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Discriminação persiste nos processos seletivos para contratação de profissionais

Ana Gabriela Marin - Imagem: Reprodução | Acervo g1
Ana Gabriela Marin - Imagem: Reprodução | Acervo g1
Adriana Galvão

por Adriana Galvão

Publicado em 12/07/2024, às 06h00


Seria esperar demais que os processos seletivos para contratação de profissionais escapassem aos preconceitos historicamente em voga no Brasil. Nunca é tarde, contudo, para que se aja contra a discriminação também nessa seara, em que trabalhadores qualificados são descartados, enquanto pleiteiam a algum cargo, em razão de idade, orientação sexual, gênero, raça, religião, deficiência física, nacionalidade e até gravidez. 

Há inúmeros casos a relatar, mas fiquemos com o de Ana Gabriela Marin, de 33 anos, noticiado pela imprensa em maio último. Profissional de vendas, ela havia sido selecionada por uma startup depois de passar pelas entrevistas de praxe. Nesse período, engravidou, e informou à empresa. Em questão de dias, recebeu do RH da companhia a informação de que a “carta proposta” que lhe fora enviada estava sendo revogada.

A empresa em tela, como tantas outras, finge não saber que gravidez não é doença e nem impeditivo para a maioria das tarefas laborais. Além de mostrar desconhecimento da lei - tanto da Constituição quanto da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) -, que proíbe a discriminação. A realidade mostra que o preconceito não é exclusividade nossa: a OIT (Organização Internacional do Trabalho) reconhece significativa discriminação de mulheres grávidas nos processos seletivos.

Uma pesquisa realizada no Brasil pela empresa de tecnologia para recrutamento InfoJobs em 2021 (última do tipo de que se tem conhecimento), apurou os seguintes percentuais: 48,7% dos entrevistados disseram ter sofrido algum tipo de preconceito ou discriminação durante processo seletivo, 31,7% dos quais por motivo étnico ou racial, 19% pela condição social, 14,1% por LGBTQIA+fobia, 12,3% pela religião, 8,2% por portarem alguma deficiência e 5,4% por motivação de gênero. Nove por cento preferiram não responder.

Quem descarta um bom profissional com base em preconceito nega o princípio humano da igualdade de oportunidades e, é claro, arrisca-se a perder um grande talento. As companhias, que muitas vezes se dizem inclusivas por mero marketing, precisam averiguar na pessoa do candidato as habilidades e disponibilidades que o cargo exige, nada mais. Para tanto, a qualificação tem de ser observada antes de mais nada nos próprios quadros da área de Recursos Humanos das empresas.

Os ambientes corporativo, empresarial e institucional não podem, até por exigência legal, considerar como pré-requisitos as características individuais já mencionadas aqui. Para tanto, os profissionais encarregados dos processos seletivos têm de ser devidamente preparados e treinados. Hoje, existem ferramentas de triagem e recrutamento que evitam escolhas discriminatórias. As equipes de RH não podem desconhecer os prejuízos - ao candidato e à empresa - decorrentes de atitudes discriminatórias. Estão obrigadas, essas equipes, a ter ciência do que estabelece a Convenção III da OIT, ratificada pelo Brasil, a qual define como discriminação quaisquer exclusões baseadas em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade (inclusive de antepassados) e outros.

A Justiça, ainda que haja casos aberrantes de tolerância com o preconceito, respalda o princípio da igualdade nos processos seletivos para contratação de profissionais. Bom exemplo ocorreu em Belo Horizonte (MG), em julho de 2022, quando um juiz da 29ª Vara do Trabalho condenou um posto de combustíveis a indenizar em 5 mil reais, por danos morais, um trabalhador discriminado por ser transgênero. O candidato havia sido aprovado no processo seletivo para a vaga de frentista, porém, quando entregou a documentação e informou sua transgeneridade, foi descartado.

O estabelecimento deu justificativas pouco convincentes. Restou a posição do juiz: “A liberdade de contratar encontra limites na preservação da dignidade humana, na vedação à discriminação e na função social do contrato (artigo 421 do Código Civil). Essa liberdade não autoriza a adoção de critérios discriminatórios, diretos ou indiretos, na escolha dos candidatos às vagas”. 

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