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“Se você não pode alimentar cem pessoas, alimente apenas uma”, já dizia Madre Teresa de Calcutá

Madre Teresa de Calcutá - Imagem: Reprodução | Imagens Públicas
Madre Teresa de Calcutá - Imagem: Reprodução | Imagens Públicas
Adriana Galvão

por Adriana Galvão

Publicado em 02/07/2024, às 06h00


Indignamo-nos ao ver campear a injustiça social no Brasil, recrudescente, invencível. Suas raízes são tão profundas que os cidadãos se acostumam com ela, cerram os olhos perante a miséria alheia e cuidam de preservar o próprio conforto. Esses céticos da igualdade costumavam criticar governos que priorizassem ações de cunho social, pois, no seu equivocado entender, o indivíduo meritório subiria os degraus da escala social sem ajuda do Estado. Agora, partem para um novo modelo de exclusão: tentam impedir gestos humanitários de quem quer que seja - não apenas do Poder Público - em favor das pessoas em condição de rua.

A Câmara Municipal de São Paulo é palco de uma iniciativa teratológica. O Projeto de Lei 445 / 2023, aprovado em primeiro turno naquela casa legislativa, estabelece multa de R$ 17.680,00 a quem “descumprir regras para doação de alimento a moradores de rua”. Quais seriam as regras para um indivíduo ou uma instituição matar a fome de uma família sem teto? Resposta: um amontoado de empecilhos formais, filigranas burocráticas e exigências descabidas que desestimulam o voluntariado humanitário.

Quais razões levam um vereador a dedicar o mandato a perseguir a população de rua? Ou o alvo desse vereador seria, na verdade, o padre Júlio Lancellotti, maior benfeitor das pessoas em condição de rua deste país?

Importante destacar, que referido vereador, vem sendo investigado em um inquérito da Polícia Civil de São Paulo que apura se houve, por parte dele, denunciação caluniosa ao tentar instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI para investigar ONGs que atuam no centro da Capital. Ele colocou no pacote a Pastoral do Povo da Rua, liderada pelo padre Júlio. O vereador buscava dar conotação partidária à ação social do sacerdote e tendo naufragado na intentona inicial e prestes a ser punido pela falácia,parte agora para uma segunda tentativa, de desqualificar e desacreditar aquele que diariamente vive para alimentar o próximo.

Ao justificar o esdrúxulo, desumano projeto, o vereador disse que intenciona dar transparência às ações assistenciais, e que a obrigatoriedade de autorizações prévias para fazer as doações “garante que as atividades sejam realizadas por entidades idôneas”. Não é verdade. Seu objetivo é claro: desestruturar uma rede de ONGs de atuação profícua em prol da população de rua e que, naturalmente, tornaram-se próximas de políticos que carregam a bandeira da justiça social - os opostos dele, portanto.

Parlamentares deveriam estar sujeitos a serias restrições de seus mandatos quando suas atividades legislativas fossem contra os mais óbvios valores humanos – tais como o direito à alimentação – preceito constitucional.Particularmente, vereadores deveriam ser obrigados a andar pela cidade na qual foram eleitos para conhecer a verdadeira realidade das pessoas em condição de rua e compreender suas fragilidades e vulnerabilidades.

O referido vereador da maior cidade deste país – São Paulo - poderia visitar a região dos Campos Elísios, em edificante caminhada que abrangeria a Praça Princesa Isabel, as imediações da Estação da Luz, os baixos do Elevado Costa e Silva, as escadarias do Teatro Municipal e a Praça da Sé. Ele veria viciados em crack, vendedores ambulantes (muitos dos quais, crianças), idosos portando placas com dizeres como “tenho fome e não tenho casa”, famílias inteiras residindo sobre colchões velhos e em condições desumanas.

Se lhe batesse um coração dentro do peito, talvez pensasse em algo melhor estas pessoas do que criar obstáculos à doação de alimento.

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