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COLUNA

Ascensão feminina nos Jogos Olímpicos

Ouro olímpico de Rebeca Andrade e Beatriz Souza - Imagem: Reprodução | X (Twitter) - @AFPnews
Ouro olímpico de Rebeca Andrade e Beatriz Souza - Imagem: Reprodução | X (Twitter) - @AFPnews
Adriana Galvão

por Adriana Galvão

Publicado em 08/08/2024, às 06h00


A luta contra preconceitos seculares deve ser incessante, dada a profundidade em que estão enraizados. De tempos em tempos, fatos históricos impulsionam quebras de paradigmas, e o esporte constitui um ambiente propício a tais evoluções, pois congrega, promove rivalidades saudáveis, influencia pessoas de todas as classes sociais, especialmente crianças.

Uma das discriminações mais evidentes é a da mulher negra, seja no mercado de trabalho, na política ou nos meios acadêmicos. No esporte, a capacidade dessa mulher possui relativo reconhecimento, o que não impede que ela sofra discriminações fora das quadras, dos gramados e dos tatames. O magistral ouro olímpico de Rebeca Andrade e Beatriz Souza, por isso, adquire relevância que extrapola o palco esportivo.

A ginasta Rebeca - esta, desde as Olimpíadas passadas, em Tóquio - e a judoca Bia exemplificam toda força que emana da mulher negra, sinônimos que são de perseverança, além de portarem um carisma especial. Não são as únicas, registre-se: nestas mesmas Olímpiadas de Paris há várias outras atletas a brilhar e, no caso do Brasil, a responder por 70% das medalhas conquistadas até o momento em que este artigo era escrito. 

Rebeca e Bia são mulheres brasileiras, são negras, são oriundas de classes sociais desprivilegiadas - e são ouro. A ginasta nasceu em Guarulhos (SP), em maio de 1999. Ela e seus sete irmãos foram criados pela mãe, Rose, mãe solo que trabalhou como faxineira para bancar o treinamento da filha. A judoca nasceu em Itariri (SP), em maio de 1998, filha do militar do Corpo de Bombeiros e também judoca Poscedônio José de Souza Neto. Criada em Peruíbe, Bia é também sargento do Exército.

Quantas mulheres negras mais poderiam alçar voo tão alto se lhes fossem dadas as mesmas oportunidades de homens brancos do alto da pirâmide social? Não estivessem hoje no panteão das estrelas olímpicas, Rebeca e Bia teriam o respeito da sociedade?

Espera-se que as históricas conquistas de Rebeca e Bia sirvam para que a mulher negra - não só a desportista - passe a ocupar espaços do tamanho do seu potencial. Felizmente, ao menos assim parece, nossas atletas negras não são mais obrigadas a viver situações iguais às vividas por Melânia Luz dos Santos, atleta que veio bem antes das medalhistas atuais.

A vida de Melânia é emblemática da resistência dos desportistas negros brasileiros em eras pré-Rebeca e Bia. Ela nasceu em São Paulo, em 1928, e foi expoente do esporte nas décadas de 1940 e 1950. Atleta do São Paulo Futebol Clube, do Clube Tietê e da seleção nacional, foi uma das melhores velocistas e saltadoras da sua geração, tendo representado o Brasil nos Jogos Olímpicos de Verão de Londres, em 1948.

No São Paulo Futebol Clube, Melânia estava entre os chamados “atletas militantes”, cuja presença era aceita por seu talento. Mesmo carregando no peito o brasão do clube, contudo, ela não podia frequentar suas dependências sociais fora dos treinamentos e das competições. Tudo em conformidade com os estatutos da instituição em vigor.

Queremos crer que essa dura realidade social, que excluída as desportistas negras dos espaços extracompetições, tenha acabado. O país de Rebeca Andrade e Beatriz Souza não aceita conviver com isso.

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