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Reinaldo Polito: Jovem, gênio e inspirador exemplar morreu aos 22 anos

Ouço com frequência que a nossa juventude está perdida, que está sem norte, e que, com a sua falta de preparo e de motivação, não podemos esperar muito do

Reinaldo Polito: Jovem, gênio e inspirador exemplar morreu aos 22 anos
Reinaldo Polito: Jovem, gênio e inspirador exemplar morreu aos 22 anos

Redação Publicado em 11/07/2021, às 00h00 - Atualizado às 11h10


Jovem, gênio e inspirador exemplar morreu aos 22 anos

Ouço com frequência que a nossa juventude está perdida, que está sem norte, e que, com a sua falta de preparo e de motivação, não podemos esperar muito do futuro.

Tenho, entretanto, outra perspectiva a esse respeito. Vejo nos cursos que ministro uma garotada indo à luta com a faca nos dentes. Alguns que acordam às três e meia da madrugada, viajam durante horas e não perdem uma aula sequer.

Como concordar, então, com esses pessimistas?! O que, afinal, está errado?

Nada. Se observarmos, o mundo sempre foi mais ou menos assim. Quando lemos os comentários que se faziam nos séculos passados sobre o comportamento dos jovens, as lamúrias eram semelhantes.

Os mais velhos criticam, às vezes, os mais jovens porque estranham a forma diferente como encaram a vida. Não significa, entretanto, que ao não seguirem os passos de seus antepassados estejam errados. Apenas não são iguais.

E mais. O fato de serem aparentemente desregrados não significa que não sejam brilhantes, produtivos, inspiradores. Eu conheci a história de jovens de épocas anteriores a minha que me influenciaram profundamente. Alguns que não obedeciam a códigos estabelecidos de conduta, mas que nem por isso deixaram de ser excepcionais, criativos, instigantes. Morreram muito cedo, e ainda assim conseguiram produzir obras imortais.

Na nossa casa em Araraquara, no interior de São Paulo, havia um pequeno escritório. Tudo muito simples. Uma pequena mesa com cadeira e uma estante para pôr os meus livros. O que eu mais gostava de fazer era ficar ali sozinho de madrugada ouvindo discos e lendo poesias.

Eu tinha um disco compacto com seis músicas, três de cada lado, “Maria Bethânia canta Noel Rosa”. Não sei como aquele disco não rachou de tanto tocar. Eu sabia todas as letras de cor. Até hoje me lembro de cada uma delas. Pois é, Noel Rosa foi um desses gênios que partiu na tenra idade. Morreu de tuberculose quando estava com apenas 26 anos de idade. Preferiu viver intensamente por poucos anos a cuidar como deveria da sua saúde.

Com tão poucos anos de vida conseguiu compor mais de 300 músicas. Uma mais linda que a outra. Ele nasceu em Vila Isabel, no Rio de janeiro, em 1910, e morreu na mesma cidade em 1937. Dá para imaginar que aos 26 anos estivesse no auge da sua produção musical. O que teria feito com mais, digamos, 26 anos de vida?!

Outro companheiro de madrugadas foi Castro Alves. Desde cedo me encantei com suas poesias. Dedicado à causa abolicionista, combateu nos seus versos os horrores da escravidão. Assim como Noel Rosa, também morreu de tuberculose, só que ainda mais jovem, aos 24 anos. Esse poeta extraordinário não se dobrou às convenções da sua época. Contrariando o establishment abraçou a causa da abolição dos escravos. E com tanto fervor que incluiu essa bandeira em seus textos.

Por causa da qualidade de sua obra foi escolhido para ser o patrono da cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras. Nasceu na Bahia em 1847 e faleceu no mesmo estado, na cidade de Salvador em 1871. O que teria produzido se não tivesse sido arrancado tão cedo do nosso meio?!

E agora quero falar de um gênio que talvez não seja tão conhecido, Junqueira Freire. Embora também tenha sido imortalizado por ser o patrono da cadeira número 25 da Academia Brasileira de Letras. Esse poeta fenomenal também faleceu muito novo, aos 22 anos de idade.

Eu gosto das suas poesias, mas a minha ligação com ele está em outro campo, a oratória. Quando estava com apenas 20 anos, esse monge beneditino, que vivia recluso na solidão da sua cela, no Mosteiro de São Bento da Bahia, escreveu a obra “Elementos de rhetorica nacional”, um dos livros mais importantes para o estudo de retórica que se conhece.

Reinaldo Polito: Jovem, gênio e inspirador exemplar morreu aos 22 anos

Em um primeiro momento, por não concordar com a vida que era obrigado a levar em sociedade, viveu recluso no Mosteiro de São Bento. Depois de um ano, ao perceber que não possuía vocação para o sacerdócio, se arrependeu e pediu a secularização. Dessa forma, podia ficar distante da ordem, mas continuar como sacerdote, até finalmente retornar à sua casa. Levou assim uma vida de conflitos e incertezas. Em apenas escassos anos de existência nos brindou com obras admiráveis.

Tenho a primeira edição original do seu livro publicado em 1869, quatro anos depois da sua morte. Se tivesse vivido um pouco mais, com certeza, teria contribuído muito com seu conhecimento para os seus contemporâneos e para os que vieram depois.

Esses gênios partiram jovens, mas conseguiram deixar para nós exemplos de criatividade, inspiração e muita competência. Com certeza, somos pessoas melhores hoje com o que nos legaram.

Não há dúvida de que muitos desses meninos e meninas que censuramos agora ainda nos encherão de orgulho amanhã.

Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. Escreveu 34 livros com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no [email protected]

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