tem problemas quanto às vacinas da Covid-19, por que não encaminharmos o que não tem sido utilizado no País para aquele continente? Ou até mesmo criarmos mecanismos de cooperação farmacêutica neste sentido? Se o mundo enfrenta o problema da fome, por que não lideramos uma frente global para minorar este grave desafio? Se o País pretende afirmar-se como um território de respeito às fés religiosas, por que não enfatizamos o que o Brasil fez de positivo que poderia ser replicado globalmente?
O fato é que, invariavelmente, os discursos tendem a ser os mesmos. A impressão é que se trata mais de um colar e copiar de discursos anteriores, com a atualização dos números do que uma efetiva reflexão sobre a governança global e o papel do Brasil no mundo. Esta falta de ideia e iniciativas nos leva a ser considerados, frequentemente, um país que é grande mas que persiste em jogar numa liga abaixo daquela que deveria. O Brasil também deveria trabalhar mais intensamente com Guterres para atuar mais intensamente na resolução de muitos destes desafios globais. Não parece ser o caso.
Infelizmente, na 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas, a ocorrer em 2023, em Nova Iorque, não importa quem seja eleito ou reeleito no pleito de 2022, tenho a plena convicção de que o discurso será muito parecido àquele que temos visto há décadas. É ruim para o Brasil. É ruim para o mundo.
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