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Somos enganados com frases atribuídas a quem não as concebeu

Livros. - Imagem: Reprodução | Amazon Brasil
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Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 03/03/2024, às 07h13


Um bom recurso, tanto na comunicação oral quanto na comunicação escrita, é lançar mão, de vez em quando, de uma boa frase como citação, especialmente se for de um autor renomado. Além de dar ainda mais clareza à mensagem, pode, em certas circunstâncias, reforçar a autoridade do orador ou do escritor. 

Durante 17 anos, escrevendo semanalmente para um dos mais importantes portais do país, iniciei sempre, como espécie de marca registrada, com uma frase famosa que interpretasse a essência do conteúdo do texto. Embora essa prática exija trabalho de pesquisa, foi uma boa iniciativa. Houve casos em que os leitores comentavam igualmente o artigo e a frase.

De preferência, citava aquelas extraídas dos livros que lia. Em certas situações, a informação se mostrava tão instigante que me obrigava a rever os planos iniciais, pois acabava por se transformar em um texto diferente do planejado.

O risco da internet

De vez em quando, para encontrar frases mais precisas, que pudessem identificar de maneira abrangente o tema, “cometi o deslize” de fazer consultas pelo Google. Imediatamente surgiam citações dos mais diversos autores. Descobri, todavia, que essas informações não eram confiáveis.

Ainda bem que meu espírito desconfiado me livrou de algumas enrascadas. Uma delas se deu quando escrevi o livro “Conquistar e influenciar para se dar bem com as pessoas”. Adotei o mesmo procedimento ao elaborar cada uma de suas partes. Todas começam com uma citação memorável.

Cuidado redobrado

Embora procure o tempo todo ser criterioso com tudo o que escrevo, como um livro tem, pelo menos em tese, vida mais perene, o cuidado foi redobrado. Fiz uma pesquisa profunda e abrangente para que cada citação se encaixasse perfeitamente nos capítulos.

Um deles trata do comportamento nas mudanças. Não tive dúvida em pôr ali uma frase de Darwin, por se tratar de uma das mais citadas em todo o mundo: “Não é o mais forte que sobrevive, mas o que mais se adapta às mudanças”. Perfeita.Em determinado momento, todavia, pensei – como posso ter certeza de que é mesmo de sua autoria?

Você pode se surpreender

Resolvi pesquisar mais profundamente. Para minha surpresa, outro pensador surgiu como sendo o autor da frase, Leon G. Megginson. Embora paire dúvidas, os estudos mostram que a frase não é mesmo de Darwin.

Outra cantada em verso e prosa é a de Abraham Lincoln: “Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos por todo o tempo”. Tudo indica que essa também não seja do ex-presidente americano.

Galilei e Borges

Outros exemplos chegam a ser chocantes. Sabe aquela do Galileu Galilei, que é lembrada sempre que alguém se sente obrigado a dizer o que não gostaria? “E pur si muove – e, no entanto, ela se move”. Pois é, tudo leva a crer que ele jamais a teria proferido no tribunal de inquisição.

Há uma mensagem belíssima que fala do arrependimento de uma pessoa não ter aproveitado a vida como poderia. “Instantes”, quase sempre atribuída sem ressalvas a Jorge Luis Borges, também não pertence a esse escritor argentino. Só para lembrar do início:

“Se eu pudesse novamente viver a minha vida,

Na próxima trataria de cometer mais erros.

Não tentaria ser tão perfeito,

Relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido”.

Só citações confirmadas

Diante de tantas indicações falsas, nunca mais corri o risco de fazer citações que não fossem efetivamente confirmadas. Quando não retiro a frase de um livro que esteja lendo, não confio apenas nas pesquisas feitas na internet. Ainda que a informação seja repetida por várias fontes, ponho interrogação. É comum alguém se enganar e outras pessoas copiarem o mesmo erro.

O ideal seria ler a obra toda do autor e pinçarmos a frase do seu livro. Teríamos certeza de que foi ele mesmo quem a produziu. Como não será possível sempre recorrermos a essa estratégia, pois seria impraticável ler todas as obras de todos os autores, de vez em quando podemos lançar mão de uma boa frase fora de nossas leituras.

Livros de citações

Para evitar o risco de cometer enganos, e citar apenas frases que comprovadamente sejam do autor mencionado, podemos nos valer de livros escritos com essa finalidade. Por exemplo, o “Dicionário Universal Nova Fronteira de Citações”, de Paulo Rónai. A obra traz as frases por ordem alfabética de assuntos, e dá a sua origem correta, com o título do livro e número da página.

O uso das frases e das citações é, portanto, um excelente recurso de comunicação. Ajuda a esclarecer a mensagem, dá credibilidade, torna a comunicação mais arejada e atraente. Devemos, entretanto, tomar certos cuidados para evitar equívocos que podem ser comprometedores.

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