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Se não tivesse recuado, Bolsonaro poderia estar preso

Jair Bolsonaro. - Imagem: Reprodução | Joédson Alves /Instagram
Jair Bolsonaro. - Imagem: Reprodução | Joédson Alves /Instagram
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 28/01/2024, às 08h16


Bolsonaro vive na prática a máxima de que “política é para poucos”. O tempo todo é acusado de crimes que teria cometido. Quando pensa que se livrou de um pesadelo, lá vem outro, e mais um para atormentar a sua vida. E a história só não é pior porque em um momento de extrema lucidez percebeu que caminhava para um precipício. Ao se dar conta da encrenca em que estava se metendo, tomou a decisão acertada e recuou.

Seus seguidores estavam indignados com as ações do Judiciário e do Legislativo. Muitos bolsonaristas achavam que ele deveria partir para o confronto com os dois poderes antagônicos. Percebendo o erro que poderia cometer, hesitou. Sabia que não bastava ter a população ao seu lado. Precisou encontrar uma saída. Procurou ganhar tempo.

Eu autorizo, eu autorizo

Convocou uma grande manifestação para o dia 7 de setembro. Foi no ano de 2021. Durante a chamada que fez, disse que aguardava uma autorização das pessoas para agir. Seu apelo foi atendido. Não se tem notícia de comemoração desse vulto em toda a história do país.

A oposição, para minimizar o sucesso dos manifestantes, afirmou que havia na Av. Paulista 125 mil participantes. Já os aliados do chefe do Executivo apresentaram números mais bem expressivos – dois milhões. A avenida estava “pintada” nas cores verde e amarela. Os gritos de guerra eram retumbantes: “Fora Alexandre, fora Alexandre’, “Eu autorizo, eu autorizo” e “Liberdade, liberdade”.

Uma armadilha

Bolsonaro havia construído uma armadilha para si mesmo. Como não agir diante daqueles gritos de “eu autorizo”? Seus apoiadores haviam entendido claramente que ele esperava por essa “licença” para tomar iniciativas que pudessem equilibrar as forças entre os três poderes.

A oposição esfregava as mãos para que o presidente fosse em frente e provasse o que sempre afirmaram – que ele preparava um golpe. Estava tudo armado para o caos. Os caminhoneiros haviam decidido paralisar o país. Se concretizassem esse plano, haveria desabastecimento generalizado e, consequentemente, sérios prejuízos para a economia.

Esse era um momento decisivo. Se Bolsonaro fosse levado pela emoção do momento, sem ponderar com lucidez o que estava em jogo, em pouco tempo iria se arrepender de suas bravatas.

Ministro salvador

Para essa tarefa espinhosa, convocou seu ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que, por ter estreito relacionamento com a classe, gravou um vídeo e apontou as graves consequências para o país caso os caminhões impedissem a circulação de veículos pelas estradas. Deu certo. Os caminhoneiros desistiram de dar andamento àquele plano desmiolado.

O problema, entretanto, não se limitava a esse risco de paralização. Os milhões que foram às ruas em todo o país aguardavam ansiosos pelas ações do presidente. O que será que esse povo queria? Que invadissem o STF, o Senado e a Câmara dos Deputados? O resultado para esse desatino era evidente: Bolsonaro perderia o cargo e seria preso. Os militares já haviam avisado que não meteriam a mão nessa cumbuca.

Ex-presidente salvador

Não fazer nada também seria uma desmoralização. Suas palavras poderiam ser encaradas como irresponsáveis. O que não deixava de ser verdade. O receio de que as pessoas perdessem o controle foi sentido no dia seguinte. O dólar foi para as nuvens, a bolsa degringolou e o mercado ficou em polvorosa. Que outro Tarcísio poderia ser convocado para apagar esse incêndio? Dessa vez o recrutado foi o ex-presidente Michel Temer.

Além de toda a experiência acumulada como presidente da República, presidente da Câmara dos Deputados, Secretário de Segurança Pública, Procurador-geral, entre outros cargos, havia indicado Alexandre de Moraes para o STF (Supremo Tribunal Federal). Era a pessoa certa para desfazer aquele nó.

Um pedido de desculpas

Ainda que decepcionasse algumas pessoas, graças à colaboração de Temer, Bolsonaro redigiu uma “carta à nação”. Na mensagem de poucas linhas pediu desculpas pelos excessos cometidos, afirmou seu respeito às instituições, garantiu que não havia confronto e pediu que o STF também baixasse a guarda e levantasse a bandeira branca.

Dessa forma, apesar do descontentamento de parte dos seus seguidores e grande surpresa dos opositores, ficou o dito pelo não dito e a vida pôde seguir em paz. Aquela turbulência foi contornada sem que houvesse maiores dissabores.

Consequência ainda piores

Se Bolsonaro, sem ter participado do episódio de 8 de janeiro, é perseguido ferozmente por seus adversários e corre o risco de ser preso, dá para imaginar o que poderia ter acontecido com ele se não usasse toda a sua experiência e visão política para recuar no instante mais crítico.

Outra decisão acertada foi ter ficado quieto após perder as eleições. Se tivesse se manifestado, provavelmente, teria expressado todo o seu descontentamento e revolta. Ao permanecer em silêncio e ter viajado para os Estados Unidos, antes mesmo do seu último dia de mandato, se afastou do burburinho que só poderia prejudicá-lo. Seguiu o velho e sábio conselho de que “passarinho na muda não pia”.

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