Diário de São Paulo
Siga-nos

Lições da pandemia

Por Marcus Vinícius de Freitas*

Lições da pandemia
Lições da pandemia

Redação Publicado em 10/11/2021, às 00h00 - Atualizado às 10h00


Por Marcus Vinícius de Freitas*

Lições da pandemia

Certamente que a redução de mortes no Brasil, resultante da Covid-19, representa um grande alívio para um país que amargou números alarmantes e, de fato, devastadores. A cada morte, sonhos, planos e perspectivas foram eliminados para sempre. A tristeza da pandemia, que levou milhares à morte e milhões à doença, foi uma marca inesquecível na vida daqueles que sobreviveram nos dois últimos anos. Em todo o processo, observamos fases diferentes: em primeiro lugar, ignoramos os claros sinais advindos da China quanto à seriedade do vírus; depois o tratamos como banalidade, seguido de uma enorme politização. À medida que a gravidade e a letalidade cresciam, houve um pânico coletivo. Por fim, vieram as vacinas, com a expectativa de esperança. Começamos a sentir-nos mais tranquilos.

Obviamente que durante todo este processo abundaram teorias conspiratórias: da origem do vírus à ideia de que haveria a inserção de um chip de controle da humanidade. E por aí avançamos de uma forma inacreditável. Vimos até surgir uma nova figura caricata: o sommelier de vacinas, o indivíduo que se recusava a tomar determinada vacina por causa do país de fabricação, com particulares restrições à Coronavac. Além disso, prosperaram os apóstolos do Apocalipse apregoando o “enorme” perigo representado pela China, numa tentativa de, equivocadamente, atribuírem ao país asiático os erros infindáveis das politicas sanitárias domésticas – estas sim cujas falhas se revelaram muito mais fatais do que o próprio vírus. Passado o tempo, estes indivíduos são forçados – com embaraço – a reconhecer o obscurantismo do argumento, particularmente após o anúncio, por parte do governo norte-americano, da abertura de suas fronteiras às vacinas reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde, a instituição multilateral que tanto desprezaram.

Felizmente, o bom senso prevaleceu, o processo de imunização ocorreu rapidamente e as taxas de mortalidade vêm sendo paulatinamente reduzidas. Atualmente, o Brasil pode orgulhar-se dos resultados alcançados e a melhoria global na administração da pandemia. De dias turbulentos e difíceis, o País começa a ver uma luz no fim do túnel. E não é o trem vindo no sentido contrário. É importante, no entanto, olharmos com muito cuidado e aprendermos lições com os erros alheios. Estamos assistindo, atualmente, um aumento substancial no número de casos na Europa, o continente que, contrariamente ao que se esperava em razão do seu desenvolvimento econômico, é um dos que mais apresenta taxas elevadíssimas de Covid-19. De norte a sul, de leste a oeste, os números europeus impressionam pelos casos ou pela baixa adesão à vacinação, particularmente na Europa Oriental, onde, alguns países apresentam taxas de imunização inferiores a 25%. Aliado ao frio do Hemisfério Norte, em razão do inverno próximo – o período em que há um aumento nas doenças respiratórias – os números são preocupantes, porque afetam não somente a Europa mas todo o mundo. Neste sentido, é importante afirmar que, enquanto um representar um foco de transmissão, todos estarão inseguros.

Três são os motivos principais do aumento no número de casos na Europa: a flexibilização rápida das medidas de prevenção à transmissão, inclusive o aumento das aglomerações; a incapacidade dos governos em manterem algumas das medidas restritivas por mais tempo, particularmente pelo receio do impacto eleitoral de eventual restrição de circulação no verão europeu; e a banalização do vírus diante das vacinas, entendidas inicialmente como a bala de prata que resolveria a maior parte dos problemas.

Estas lições europeias são importantes e as autoridades de saúde no Brasil – e o povo brasileiro também – deveriam aprender com os erros alheios para impedir que surtos elevados de contaminação voltem a ocorrer no País. Uma onda mais intensa do vírus e de letalidade elevada, por certo, terão impactos econômicos, sociais e educacionais nefastos a serem sentidos por décadas. Ao que tudo indica, estas novas variantes já se encontram a caminho do Brasil.

A situação é complexa e ao que tudo indica, eventualmente, a COVID-19 deverá transformar-se numa enfermidade recorrente, algo com que conviveremos e que, com as devidas precauções e cuidados, poderemos evitá-la. Infelizmente – deve-se ressaltar – o que mais prosperou nestes últimos quase dois anos de pandemia foi a ignorância, acrescida do aproveitamento político de uma doença devastadora. Tal atitude, de fato, deveria macular para sempre o currículo e a vida de todos aqueles que quiseram aproveitar-se da pandemia, à direita e à esquerda. As mortes da pandemia não recaem somente sobre os governantes que tomaram medidas administrativas equivocadas mas sobre todos os que, com sordidez, buscaram piorar uma situação já muitíssimo complicada para ganhos políticos.

Poucas foram as lideranças que se destacaram durante a pandemia. Mas, para o bem da humanidade, ocorreram alguns casos de sucesso em meio ao caos que se instalou em grande parte do mundo. Portugal, por exemplo, conseguiu um feito raro durante a pandemia: não permitiu que houvesse uma polemização ideológica da pandemia ou do vírus. Talvez por sua longa história positiva com a China, Portugal compreendeu que se tratava apenas de um vírus que deveria ser combatido como uma enfermidade e não como uma ideologia. E com isso, obteve, apesar das turbulências, resultados positivos que lhe vem permitido a retomada do desenvolvimento econômico.

Na China, existe um provérbio muito apropriado à situação: “Os sábios aprendem com os erros alheios, os tolos com os próprios e os idiotas jamais aprendem.” A crise europeia da pandemia nos oferece duas possibilidades nesta situação: sabedoria ou idiotice. Caberá a cada um e às classes governantes escolher uma. Espero que sejamos sábios!

_________________

*Marcus Vinicius De Freitas
Professor Visitante, China Foreign Affairs University
Senior Fellow, Policy Center for the New South
Compartilhe  

Tags

últimas notícias