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COLUNA

Atentado contra a vida de Trump não teve o 'timing' que ele poderia desejar

Kamala Harris ocupa o vácuo deixado por Biden. - Imagem: Reprodução | X (Twitter) - @DetroitNews
Kamala Harris ocupa o vácuo deixado por Biden. - Imagem: Reprodução | X (Twitter) - @DetroitNews
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 25/07/2024, às 06h00


Todo mundo já falou sobre o despropósito do atentado contra Trump. Só alguém com problemas mentais poderia desejar a morte de uma pessoa numa disputa política. Esse deve ser um ponto pacífico em qualquer debate. Acho que estamos de acordo. Feitas essas observações, agora podemos avaliar as consequências eleitorais desse episódio que ficará para a história.

Num primeiro momento, a exemplo do que ocorreu com a facada em Bolsonaro, os dividendos do republicano no papel de vítima pareceram ser excepcionais. No dia seguinte, a Reuters divulgou uma pesquisa mostrando Trump à frente de Biden. Era tudo o que o opositor ao governo desejava. A desistência de Biden era esperada pela maioria. Dava a impressão de ser a pá de cal nas aspirações democratas de continuar na Casa Branca.

Trump estava com boa vantagem. Ele se mostrava mais robusto física e mentalmente que Biden e havia saído fortalecido dos incontáveis processos movidos contra ele. Sua tese na defesa do país contra a migração desenfreada é uma de suas principais bandeiras para voltar a dirigir o país. Esses argumentos não puderam ser refutados pelo adversário. Além da sua experiência de ter presidido o país. Muitos americanos desejam a sua volta.

Como candidato, terá mais tempo para defender as conquistas do seu governo na área da economia. O país foi muito bem apesar da pandemia. Sua oratória, treinada em diversos programas de televisão e calejado pelas disputas políticas que empreendeu, são uma arma poderosa para concorrer nessa eleição.

Decisão rápida

A dúvida que persistia era quem substituiria o presidente nessa campanha. Havia pelo menos cinco nomes cogitados. Entre eles o da vice-presidente Kamala Harris e o da ex-primeira-dama Michelle Obama. Precisavam tomar a decisão rapidamente, pois essa demora poderia dar a Trump uma vantagem que talvez não pudesse ser revertida.

Os democratas foram rápidos na decisão, e sem perda de tempo, concluíram que o nome de Kamala seria o mais adequado. Como vice-presidente ela adquiriu boa experiência para ocupar o cargo. Além disso, já possuía forte apelo para conseguir contribuições generosas dos doadores à sua campanha.

Esse tiro foi tão certeiro que, já no dia seguinte, as pesquisas davam boa vantagem a ela. O estudo da Reuters/Ipsos indica que a candidata democrata está com 44% contra 42% de Trump. Uma surpresa até para os mais otimistas.

Notas de rodapé

Outro prejuízo para o republicano é que o episódio do atentado começou a perder força. Passou a dar espaço mais expressivo para o nome que substituiu Biden. A vantagem produzida pela tentativa de assassinato, que havia tomado conta de todas as manchetes no mundo inteiro, começa a minguar. Os comentários desceram para as notas de rodapé, enquanto que o nome de Kamala Harris ocupa o vácuo deixado.

Se o atentado tivesse ocorrido depois da substituição de Biden, provavelmente seria uma notícia mais perene, que seguiria ao lado da campanha até os dias próximos da eleição. São fatos que não podem ser programados. Esses acontecimentos surgem de uma hora para outra em um estalar de dedos. Nem os democratas poderiam imaginar um resultado tão imediato na preferência dos eleitores.

Luta no ringue

As coincidências não obedeceram ao timing que Trump poderia desejar. Como não dependeu da vontade dele, mas sim do acaso, só resta a ele continuar expondo sua orelha coberta por esparadrapo para sensibilizar ainda mais os eleitores. Daqui para a frente precisará descer do pedestal confortável em que se encontrava. Se quiser chegar na frente, terá de lutar no ringue com uma adversária que já se mostrou poderosa.

Enquanto os democratas pensavam no nome para substituir Biden, Trump declarou que preferia concorrer com Kamala, pois seria mais fácil vencê-la. Embora suas chances continuem muito boas, não terá vida fácil nos próximos meses. Vai enfrentar um osso duro de roer. Os resultados dependerão muito do desempenho que os candidatos terão nos debates.

Ainda é bom argumento

O ex-presidente precisará capitalizar com mais força o fato de quase ter perdido a vida com aquele tiro que passou a milímetros do seu crânio. Como ele mesmo disse, só a providência divina poderia ter evitado que morresse naquele dia. Ainda que tenha perdido as cores impactantes do primeiro momento, continua sendo um argumento mais poderoso que os próprios pontos de seu programa eleitoral.

Kamala Harris sempre se mostrou aguerrida e até agressiva em seus pronunciamentos. Ninguém poderá garantir que essa seja uma boa estratégia. Chega a ser vista como extremista da esquerda. Em 2019, foi apontada pelo relatório da GovTrack como a senadora mais esquerdista dos Estados Unidos. Ficando à frente até de Bernie Sanders, um socialista assumido. Para um ativista, tudo bem, mas para um presidente, essa imagem pode não ser boa.

Ao contrário do que aconteceu no último confronto entre os candidatos, os próximos deverão ser mais voltados para as questões da vida dos americanos que para os ataques pessoais. Vamos ver se os contendores resistem ao ímpeto de atacar com veemência. A expectativa é grande. É como se uma nova campanha eleitoral tivesse início. O passado recente parece ter sido zerado.

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