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Fechado pela Prefeitura de SP há mais de 1 ano, circo escola da favela São Remo sofre com depredação e ameaça de invasão

“O cenário é de terra arrasada. A prefeitura encerrou o contrato com a ONG Bom Jesus e simplesmente abandonou o prédio. Há apenas um segurança no espaço e ele

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Redação Publicado em 30/05/2021, às 00h00 - Atualizado às 10h11


Espaço foi fechado em março de 2020 por causa da pandemia e por problemas de estrutura em dois prédios do terreno. A falta de reforma e o abandono abriram espaço para invasões e roubos de equipamentos do projeto. Prefeitura diz que local não tem condições de uso e que abriu novos editais de projetos sociais para ajudar a comunidade impactada.

Fechado pela Prefeitura de São Paulo há mais de um ano por causa da pandemia do coronavírus, o prédio do Circo Escola da favela São Remo, atrás da Cidade Universitária, no Butantã, Zona Oeste da capital, tem sofrido com a degradação, a depredação e ameaças de invasão do terreno, segundo relato dos moradores.

“O cenário é de terra arrasada. A prefeitura encerrou o contrato com a ONG Bom Jesus e simplesmente abandonou o prédio. Há apenas um segurança no espaço e ele não dá conta do tamanho do terreno. Crianças e adolescentes sem ocupação entraram e destruíram o pouco que restava do prédio”, disse o líder comunitário Givanildo Oliveira dos Santos.

Além da destruição, nesta semana o terreno do circo escola também começou a ser invadido para ser usado como moradia, segundo informaram moradores da favela durante uma audiência pública na Câmara Municipal que debateu o assunto nesta sexta-feira (28).

“Moradores da própria comunidade invadiram o espaço com intenção de loteá-lo. Levaram até a arquibancada e outros equipamentos no circo nessa invasão e colocaram faixas de demarcação no terreno. É muito triste tudo isso que está acontecendo com um prédio que é tão importante para a comunidade”, afirmou Robson Dutra, morador da São Remo.

G1 procurou a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), que disse que “se reúne regularmente com os líderes comunitários da região para explicar sobre a rede socioassistencial no território”.

“A equipe de engenharia da pasta fez vistoria no imóvel (que pertence à Universidade de São Paulo – USP) e foi constatado por laudo técnico que o local está inadequado para a continuidade das atividades. (…) No momento, há três editais de chamamento público em andamento para implantar os serviços de Centro de Convivência Intergeracional (CCInter) com 180 vagas, Centro para Crianças e Adolescentes (CCA) de 120 vagas e o Centro de Desenvolvimento Social e Produtivo para Adolescentes, Jovens e Adultos (CEDESP) com 160 vagas. Todos previstos que sejam instalados em outros imóveis no território”, disse a secretaria (veja íntegra da nota abaixo).

Áreas internas do circo escola São Remo, na Zona Oeste de São Paulo.  — Foto: Arquivo pessoal

Áreas internas do circo escola São Remo, na Zona Oeste de São Paulo. — Foto: Arquivo pessoal

Fechamento do circo

O Circo Escola Vila São Remo funcionava desde 1990 em um terreno cedido pela Universidade de São Paulo (USP). Mensalmente, eram atendidas, no contraturno escolar, cerca de 300 crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, de 5 a 17 anos, que moravam na comunidade.

O programa oferecia aulas de circo, esportes, informática, danças e atividades de percussão, violino e canto, além de refeições e programas de capacitação profissional para jovens e adultos, totalizando cerca de 800 atendimentos por mês, de acordo com as lideranças comunitárias.

Desde abril de 2020, no entanto, a secretaria resolveu encerrar o contrato com a ONG Bom Jesus, que administrava o projeto, deixando a comunidade sem opção de cultura dentro da favela e o terreno do projeto vazio, segundo as lideranças comunitárias.

A alegação para não renovar o contrato de prestação de serviço da ONG na época era que o local tinha sérios problemas de estrutura, com rachaduras no prédio e no muro divisório com a Cidade Universitária, conforme os laudos publicados pelo G1 no ano passado.

As fotos do laudo mostram as rachaduras no prédio e nas salas de aula do circo escola da favela São Remo.  — Foto: Reprodução

As fotos do laudo mostram as rachaduras no prédio e nas salas de aula do circo escola da favela São Remo. — Foto: Reprodução

Os engenheiros atestaram também que a lona precisava ser substituída com urgência, comprometendo a continuidade das aulas de circo em dois dos quatro blocos da área.

Eles sugeriram reparos pontuais em algumas partes para que o atendimento social pudesse continuar parcialmente. A Subprefeitura do Butantã chegou a fazer um orçamento para a reforma, que totalizou R$ 1,2 milhão para os quatros blocos. Mas a reforma não foi feita, e o espaço ficou vazio e abandonado.

“A SMADS disse primeiro que não tinha verba, depois que o terreno era da USP e a cessão da área já estava vencida e não podia mais fazer intervenções no espaço. Como nada foi feito, o espaço foi vandalizado, e as crianças que eram atendidas pelo projeto estão desassistidas, já que a comunidade não tem outras opções de lazer e formação”, disse o arquiteto Rafael Ayres, membro do movimento de reabertura do Circo Escola São Remo.

Cozinha do circo escola São Remo, na Zona Oeste de SP, após invasão  — Foto: Acervo pessoal

Cozinha do circo escola São Remo, na Zona Oeste de SP, após invasão — Foto: Acervo pessoal

Imagens feitas dentro do circo escola há um mês pelos moradores mostram vidros quebrados, janelas, lonas e tetos danificados, além de brinquedos e mobiliário de recreação destruídos.

“Semanas atrás houve uma limpeza, colocaram trincos nas portas para que as crianças não pudessem mais entrar e vandalizar, mas nesta semana os invasores entraram e levaram até as portas”, afirmou o líder comunitário Givanildo dos Santos.

Funcionário da limpeza da Prefeitura de SP realiza limpeza no terreno vandalizado do circo escola São Remo, na Zona Oeste de SP. Vidros dos prédios foram quebrados e equipamentos roubados. — Foto: Acervo pessoal

Funcionário da limpeza da Prefeitura de SP realiza limpeza no terreno vandalizado do circo escola São Remo, na Zona Oeste de SP. Vidros dos prédios foram quebrados e equipamentos roubados. — Foto: Acervo pessoal

Editais

Para compensar a falta de opções de cultura no distrito, a SMADS autorizou a abertura de três editais de assistência social e cultura na região do Butantã, criando 460 vagas de atendimento para crianças, jovens e idosos também na São Remo.

Os projetos, contudo, estão em fase de chamamento público para o recebimento das propostas de atendimento das ONGs, mas não garantem a reforma do espaço do circo.

“As verbas existem para a execução dos projetos, mas elas não incluem a reforma do circo”, disse a coordenadora do CRAS Butantã, Maria de Fátima Araújo, durante a audiência na Câmara Municipal. “O gabinete da secretaria é quem pode responder o destino que se dará ao prédio”, declarou ela.

“A reabertura do circo é urgente não só pela emergência educacional, já que muitas crianças e jovens da comunidade estão sem escola e sem condição de fazer aulas online por falta de estrutura, mas também por uma emergência alimentar. A ONG que administrava o circo oferecia refeições e cestas básicas no início da pandemia [antes de fechar]. Essa ajuda simplesmente desapareceu no momento que as famílias mais precisavam, que é o da pandemia”, afirmou Rafael Ayres.

Sala de um dos prédios do circo escola da favela São Remo, fotografada por moradores da comunidade da Zona Oeste de São Paulo. — Foto: Arquivo pessoal

Sala de um dos prédios do circo escola da favela São Remo, fotografada por moradores da comunidade da Zona Oeste de São Paulo. — Foto: Arquivo pessoal

USP

Na nota enviada ao G1, a SMADS não informou o destino que pretende dar ao espaço cedido pela Universidade de São Paulo (USP) à gestão municipal desde o início do projeto, nos anos 90.

A secretaria declarou apenas que “solicita [novamente] a cessão do espaço e o processo está tramitando internamente na USP”.

Presente na audiência pública da Câmara Municipal, o prefeito da Cidade Universitária, professor Hermes Fajersztajn, afirmou, porém, que a USP tem total interesse em renovar a cessão do terreno mais uma vez para a continuidade dos projetos sociais da comunidade São Remo. Ele disse que a SMADS fez apenas um contato com a USP para tratar o assunto e não mais procurou a universidade.

“Nós fomos procurados pela SMADS em uma única reunião em março e nosso reitor declarou que não havia nenhum impedimento para a renovação da cessão. Inclusive passamos para eles três outros modelos de cessão de terreno feitos pela USP com outros órgãos no entorno, para servirem de modelo, mas não tivemos mais nenhum outro contato do órgão”, disse Fajersztajn na audiência da Câmara Municipal.

Berenice Gianella, secretária de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo. — Foto: Divulgação/PMSP

Berenice Gianella, secretária de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo. — Foto: Divulgação/PMSP

O vereador Eduardo Suplicy, que coordenou a audiência virtual da Câmara na sexta (28), disse que convidou a secretária Berenice Gianella, da SMADS, para participar do encontro e esclarecer o motivo do entrave com a USP, mas ela alegou outros compromissos na pasta para recusar o convite.

Ao G1, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social informou que Gianella estava representada na audiência pela coordenação do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Butantã.

Porém, a servidora concursada não soube esclarecer os trâmites burocráticos que impedem a assinatura de uma nova cessão de terreno com a USP, já que a universidade se mostrou totalmente favorável ao assunto. “Só o gabinete tem essa informação, que não foi nos passada”, declarou Maria de Fátima Araújo.

Estudo de vulnerabilidade da Prefeitura de SP mostra localização do circo escola, em meio à favela São Remo, no Rio Pequeno. — Foto: Reprodução/PMSP

Estudo de vulnerabilidade da Prefeitura de SP mostra localização do circo escola, em meio à favela São Remo, no Rio Pequeno. — Foto: Reprodução/PMSP

Reabertura imediata

A comunidade São Remo pede a reabertura do espaço e a retomada dos atendimentos sociais após a autorização dada pela prefeitura de retomada das aulas nas escolas, em 15 de fevereiro deste ano.

“O circo escola oferecia mais que aulas de malabares. Era um ponto de apoio social da comunidade, porque oferecia também cursos profissionalizantes para a procura de emprego não só para crianças, mas para todos que moram no local. Um ano depois da pandemia, as crianças estão na rua, os jovens, sem emprego, as famílias, desassistidas. Não restou nada daquilo que tirou tanta gente do caminho ruim”, afirma Clariane Santos, de 27 anos, ex-moradora da comunidade.

Lona do circo escola São Remo após o fechamento do espaço pela Prefeitura de São Paulo.  — Foto: Arquivo pessoal

Lona do circo escola São Remo após o fechamento do espaço pela Prefeitura de São Paulo. — Foto: Arquivo pessoal

Clariane foi aluna do Circo Escola em 2008 e, graças aos cursos oferecidos lá, conquistou um cargo de assistente jurídica e cursa o terceiro ano do curso de Direito.

“É um absurdo manter o prédio fechado, sendo alvo de depredação, numa crise social como essa que vivemos. O circo escola é uma forma de geração de renda também, porque contrata gente da comunidade para trabalhar lá, oferecendo mais oportunidades, como aconteceu comigo, e qualificando para o mercado de trabalho. Dói ver esse abandono numa comunidade que é carente de tudo”, afirmou a moça.

Os moradores da São Remo prometem fazer uma manifestação nesta semana na frente da Subprefeitura do Butantã para pedir atenção da gestão Ricardo Nunes (MDB) ao problema do equipamento, além de mais atenção à comunidade de São Remo.

Alunos durante aula no Circo Escola Bom Jesus, na Vila São Remo, Zona Oeste de São Paulo.  — Foto: Divulgação/PMSP

Alunos durante aula no Circo Escola Bom Jesus, na Vila São Remo, Zona Oeste de São Paulo. — Foto: Divulgação/PMSP

Alunos do Circo Escola São Remo durante aula de violino.  — Foto: Divulgação/PMSP

Alunos do Circo Escola São Remo durante aula de violino. — Foto: Divulgação/PMSP

Íntegra da nota da SMAS

“A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social informa que na audiência pública realizada nesta sexta-feira (28), na Câmara Municipal de São Paulo, estava presente a Coordenação do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Butantã.

A pasta esclarece que a equipe do CRAS se reúne regularmente com os líderes comunitários da região para explicar sobre a rede socioassistencial no território. No momento, há três editais de chamamento público em andamento para implantar os serviços de Centro de Convivência Intergeracional (CCInter) com 180 vagas, Centro para Crianças e Adolescentes (CCA) de 120 vagas e o Centro de Desenvolvimento Social e Produtivo para Adolescentes, Jovens e Adultos (CEDESP) com 160 vagas. Todos previstos que sejam instalados em outros imóveis no território.

A equipe de engenharia da pasta fez vistoria no imóvel (que pertence à Universidade de São Paulo – USP) e foi constatado por laudo técnico que o local está inadequado para a continuidade das atividades. A SMADS solicita a cessão do espaço e o processo está tramitando internamente na USP”.

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Fontes: G1 – Globo.

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