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Criticar ou defender, quase sempre, depende só de “vontade política”

Por Reinaldo Polito

Criticar ou defender, quase sempre, depende só de “vontade política”
Criticar ou defender, quase sempre, depende só de “vontade política”

Redação Publicado em 03/10/2021, às 00h00 - Atualizado às 10h57


Por Reinaldo Polito

Criticar ou defender, quase sempre, depende só de “vontade política”

Durante muitos anos eu aplicava um exercício bastante interessante em sala de aula. Para treinar a habilidade dialética, dividia a classe em dois grupos. Os alunos deveriam defender ou atacar assuntos polêmicos, como a pena de morte, por exemplo. Eu distribuía uma relação dos argumentos contrários e favoráveis para que todos se familiarizassem bem com o assunto. Para que o exercício pudesse ser ainda mais bem aproveitado, os que diziam ser contra defendiam as teses favoráveis e vice-versa.

Como o objetivo do treinamento era o de preparar cada um para defender suas causas ao longo da vida, essa prática os capacitava a entender com mais clareza as posições adversárias e a identificar quando os argumentos contrários se assentavam em premissas falsas. A partir desse conhecimento poderiam mostrar que as conclusões da parte opositora não se sustentavam.

Essa estratégia não é nova, muito ao contrário. Já no século V a.C. os sofistas ensinavam essa aptidão aos gregos. Só que no caso deles o que importava era a vitória, ainda que para chegar a esse resultado tivessem de lançar mãos de argumentos algumas vezes falaciosos. Tanto que hoje o termo tem conotação pejorativa. Quando alguém diz que a outra pessoa está sofismando, quer afirmar que ela deu uma interpretação falsa à verdade.

Outro exemplo interessante é o de Demóstenes. Antes de analisarmos sua capacidade para enxergar os diversos lados de uma mesma questão, vale a pena relembrarmos uma passagem curiosa de sua história.

Embora desejasse muito ser um grande orador, ele possuía inúmeras limitações. Sua voz era fraca, a dicção deficiente, gaguejava e tinha o cacoete de levantar constantemente o ombro quando falava. Tanto que era motivo de zombaria por parte daqueles que o assistiam. Para realizar o seu sonho de ser um tribuno admirável, retirou-se para um lugar distante, onde poderia fazer com tranquilidade os exercícios. Raspou os cabelos de um lado da cabeça e a barba de um lado do rosto, de forma que, com essa aparência ridícula, não pudesse desistir do treinamento e voltar para casa.

Para resolver o problema da voz, empreendia longas caminhadas na praia e proferia discursos de frente para o oceano. O objetivo era o de conseguir um volume de voz mais alto que o do bramido do mar. Para aprimorar a dicção, fazia exercícios com seixos na boca, tentando pronunciar as palavras da maneira mais clara possível. Para acabar com o vício de levantar o ombro, fixou uma espada no teto da casa, com a ponta da lâmina voltada para baixo. Realizava os treinamentos diante de um espelho, e toda vez que levantava o ombro era estocado e ferido. Com essa determinação, superou todas as adversidades e se tornou o maior orador da antiguidade.

Antes de superar essas limitações oratórias, Demóstenes exercia a função de logógrafo, isto é, escrevia discursos para que outras pessoas pudessem proferir. Dizem que era tão competente nessa função, que chegava a escrever tanto as peças de acusação como as de defesa na mesma causa.

Os exemplos citados mostram que, de maneira geral, as questões possuem várias facetas. Nos nossos treinamentos não foram poucos aqueles que, após estudarem com mais profundidade a matéria para se dedicarem a defender ou atacar a causa de forma diferente daquela que advogavam antes do debate, me disseram que estavam mudando de opinião ou atribuindo um   valor maior a alguns pontos que antes desconsideravam.

Quantos de nós criticamos ou elogiamos um político, por exemplo, sem a devida reflexão sobre os motivos que nos levam a pensar assim. Repetimos bordões sem termos muita noção do que as palavras estão dizendo. As frases servem, em muitos casos, apenas como fórmulas prontas para reforçar com emoção as nossas teses. Atacar ou não acaba sendo, em muitas situações, apenas o fruto de uma “vontade política”, pois poderíamos encontrar argumentos tanto para acusar quanto para defender qualquer causa.

Por isso, todas as vezes em que estivermos defendendo ou atacando um político ou uma causa de maneira obstinada, paremos um pouco para refletir. Analisemos se os argumentos que utilizamos encontram mesmo respaldo na realidade. Lembremo-nos ainda de quantas vezes nos enchemos de razão para atacar ou defender e, depois, passado um tempo, concluímos que estávamos equivocados. As ideias que defendíamos, no futuro se mostraram inconsistentes.

Basta apenas fazermos uma pergunta antes de discutirmos com veemência determinado tema: será que analisamos os fatos por todos os ângulos? Siga pelo Instagram @polito

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*Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. Escreveu 34 livros com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no [email protected] .
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