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Pai assume missão de criar 6 filhos sozinho após perder esposa para Covid: ‘me cobro muito mais’

“É difícil no início? É. Mas, depois a gente vê que não é impossível e eu amo ser pai. Se eu não pudesse ter filhos biológicos, eu adotaria, porque o amor é o

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Redação Publicado em 08/08/2021, às 00h00 - Atualizado às 09h44


“É difícil no início? É. Mas, depois a gente vê que não é impossível e eu amo ser pai. Se eu não pudesse ter filhos biológicos, eu adotaria, porque o amor é o mesmo. Amor é amor. A gente só sente e pronto. Não tem como comparar e medir”.

São com essas as palavras que o enfermeiro Gracione da Silva Santos, de 42 anos, descreve a paixão por ser pai. Há pouco mais de um ano, ele assumiu a missão de cuidar sozinho dos seis filhos após perder a esposa Almiza Cristina Prado, que morreu aos 37 anos depois de contrair o coronavírus, em julho de 2020.

À época, um mês antes de morrer, Almiza, já infectada com o vírus, deu à luz a Valentina em um parto de emergência no Hospital Geral de Roraima (HGR), em Boa Vista. A bebê nasceu prematura e teve que ser levada para a UTI neonatal da Maternidade, mas ganhou alta logo depois.

Hoje, com um ano de idade, a caçula divide a atenção do pai com os irmãos Thales, de 23 anos, filho do primeiro casamento de Gracione, além de Ayla, 15, Pedro, 12, Abraão, 8, e Gael, 3, filhos do enfermeiro com Almiza.

Apesar da perda e mudança na rotina em ter que cuidar dos seis filhos sozinho, Gracione celebra o Dia dos Pais neste domingo (8) certo de que o sonho da juventude se transformou numa missão: “ser pai é amar sem medidas”.

“Eu acho que Deus dá um dom para o homem que é ser pai, e esse dom é maravilhoso. A gente não pode desistir com as dificuldades. Elas estão aí para fazer a gente amadurecer. Têm coisas que só a gente passando para ver”.

A morte da esposa, no entanto, não foi a única perda enfrentada por Gracione em menos de um ano. Outras três pessoas da família, que ele considerava cruciais para seguir em frente, também partiram: seu pai, a avó dele e sua mãe.

“Nesse último ano, minha vida mudou muito. Depois que minha mulher faleceu, simplesmente depois, meu pai faleceu, um mês depois foi minha avó materna e, a oito dias de completar um ano da perda da minha esposa, minha mãe faleceu. Então, perdi quatro pessoas cruciais na minha vida em menos de um ano”, conta.

Gracione e Almiza estavam juntos havia 15 anos – seis desses de casamento “no papel”. “Aqui em casa, sempre fomos minha esposa e eu para tudo. Se eu não estava, ela estava. Um complementava o outro. Sem ela, foi bem complicado no início e ainda é complicado. Mas, tenho uma irmã que me ajuda muito com a Valentina.”

A mãe de Gracione era quem o apoiava após a partida de Almiza. Hoje, é ele quem se desdobra entre os afazeres domésticos e a criação dos filhos. “Acho que educar é muito complicado. Eu tento ser um pai presente. Porque, como já não tem a mãe e a avó, eu tento fazer o que cabe a mim”, disse.

“Quando minha esposa morreu, eu tinha minha mãe comigo, pedindo calma, dizendo que iríamos conseguir fazer as coisas juntos. Mas, ela me deixou um grande ensinamento”, complementou.

Tarefas domésticas

Gracione e a pequena Valentina de um ano — Foto: Arquivo Pessoal

Gracione e a pequena Valentina de um ano — Foto: Arquivo Pessoal

A pandemia da Covid alterou a rotina na casa de Gracione, principalmente com as aulas online dos três filhos mais velhos. Antes de conversar com o G1, ele conta que até às 10h da manhã já havia lavado roupa, estendido, feito a comida e alimentado os caçulas Valentina e Gael, dado banho nos dois, fora outras tarefas domésticas, como varrer e passar pano na casa.

Para ele, a realização dessas tarefas é cansativa, mas ele resolve. O desafio maior para ele, no entanto, é educar o filhos nos dias de hoje. Isso, ele considera “mais trabalhoso”.

“Converso muito com os meninos. Falo para eles que sou pai, mas sou amigo deles, acima de tudo. Sempre converso com eles e explico os benefícios que tem a Internet e os malefícios. E eles são muito bons. São muito companheiros. Sabem das dificuldades que eu tenho, porque eles são muitos, para eu poder dar atenção, para fazer as coisas”.

Problemas financeiros

O enfermeiro aproveita a companhia dos filhos — Foto: Arquivo pessoal

O enfermeiro aproveita a companhia dos filhos — Foto: Arquivo pessoal

Após a morte de Almiza, Gracione pediu afastamento do trabalho e não recebeu nesse período. Depois, disso, se viu sem dinheiro e com contas a pagar.

“Foi extremamente difícil. A gente tinha comprado muitas coisas, porque estámos com muitos planos. A perda, já foi difícil. Quem ‘mexia’ com a parte financeira, era a minha mulher. Era ela quem resolvia tudo. Aí fiquei sem nada. Sem a mulher, com um monte de dívidas. Fiquei sem o meu salário e sem o dela”.

Além de técnica em enfermagem, Almiza era esteticista. Porém, na dificuldade, Gracione diz que encontrou a ajuda de pessoas que nem os conheciam.

“A gente ficou no vermelho. Mas, ainda bem que recebemos muita ajuda. Foram amigos, familiares e pessoas que nem nos conheciam e ajudaram a gente. Uma prima da minha esposa, quando a Valentina estava na UTI, me perguntou se ela poderia fazer uma campanha na igreja dela, para doações de leite e fraldas, e eu concordei. Só que tomou uma proporção muito grande. Muita gente doou fralda e leite. A Valentina tomava um leite específico, que é caro”.

O enfermeiro voltou a trabalhar, mas pediu um novo afastamento quando a mãe morreu. Atualmente, ele faz acompanhamento psicológico.

À época, o casal estava à espera de Valentina — Foto: Arquivo pessoal

À época, o casal estava à espera de Valentina — Foto: Arquivo pessoal

“Sinto muita falta da minha mulher. A gente se completava. Ela era a noite e eu o dia. As pessoas diziam que a gente era parecido, mas não. A gente era diferente e, essa diferença, era que fazia o relacionamento ser tão duradouro e dar tão certo. Todo relacionamento tem seus altos e baixos, mas com ela, era muito bom”, frisou.

Gracione contou, ainda, que dois meses antes da esposa falecer, ela conversava com a família sobre a morte.

“Parecia que ela sentia, sabe. Ela explicava, dizendo que ninguém virava pedra, que ninguém nasceu para durar a vida toda, que uma hora a gente vai partir e, quem partiu, vai e, quem ficou, tem que continuar a vida”.

Com a partida da mulher, Gracione teve que tomar as responsabilidades da casa sozinho e agora, vive a maior parte do tempo para os filhos.

“Agora, me cobro muito mais. A gente acaba se anulando. Você deixa de fazer muita coisa. Eu não faço quase mais nada em prol de mim, é mais por causa deles. Mas, uma coisa que eu gosto na vida é ser pai. Sempre quis ser pai”.

"Sempre quis ser pai", contou o enfermeiro — Foto: Arquivo pessoal

“Sempre quis ser pai”, contou o enfermeiro — Foto: Arquivo pessoal

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Fontes: G1 – Globo.

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